Ah, meus nobres leitores portugueses, o que pode ser mais nostálgico do que a imagem de uma caravela velejada por seus antepassados, por mares nunca dantes navegados!
Hei de recuar por tempos e mares, até a longínqua terra mater onde repousam minhas origens portuguesas.
Nessa viagem, eu talvez esbarre em escrivães de frotas redigindo suas cartas ao rei, relatando as peripécias de suas viagens em veleiros que enfrentam calmarias ou convés invadidos por águas de um mar bravio.
Um desses navios, que singravam os mares entre o império e a antiga colônia, trazia meus antepassados lusitanos, que saíram de sua terra natal em busca de sonhos.
O navio era o "Rei de Portugal", um barco pequeno com muitas velas e pouco motor. A época de que falo era o final de março do ano de 1898. O meu antepassado à bordo era o meu avô materno, que completou 9 anos em alto mar.
O pequeno veleiro deixara o porto de Leixões havia 22 dias antes que viesse a tocar as águas da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
O menino Antônio estava encantado com a aventura que chegara ao fim, depois de singrar os mares e gozar dos ares dos portos de Lisboa, Madeira, Cabo Verde, Pernambuco e Bahia.
Comecei pelo nº 5, o símbolo do movimento, das mudanças e das viagens. Mas, agora, dedico-me um pouco mais ao nº 6, a expressão mais íntima da família e do amor à tradição dos ancestrais.
O meu avô, que pisara em solo brasileiro aos 9 anos de idade, seria enterrado em terras brasileiras 50 anos depois. Chamava-se Antônio José da Cunha, natural do Porto, onde nascera no dia 12 de março de 1889. Os seus pais eram de Chaves, província de Traz os Montes, e, na data em que nasceu, seu pai era guarda fiscal na cidade do Porto.
Conto-vos, meus atentos leitores, o que meu avô deixou por escrito, e que repercute nos tempos modernos como um romance histórico, uma epopéia com sabor de revolta e de bravura.
O pai dele meteu-se numa rebelião pelos idos de 1891, quando no dia 31 de janeiro estourou na cidade do Porto um movimento republicano, pelo descontentamento popular contra a política externa do rei.
Nos manuscritos do meu avô Cunha, pude saber que os rebelados se achavam humilhados pela submissão de Portugal às ordens da Inglaterra.
O rei era D. Carlos I que, de acordo com os insurgentes, se curvara a exigências humilhantes impostas pelos ingleses.
O clamor republicano foi para as ruas, mas de forma ingênua e aventuresca, pois se esqueceram de fortalecer suas posições, e saíram para comemorar a nova república nos braços do povo.
A tropa fiel ao rei chegou e pôs ordem na casa, prendendo os revoltosos, dentre os quais o meu bisavô Domingos, que saiu dos campos de luta para um hospital, onde permaneceu 2 meses, por conta de um balaço que entrou pelo peito e saiu pelas costas.
Surge, então, na história da família, a grande heroína, minha bisavó Amélia que, à frente de esposas de outros prisioneiros, foi à presença da rainha Dona Amélia, rogar-lhe que perdoasse os revoltosos, que tinham sido condenados ao degredo na África.
Os argumentos de minha bisavó Amélia parecem haver sensibilizado a rainha que, por ter o mesmo nome, deve ter sentido uma empatia imediata pela causa da outra Amélia.
A heroína Amélia deve ter sido aclamada pelas esposas e pelos fracassados rebeldes que recuperaram a liberdade e abandonaram de vez os seus sonhos republicanos.
Quem diria, meus leitores portugueses, que o meu sangue já correu em terras de além mar, e que meus ancestrais ajudaram a escrever uma parte da história de Portugal. Uma parte muito ínfima, é verdade, e fracassada, o que é o pior, mas perdoem a ingenuidade do meu bisavô, pois naquele tempo não havia internet, para que ele tivesse noção em que fria estava se metendo, em busca dessa tal de república.
Meu avô foi pintor, não de quadros, mas de paredes.
Numa época de devoções religiosas e beatas beijando a mão dos padres, meu avô foi taxado de ateu, e até de comunista. Pobre coitado, que de comunista tinha somente uma profunda consciência social, e de ateu, uma fé num Deus que estava muito acima das religiões.
As pinturas do meu avô, no entanto, não se restringiam às paredes e tetos, mas, também, nas horas vagas, a pequenas telas que retratavam suas memórias repletas de sensibilidade e romantismo.
