sexta-feira, 31 de agosto de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 14, 15, 16 E 17

CAPÍTULO QUATORZE
Os estudos esotéricos de Gibran seguiam por diversos rumos, sem limitações ou preconceitos. Teosofia, taoismo, budismo e, agora, xamanismo. Nada conseguia surpreender Gibran, ele absorvia os novos conhecimentos com absoluta naturalidade.
Gibran ficou encantado com o fato de que os xamãs acreditam que todos podem se comunicar com os Espíritos das coisas ou pessoas. Ele aprendeu que é possível ser ouvido pelo vento, pela chuva, pela luz e pelo calor.
Essas estranhas verdades eram confirmadas em livros escritos por cientistas que repetiam os mesmos conceitos. Num livro sobre anjos, Gibran soube que os devas revelaram isso para uma mulher que conseguia se comunicar com eles.
O xamã usa a imaginação para exercer o seu poder, e o faz com plena convicção de que o fato pensado ou a imagem visualizada é a verdade inquestionável. Não se trata de promover uma ilusão ou criar uma fantasia, mas de aceitar como uma realidade física a vontade projetada pela mente.
Os primeiros passos sobre o poder da visualização criativa estavam sendo experimentados, e dando os primeiros bons resultados. No tratamento de doenças psíquicas, área de sua especialização, ele já ouvira falar de curas. Mas, em tratamentos de doenças no corpo físico, já se ousava imitar os rituais xamânicos.
Gibran se aprofundou nas práticas xamânicas, e se impressionou com os conceitos que ele mesmo defendera na faculdade, que a doença, psíquica ou física, é um desvio do que seria a saúde natural de todos nós. Tratá-las com drogas seria uma anomalia e uma agressão ao corpo físico. O correto seria o uso da força da mente e dos rituais mágicos.
A reconquista da saúde exige mudança de hábitos e novas posturas mentais. A saúde é o efeito perfeito de hábitos saudáveis na forma de se alimentar e de pensar. A cura de todos os males está dentro da mente de cada um de nós. Os xamãs creem nisto, e Gibran caiu em si que ele também acreditava nessa realidade.
Enquanto refletia sobre o que lia, Gibran adormeceu, ou julgou que o fez. Quando despertou, viu que havia escrito uma saudação que tinha sido dirigida a ele, e fora assinada como de autoria do Grande Chefe Xamã.
Ele esfregou os olhos, num ato típico de quem acabou de acordar, e pôs-se a ler.
Respeita o teu Criador, Irmão, entendendo ser Ele o criador de todas as coisas. Ama o ar que tu respiras com o respeito que deves ter por tudo que representa vida. E nada é mais simbólico do que o ar, quando se deseja mostrar um sinal do que é a vida. Ama o solo onde pisas, lembrando-te que nele habita a força que rege o alimento que te mantém vivo. Ama a água que brota pura do interior da terra. Ama o fogo que aquece as tuas noites e que cozinha o teu alimento, tornando-o sagrado para o teu corpo. Ama o teu irmão, o bom e o mau, o feio e o bonito, o sábio e o estulto, o rico e o pobre. Ama o teu Deus e com Ele estarás comungando com tudo o mais que te cerca. Ou, se preferires, ama a Natureza, e com ela estarás amando os teus irmãos de todos os reinos, e o teu Criador que é a síntese de tudo. Os dias são cristais que nascem no interior do coração do Grande Senhor do Mistério da Vida. As noites são os mantos que cobrem a luz, para que os Mestres da Sabedoria meditem em paz sobre o dia que passou e sobre aquele que está chegando. Entrega os teus pensamentos ao sabor do vento que traz a mensagem do Grande Chefe Espiritual. Sente o perfume do ar, pois é ele o sinal das boas novas trazidas por teu irmão, o Vento. Ouve os pássaros que cantam as suaves canções que descem das Altas Esferas para despertar os sentimentos adormecidos nos corações da humanidade. As sete cores no céu são como um arco pronto para disparar a flecha sagrada que há de atingir os sentimentos mais profundos da humana criatura. Depois deste ritual, desperta os teus sentidos e olha em volta de ti, e reconhece entre os que vivem ao teu redor as energias sagradas que se desprendem de teus irmãos, filhos da Natureza. Somos todos irmãos, e nada existe entre o céu e a terra, e além dos limites da tua imaginação que não tenha sido criado pelo Grande Senhor da Criação, o Grande Chefe de todos os Universos. Reconhece a tua divindade, e a fraternidade que deves a todos os que te cercam, pois são teus irmãos. Ora em silêncio para ti mesmo, porque tu és o centro das consolações das tuas dores. Pede ao teu Mestre que te alce ao infinito das alturas para que possas admirar o espetáculo da Terra, irmanada em amor após a tua oração, e a tua energia estendendo-se até os limites das terras deste planeta. Tu és o Deus tão sonhado por tantos fiéis. Tu és o bem e o mal. Tu és o feio e o bonito. Tu és o início e o fim desta raça. Porque tu és um deus. És parte do Todo e, por isto, és o Todo. A Mãe Natureza está em ti. A Mãe-Terra está em ti. Os filhos da Terra estão em ti. Tudo está em ti. Porque tu és abençoado, o Deus está em ti. Assim, eu te digo, ama a tudo, e todos te amarão.
