Estava mergulhado nos meus pensamentos, ocupados com meus deveres espirituais e com a minha missão de passar conhecimentos, quando me veio à lembrança um fato que sempre foi motivo de brincadeiras na família, mas que, neste momento, me serviu a boas reflexões.
Os meus pensamentos, meio aborrecidos, não posso negar, tinham suas origens nas atitudes fugidias das pessoas, diante de comprometimentos espirituais assumidos, e, a seguir, descumpridos.
Sozinho, na solidão da mente, me sentia descontente com essas pessoas, sem dúvida espiritualizadas, mas que, invariavelmente, se recusam a mergulhar de cabeça na busca de conhecimentos, com explicações e justificativas vazias e inconsistentes, valorizando o secundário, em detrimento do principal.
As exigências de suas Almas pedem estudos e aprofundamentos espirituais, mas são os caprichos da Personalidade que prevalecem, desviando as atenções do Espírito para a Matéria. Seduzidas e tentadas pelos prazeres físicos e por ganhos materiais, elas vão afastando-se dos seus deveres espirituais, sem que percebam e sem saber como escapar das rotinas do cotidiano.
Os efeitos desses afastamentos, verdadeiras fugas e omissões, não poderiam ser mais danosos, provocando a morte do entusiasmo pela vida e o início de uma sucessão de males psíquicos e físicos, com uma contínua e inexorável fragilização do sistema imunológico.
A lembrança a que me referi, e que, à primeira vista, não tem nada a ver com essa divagação espiritual, aconteceu há muitos anos atrás, quando uma de minhas vizinhas, que tinha lá as suas esquisitices, ameaçou a empregada de um outro apartamento com uma faca, e forçou-a a entrar no seu apartamento.
A moça muito assustada, sem saber o que fazer, ouviu, de repente, uma insólita pergunta, que se tornou uma lenda dentro do condomínio : “ chá ou babalu?”.
Quem poderia imaginar que alguém pudesse seqüestrar a empregada do vizinho, com a única intenção de lhe impor uma escolha – ou ela tomava um chá ou mascava uma goma de mascar, conhecida na época como babalu.
Desse dia em diante, dentro da família, toda vez que se oferece um chá, complementa-se essa oferta com a opção "ou babalu?", inexplicável para quem não conhece o fato.
O tempo passou, a vizinha continuou aprontando das suas, mudamos do prédio, deixamos o Rio e viemos morar em S. Lourenço, mas aquela pergunta ficou gravada em nossa memória : “chá ou babalu?”.
Chá, uma bebida nobre, servida de forma requintada e cerimoniosa ou, às vezes, até mesmo dentro de um cerimonial ritualístico, com conotações de sacralidade.
Babalu, uma goma de mascar, mastigada de forma deselegante e grosseira, e, na maioria das vezes, dando demonstração inequívoca da mais absoluta falta de educação.
Dessa minha lembrança, meio fora de hora, à comparação com o que costuma acontecer com muitas pessoas espiritualizadas, foi uma conseqüência natural. Um final de semana, numa atividade de grupo, tratando das exigências da Alma, era o chá. Praias, excursões, passeios, festas e lazer eram o babalu, com a sucessão quase interminável de contração de mandíbulas, em frustradas tentativas de extrair sabor de uma goma sem vida, lançada de um canto para o outro da boca.
Quantas oportunidades perdemos na vida, por optarmos pelo babalu! Quantas vezes desprezamos o chá, por preferirmos a matéria aprisionada na boca, ao sutil sabor de um gole de chá!
O convite para a participação de um cerimonial do chá parece-nos, num primeiro momento, irrecusável e motivo de enorme entusiasmo. Impulsos da Alma, cara leitora, antes que os caprichos da Personalidade assumam o controle da situação!
Compromissos assumidos e palavras de efeito, logo dão lugar a motivos sentidos e o trato é desfeito.
Chá ou babalu?
O chá é uma bebida saborosa, que faz tão bem à Alma, mas, surgiu um compromisso que é inadiável, e que, afinal de contas, satisfaz muito mais os caprichos da minha Personalidade.
Desta vez, eu vou ficar com o babalu.
Mas, não deixe de me convidar para o próximo cerimonial de chá. Eu adoro chá.
Eu só não irei mesmo se ocorrer um outro imprevisto, e meus amigos aparecerem lá em casa com uma nova oferta de babalu.
Eu gosto muito de chá, mas não consigo resistir a um babalu.