CAPÍTULO VINTE E UM
A escola lembrava um formigueiro. Era gente por todo canto,
circulando pelo pátio e corredores. Todos aguardavam o início de
mais um Seminário, tendo como palestrantes Gibran e Helga. A
sensação é que o bairro inteiro se espremia no interior da escola.
As crianças passavam correndo, como é típico das crianças. Os
mais velhos, alunos das turmas mais adiantadas, conversavam pelos
cantos, tentando antecipar e entender os temas que seriam debatidos
no Seminário.
Os pais que raramente cruzavam o portão da escola, agrupavam-se
em diversos grupos, esperando ansiosamente o início dos trabalhos.
Eles desconheciam os motivos que levavam seus filhos a se
interessarem tanto pelo discurso daquele casal.
Nunca qualquer outra atividade despertara tamanho interesse na
comunidade. Nós, porém, sabíamos o que se passava naquele momento,
naquele lugar. Sabíamos e calávamos, pois de nós era esperado mais
o silêncio do que as palavras.
Ouviu-se, de repente, um borborinho crescente, vindo dos grupos
mais próximos do portão. Eram eles que chegavam De mãos dadas,
sorrindo e cumprimentando a todos que lhes abriam passagem,
caminharam em direção à diretora da escola. Esta os aguardava de
pé, junto à entrada do auditório.
Abraçaram-se e trocaram gentis cumprimentos, antes de entrarem no
auditório. Dirigiram-se para a mesa principal, onde haviam duas
cadeiras a eles destinadas. As demais cadeiras seriam ocupadas pelo
prefeito e seus colaboradores.
Com a chegada do Prefeito e do seu secretariado, a mesa foi
composta e deu-se início aos trabalhos. O nosso semeador correu os
olhos pela plateia e sentiu a curiosidade, mais do que qualquer outro
sentimento, estampada no rosto de cada um dos presentes. Em sua
maioria, eram pessoas humildes, sem nenhuma prática de frequentar
reuniões ou palestras.
Os palestrantes, membros do Governo, foram se sucedendo,
desperdiçando boas oportunidades de trazer a público o debate de
assuntos interessantes, e, até mesmo, polêmicos, que faziam parte
do programa elaborado pela coordenação da escola. Cada um cuidava
de não tocar em assuntos que pudessem comprometer a sua posição
política, repetindo o mesmo lenga-lenga de sempre.
As autoridades já esboçavam os primeiros sinais de impaciência,
enquanto a plateia brindava cada orador com a mais absoluta
desatenção. Uns bocejavam, outros cochichavam e a maioria se mexia
na cadeira, num sinal claro de desconforto.
De repente, o silêncio tomou conta do ambiente. O último
palestrante encerrou a sua fala e a plateia pressentiu que chegara a
hora reservada aos figurantes principais do Seminário. A mediadora
começou a apresentar Gibran, destacando a sua participação
voluntária nas atividades de ensino da cidade e, em especial,
daquela escola. Na apresentação de Helga, mencionou-se tratar-se de
uma mestra na arte de envolver crianças em atividades de pesquisa,
jardinagem, artísticas e culturais.
Concluindo a apresentação do casal, foi destacada a importância
da presença de ambos no momento em que a cidade buscava novos
caminhos para a motivação da juventude, em relação ao estudo e à
escolha de suas futuras profissões. Eles vinham defendendo novos
caminhos para o ensino e um tratamento mais adequado para a motivação
dos jovens.
O auditório estava lotado, com os presentes se espalhando pelos
espaços além das cadeiras, ocupando escadas, corredores laterais e
o largo corredor central que levava até o palco. As portas de acesso
ainda davam passagem aos tradicionais retardatários, que sempre
conseguem chegar atrasados.
Gibran olhou a plateia, e assim permaneceu até que se fizesse
silêncio. Durante mais alguns segundos, ele se manteve calado.
Então, ele abriu um sorriso e cumprimentou a todos, agradecendo-lhes
a presença.
Ele começou dirigindo perguntas à plateia. A cada uma delas, o
povo mais se encolhia, com medo, talvez, de ser chamado a
respondê-las. A intenção dele não era obter respostas, senão
deixar dúvidas nas mentes de todos os presentes. Com as dúvidas,
ele pretendia encontrar respostas, à medida que fosse expondo suas
ideias.
– Caros pais, o que esperam que uma escola possa fazer por seus
filhos?
– Que tipo de ensino seria o melhor para o futuro dos seus
filhos?
– O que esperam que seus filhos possam aprender de útil, para
ser usado quando se tornarem adultos?
– Qual é o papel da escola na formação dos seus filhos?
– O que a escola pode fazer para tornar os seus filhos pessoas
de bem e adultos felizes?
– Qual é a influência da escola na família, e da família na
escola?
Aquele autêntico bombardeio de perguntas era lançado sobre a
plateia confusa e intimidada. Alguns arregalavam os olhos, outros
sorriam meio sem graça, a maioria não esboçava nenhuma reação.
Ele dirigiu-se, então, para os mais jovens, e começou uma nova
sequência de perguntas.
– Por que frequentam a escola?
– O que a escola representa no seu futuro?
– O que consideram importante, no que lhes é ensinado nas
aulas?
– Acreditam que o que aprendem na escola pode ajudá-los a se
preparar para enfrentar o mundo?
– O que está faltando no ensino que a escola está lhes
passando?
– O que julgam ser perda de tempo ter de aprender?
– O que levam da escola para casa, e o que trazem de casa para
a escola?