Num dos quadros, herdados por mim, ele aparece de namoricos com a minha avó, na bica da praça onde os dois se encontravam, enquanto enchiam suas tinas e esvaziavam seus corações com juras de amor.
Quando morreu, deixou um esboço de tela, que pintaria e dedicaria à minha mãe. Não deu tempo, a obra ficou inacabada, com um certo ar de mistério, indecifrável para quem vê um jovem com bombachas gaúchas e esporas olhando cheio de amor para uma jovenzinha simples, e que com olhos baixos denunciava um pudor que o tempo tratou de extirpar dos olhares das jovens de hoje em dia.
A vós, meus leitores apegados a números, deixo-vos uma lição prática do que seja o nº 6, falando da minha família portuguesa, dos meus avós e bisavós e das tradições e raízes que contam a história de nossos ancestrais.
A viagem marítima da família, de Portugal para o Brasil, e as aventuras militares do meu bisavô, são exemplos mais do que suficientes para falar do nº 5, impulsivo, inquieto, aventureiro e eterno peregrino.
A meus leitores portugueses, deixo a minha saudação de um irmão distante, que poderia estar a se deleitar com esse sotaque gracioso e melódico do povo português, mas que o destino fez com que, nesta encarnação, nascesse em terras brasis, com seus acertos e desacertos de uma nação ainda jovem.
Entre o 5 e o 6, minha família viajou, criou raízes e deixou uma história de amor, que já está sendo contada pela terceira ou quarta geração.
Tudo vale a pena, meus queridos leitores, quando a alma não é pequena.
Hei de recuar por tempos e mares, até a longínqua terra mater onde repousam minhas origens portuguesas.
Nessa viagem, eu talvez esbarre em escrivães de frotas redigindo suas cartas ao rei, relatando as peripécias de suas viagens em veleiros que enfrentam calmarias ou convés invadidos por águas de um mar bravio.
Um desses navios, que singravam os mares entre o império e a antiga colônia, trazia meus antepassados lusitanos, que saíram de sua terra natal em busca de sonhos.
O navio era o "Rei de Portugal", um barco pequeno com muitas velas e pouco motor. A época de que falo era o final de março do ano de 1898. O meu antepassado à bordo era o meu avô materno, que completou 9 anos em alto mar.
O pequeno veleiro deixara o porto de Leixões havia 22 dias antes que viesse a tocar as águas da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
O menino Antônio estava encantado com a aventura que chegara ao fim, depois de singrar os mares e gozar dos ares dos portos de Lisboa, Madeira, Cabo Verde, Pernambuco e Bahia.
Comecei pelo nº 5, o símbolo do movimento, das mudanças e das viagens. Mas, agora, dedico-me um pouco mais ao nº 6, a expressão mais íntima da família e do amor à tradição dos ancestrais.
O meu avô, que pisara em solo brasileiro aos 9 anos de idade, seria enterrado em terras brasileiras 50 anos depois. Chamava-se Antônio José da Cunha, natural do Porto, onde nascera no dia 12 de março de 1889. Os seus pais eram de Chaves, província de Traz os Montes, e, na data em que nasceu, seu pai era guarda fiscal na cidade do Porto.
Conto-vos, meus atentos leitores, o que meu avô deixou por escrito, e que repercute nos tempos modernos como um romance histórico, uma epopéia com sabor de revolta e de bravura.
O pai dele meteu-se numa rebelião pelos idos de 1891, quando no dia 31 de janeiro estourou na cidade do Porto um movimento republicano, pelo descontentamento popular contra a política externa do rei.
Nos manuscritos do meu avô Cunha, pude saber que os rebelados se achavam humilhados pela submissão de Portugal às ordens da Inglaterra.
O rei era D. Carlos I que, de acordo com os insurgentes, se curvara a exigências humilhantes impostas pelos ingleses.
O clamor republicano foi para as ruas, mas de forma ingênua e aventuresca, pois se esqueceram de fortalecer suas posições, e saíram para comemorar a nova república nos braços do povo.
A tropa fiel ao rei chegou e pôs ordem na casa, prendendo os revoltosos, dentre os quais o meu bisavô Domingos, que saiu dos campos de luta para um hospital, onde permaneceu 2 meses, por conta de um balaço que entrou pelo peito e saiu pelas costas.
Surge, então, na história da família, a grande heroína, minha bisavó Amélia que, à frente de esposas de outros prisioneiros, foi à presença da rainha Dona Amélia, rogar-lhe que perdoasse os revoltosos, que tinham sido condenados ao degredo na África.
Os argumentos de minha bisavó Amélia parecem haver sensibilizado a rainha que, por ter o mesmo nome, deve ter sentido uma empatia imediata pela causa da outra Amélia.