O nosso semeador interrompeu-se e respirou profundamente, como se
quisesse recuperar as energias perdidas. Em algumas perguntas, ele
conseguiu reunir todo o peso da problemática do ensino no país.
Ele olhou serenamente para a plateia admirada e silenciosa, sorriu
em todas as direções, fez um ar de desconsolo e disse:
– Eu não sei responder, sinceramente, eu não sei.
E, prosseguiu:
– E por que não sei?
– Porque vocês, pais e alunos, também não sabem. E, porque
não sabem, eu não sei, e ninguém sabe. Não sabe o professor, não
sabe o diretor, não sabe o secretário, nem sabe o ministro.
Os seus filhos vêm para a escola como o gado vai para o
matadouro. Eles são obrigados por lei, por tradição, por
condicionamento, enfim, eles só não vêm por serem conscientes da
importância da escola como formadora de cidadania.
– E o que é cidadania? O que é ser um cidadão?
Ah, meus amigos, como é difícil exercer um direito, quando se
desconhece para que serve! Como é complicado ter de fazer algo sem
saber porque! Como é triste ser obrigado a aprender coisas, quando
não se tem consciência de como usá-las!
E é exatamente isto que está acontecendo nas salas de aula. O
aluno entra na sala, assiste as aulas, copia a matéria, estuda, ou
não, para as provas, passa de ano, ou é reprovado, e, tudo isto,
sem saber porque, nem pra que.
Os pais brigam com os filhos para que estudem, tirem boas notas e
passem de ano. Brigam com os poderes públicos, por mais vagas e por
melhor qualidade de ensino. E, depois, brigam para o acesso dos
filhos às faculdades, sonhando que tenham um futuro brilhante, se
tornem doutores de alguma coisa e fiquem ricos.
Gibran foi refletindo em voz alta, deixando a todos surpresos pela
facilidade com que expunha a realidade de todas aquelas famílias. Se
alguém da plateia fosse chamado a se expressar, não conseguiria ser
mais autêntico, direto e objetivo.
O semeador continuou exprimindo a sua decepção com o ensino,
afirmando que, daquela forma, todos marcham em direção a coisa
nenhuma, sem se dar conta que seguem por um caminho que não sabem
onde vai chegar.
Até que, um dia, segundo ele, o jovem já formado se depara com a
triste realidade, diante de um mercado de trabalho seletivo e
restritivo, distante de suas aspirações, alegando sua pouca
experiência. A família, triste e revoltada; o jovem, deprimido e
decepcionado, e as autoridades… Estas vão bem obrigado!
CAPÍTULO VINTE E DOIS
O quadro pintado por Gibran era muito triste, mas verdadeiro. A
maioria dos estudantes ali presentes passariam por situação
semelhante, suas famílias sofreriam e se decepcionariam. Os
professores seriam cobrados, as diretoras substituídas e nada
mudaria.
Gibran expôs, sem exagerar nos detalhes, as razões que levaram o
ensino àquela espécie de labirinto, que por mais que se tentasse
novos caminhos, só tornava mais difícil encontrar-se uma saída. As
autoridades ouviam atentas, entre o incômodo com a crítica e o
êxtase com a clareza das explicações.
Ele prosseguiu, lembrando que o mundo caminha para um novo tempo,
quando prevalecerá uma nova ordem, em que, somente, os mais
criativos e conscientes dos direitos e deveres vão obter sucesso.
Cada um terá de assumir e desenvolver o seu poder para fazer ou
deixar de fazer alguma coisa, e só assim alcançar o sucesso. E que
se entenda por sucesso, dizia ele, não a imposição da derrota a um
rival ou concorrente, mas a autoafirmação, o equilíbrio perfeito
das ações de avanços e recuos e a conquista da legítima
sabedoria, e de como usá-la em proveito da humanidade.
Cerrando levemente os olhos, e respirando fundo, ele afirmou com
firmeza e segurança – o futuro há de nos reservar muitas
surpresas quanto ao que chamamos de sucesso, realização pessoal e
prosperidade. O homem saiu da estrada principal que conduz aos nobres
ideais, e tem pautado a sua existência numa busca tresloucada pela
riqueza e pelo poder.
Está chegando a hora de retomar o verdadeiro caminho. Mudanças
sempre impõem muito trabalho e enormes sacrifícios, e essa
retomada não será diferente. Mudanças de postura e uma nova visão
dos valores que importam de fato para a nossa realização pessoal.
Tudo isto, associado a uma profunda revisão dos conceitos
predominantes, refazendo-se os princípios éticos, morais, culturais
e sociais.
Era necessário tomar-se alguma medida já, sem ficar transferindo
a responsabilidade de mãos em mãos. Pouco vale saber quem vai
realizar as mudanças, o que importa mesmo é que as mudanças
precisam ser feitas. Que cada um, dentro de suas limitações, comece
a tomar iniciativas, sem esperar por decisões que venham de cima.
Todos nós temos consciência do que podemos ou devemos fazer,
ainda que não nos seja possível tomar decisões que estejam fora da
nossa alçada. Se não tivermos certos poderes, que tenhamos coragem
de pleitear junto a quem os tem, a aprovação de projetos que deem
aos estudantes uma expectativa maior do seu futuro.
Os jovens perderam a esperança, por conta da falta de
perspectiva, diante do que os adultos impõem como exigências para o
futuro. Ocorre que ninguém pode impingir um futuro aos outros, nem
estabelecer regras e padrões para o sucesso. Ideias ultrapassadas
não serão jamais recebidas com agrado pelos jovens que vivem numa
era de avanços científicos e tecnológicos. A sociedade clama por
mudanças, a começar pela educação.