A heroína Amélia deve ter sido aclamada pelas esposas e pelos fracassados rebeldes que recuperaram a liberdade e abandonaram de vez os seus sonhos republicanos.
Quem diria, meus leitores portugueses, que o meu sangue já correu em terras de além mar, e que meus ancestrais ajudaram a escrever uma parte da história de Portugal. Uma parte muito ínfima, é verdade, e fracassada, o que é o pior, mas perdoem a ingenuidade do meu bisavô, pois naquele tempo não havia internet, para que ele tivesse noção em que fria estava se metendo, em busca dessa tal de república.
Meu avô foi pintor, não de quadros, mas de paredes.
Numa época de devoções religiosas e beatas beijando a mão dos padres, meu avô foi taxado de ateu, e até de comunista. Pobre coitado, que de comunista tinha somente uma profunda consciência social, e de ateu, uma fé num Deus que estava muito acima das religiões.
As pinturas do meu avô, no entanto, não se restringiam às paredes e tetos, mas, também, nas horas vagas, a pequenas telas que retratavam suas memórias repletas de sensibilidade e romantismo.
Num dos quadros, herdados por mim, ele aparece de namoricos com a minha avó, na bica da praça onde os dois se encontravam, enquanto enchiam suas tinas e esvaziavam seus corações com juras de amor.
Quando morreu, deixou um esboço de tela, que pintaria e dedicaria à minha mãe. Não deu tempo, a obra ficou inacabada, com um certo ar de mistério, indecifrável para quem vê um jovem com bombachas gaúchas e esporas olhando cheio de amor para uma jovenzinha simples, e que com olhos baixos denunciava um pudor que o tempo tratou de extirpar dos olhares das jovens de hoje em dia.
A vós, meus leitores apegados a números, deixo-vos uma lição prática do que seja o nº 6, falando da minha família portuguesa, dos meus avós e bisavós e das tradições e raízes que contam a história de nossos ancestrais.
A viagem marítima da família, de Portugal para o Brasil, e as aventuras militares do meu bisavô, são exemplos mais do que suficientes para falar do nº 5, impulsivo, inquieto, aventureiro e eterno peregrino.
A meus leitores portugueses, deixo a minha saudação de um irmão distante, que poderia estar a se deleitar com esse sotaque gracioso e melódico do povo português, mas que o destino fez com que, nesta encarnação, nascesse em terras brasis, com seus acertos e desacertos de uma nação ainda jovem.
Entre o 5 e o 6, minha família viajou, criou raízes e deixou uma história de amor, que já está sendo contada pela terceira ou quarta geração.
Tudo vale a pena, meus queridos leitores, quando a alma não é pequena.
Que delícia de post, Gilberto!
ResponderExcluirEstive aqui recostada na cadeira a lê-lo, parecendo ouvir a sua voz (que nunca ouvi!) e o sotaque brasileiro num serão no campo. :))
Que sortudo que é por saber a história dos seus antepassados mais longínquos!
O seu avô era, então, do Porto. Talvez não saiba, mas as pessoas do Norte de Portugal são as mais hospitaleiras, trabalhadoras e empreendedoras.
São as que cuidam com mais amor das suas terras, as que recebem com mais hospitalidade as visitas. No Norte, sempre que vêm visitas, os anfitriões tratam logo de pôr a mesa, sempre cuidando para que nada falte a quem os vai ver. São muito generosos, um povo de bom coração.
Acho que vai gostar de saber isto.
Um abraço
Gilberto, adorei o texto.
ResponderExcluirHá um pouco nós ai e um pouco de vocês cá.
:)
Oi, Hazel :
ResponderExcluirAgradeço sensibilizado os seus comentários.
Meu avô deixou um resumo da sua vida num escrito que entregou à minha mãe.
Aos 93 anos de idade, e ainda muito lúcida, minha mãe deixou-me os escritos do pai, sob minha guarda.
E foi dele que retirei toda a história que contei no blog.
Eu não sabia dessa faceta dos naturais do Porto, de serem os mais hospitaleiros dentre os portugueses.
Minha mãe tem uma lembrança muito carinhosa do pai, um fiel provedor da família, sempre ocupado em manter a despensa abastecida.
Sensível e honesto, ele deixou uma imagem de pessoa bondosa e confiável, mas de sangue quente, quando era contrariado ou enfrentado. Os do Porto também são assim, ou isso era coisa só dele?
Gostei muito dos seus comentários sobre o povo da terra do meu avô.
Assim, fiquei conhecendo-o um pouco mais, pois quando ele morreu, eu tinha apenas 5 anos.
Um abraço carinhoso.
Gilberto.
Oi, minha amiga que não gosta de se identificar. Quando a conheci era a mãe do Piki, e agora como a chamo?
ResponderExcluirAgradeço a sua expressão "adorei o texto".
É verdade minha amiga, há muito do sangue português correndo em veias brasileiras, e muitas de nossas memórias ligadas ao povo português.
Volte sempre.
Gilberto.
Meu querido:
ResponderExcluirQuantas e quantas vezes ouvi sua mãe contar a linda história da vida do pai que ela tanto ama, e da avó, mulher forte e decidida de quem ela herdou a força e as mãos!
Essas histórias verdadeiras são exemplos de vida, comovem e inspiram seus descendentes.
Gostei muito dessa sua postagem. Você assumiu sua herança portuguesa, e com toda a pompa e circunstância !
Parabéns pelo lindo texto, e trate de contar mais histórias da família, viu ?
Beijo
Minha querida, Flora, confesso-lhe humildemente a sua influência ao sair em busca de suas raízes portuguesas, como fonte de inspiração para que eu tratasse de fazer o mesmo.
ResponderExcluirO meu sentimento pelas terras distantes de meus ancestrais já era do seu conhecimento pela minha admiração pelas músicas portuguesas e pelo efeito que produziam em minha alma.
Amália com o seu Fado da Severa e Barco Negro, Dulce Pontes, Carlos do Carmo com os cacilheiros do Tejo e muitos outros cantores e canções são recordações de uma terra que fez parte de uma encarnação passada, há cerca de 500 anos atrás. Mas, deixa isso pra lá...
Eu tenho saudades das terras que não conheci nesta vida, eu gosto das canções que não cantei nesta vida, eu acho um charm o sotaque que eu não herdei nesta vida...
Desse modo, como evitar um preito às minhas origens portuguesas?
Como sempre, a minha musa inspirou-me e a minha alma espetou-me para não deixar passar a oportunidade.
Beijos.
Gilberto.
Olá, Gilberto
ResponderExcluirJá imaginou a enorme riqueza que seria se todos os nossos antepassados tivessem tido a mesma ideia do seu avô, e deixassem a sua história de vida escrita?
Seria maravilhoso mesmo. E é uma forma de manter viva a memória dos que fazem parte das nossas raízes.
Sim, sim, as pessoas do Norte são de extremos. São muito generosas, trabalhadoras e hospitaleiras. Mas quando ficam enfurecidas, o melhor é fugir mesmo. ahahahah
Abraço!
Sabe, Hazel, o melhor é começarmos essa prática, e deixarmos as nossas memórias registradas para as gerações futuras.
ResponderExcluirConfesso-lhe que, ao criar o meu blog Na Era do Rádio, não foi outra a minha intenção. Mas, existem segredinhos de família que não devem cair no conhecimento popular, não é mesmo?
Vou pensar em, talvez, criar um blog fechado, ao qual só determinadas pessoas teriam acesso.Nele, então, eu contaria a minha história de vida. Não acha uma boa idéia?
E quanto à fúria do povo do Norte, minha mãe já me contou alguns fatos que só confirmam as suas palavras.
Grato, mais uma vez, pelos seus comentários.
Abraços.
Gilberto.
Primo Gilberto,
ResponderExcluirQue fantástica viagem ao passado!
Conte-nos mais!
Poste mais fotos!
A gente se fortalece sabendo mais
dos nossos antepassados.
Parabéns pela iniciativa!
Agradeço pela parte que me toca!
Rosângela
Minha querida, prima, tenho em mãos o caderno manuscrito por nosso avô Cunha, narrando resumidamente a história da vida dele.
ResponderExcluirRetirei dele, estes dados que usei para mostrar aos meus amigos portugueses, os vínculos que unem muitos de nós brasileiros às terras portuguesas.
Estou satisfeito por ter gostado, e espero que o Walter também tenha lido, e gostado.
Eu tenho um outro blog, o Na Era do Rádio, onde falo da minha infância, e já fiz algumas postagens sobre o grande músico que foi o tio Sandoval.
Se ainda não leu, passe por lá, e leia.
Anote o link :
www.marraioferidosourei.blogspot.com
Vou pesquisar mais um pouco dos manuscritos do nosso avô, e ver o que posso extrair de interessante para parentes e também para estranhos que visitem o blog.
Volte sempre.
Uma abraço.
Gilberto.