Gibran suspirou fundo, e buscou Helga, no fundo do quintal, para recitar o texto em voz alta, e fazê-la envolver-se também em toda aquela magia. Helga ouviu-o calada, balançou a cabeça, como que aprovando o que ouvira, e voltou ao seu trabalho na terra. Gibran retornou ao seu gabinete de leitura, e prosseguiu nos seus estudos. A mensagem fora absorvida pelo casal, cada qual em sua área de trabalho.


CAPÍTULO QUINZE
O tempo passava, Gibran estudava e Helga cuidava da terra. A magia de Gibran estava na mente e de Helga nas mãos. Ele celebrava rituais no astral, ela no físico. Ambos entravam em êxtase a cada celebração, entusiasmados com seus progressos espirituais.
Os anos se passaram sem que eles percebessem muito bem o que estava acontecendo no mundo lá fora. A cada ano que se aproximava da época prevista pelo Mestre para o início de uma grande guerra, o mundo fervilhava com conflitos e alianças. Países se uniam contra outros, alianças eram feitas e desfeitas, ao sabor de interesses desta ou daquela nação.
As anotações de Gibran formavam pilhas de folhas manuscritas, umas assinadas por ele, outras pelo Mestre. Nas dele, Gibran anotava o que lia e fazia seus apontamentos sobre os ensinamentos do Mestre. Nas que recebiam a assinatura do Mestre, apareciam orientações, conselhos e previsões de fatos a ocorrer naquela vida e na próxima vida do casal.
De uns tempos em diante, as mensagens do Mestre passaram a se voltar para a preparação dos dois, para a próxima encarnação. O Mestre dava detalhes e oferecia explicações sobre como Gibran e Helga deveriam agir quando se dessem conta que haviam reencarnado no Brasil.
O ano seria de 1944, um nasceria no início e outro no fim. Seriam educados sob os mesmos princípios de ética, moral e religião, por pais de origem portuguesa. O Mestre justificava cada previsão, e pedia a Gibran que passasse os esclarecimentos para Helga.
Antes da futura reencarnação, havia os fatos que iam ocupar seus últimos anos na Alemanha. Juntos e felizes, eles não seriam afetados pela guerra, mas sofreriam os medos e angústias dos habitantes do planeta.
Os seus filhos não participariam da guerra, pois seus karmas não os comprometiam com as causas que envolveriam as nações em luta. Apesar da garantia do Mestre, Gibran e Helga não ficavam muito à vontade, quando sentiam a aproximação do momento previsto pelo Mestre para o início das hostilidades.
Corria o ano de 1912, quando as mensagens do Mestre se tornaram mais constantes, intensas e tensas. Gibran passava o dia inteiro, desde manhã até, às vezes, pela madrugada, escrevendo sem descanso.
O Mestre passou a lhe contar o que estava programado para o futuro da humanidade. O Mestre avisou-lhe que esses relatos ficariam adormecidos no seu inconsciente, e que seriam recordados aos poucos. A nossa alma, disse-lhe o Mestre, guarda tudo que a personalidade vê, ouve ou sente, mas a lembrança não fica no nível do consciente, nas vidas seguintes. Mas, são ativadas, à medida que ocorre a expansão do nível de consciência.
Dia após dia, durante mais de um ano, Gibran anotou tudo que lhe chegava à mente, e que recebia a assinatura do Mestre Saint Germain. As revelações não se referiam somente à futura encarnação do casal, mas, também, aos fatos que viriam a ocorrer antes e durante esses tempos futuros.
Gibran recebeu todas as explicações sobre as causas e os efeitos da guerra que se aproximava, e que ia provocar muitas mortes e destruições em diversas nações. A Alemanha estaria diretamente envolvida na luta, mas os sinais da guerra não seriam percebidos em Stuttgart, na região onde eles moravam.
De 1914 a 1919, o mundo conheceria os dramáticos efeitos do que seria conhecida como a primeira guerra mundial. O mundo estaria, pela primeira vez, envolvido com uma guerra que afetaria não uma região ou alguns poucos povos e nações, mas o mundo inteiro.
O Mestre passou-lhe algumas recomendações, que não deveriam ser comentadas com ninguém, nem mesmo com Helga. Esse tipo de recomendação passou a acontecer, a partir daí, por diversas vezes. Gibran tomava cuidados especiais, marcando com uma tarja vermelha os escritos que continham tais recomendações. E os guardava separados dos outros, para não correr o risco de comentá-los com Helga, quando conversavam à noite sobre as misteriosas mensagens.
CAPÍTULO DEZESSEIS
Helga começou a desconfiar que Gibran recebera revelações mais importantes, sem que ele as contasse para ela. O seu sentido feminino dizia que se tratava de fatos assustadores, e que ele queria poupá-la. Em parte, ela tinha razão, mas não completamente.
O Mestre era o responsável pelos segredos. Ele não queria pôr a vida de Gibran em risco. Se soubessem que ele tinha o dom de profetizar o que viria a acontecer no futuro, logo seria assediado e teria a sua vida ameaçada.
Gibran percebeu as desconfianças de Helga, e tratou de tranquilizá-la. Explicou-lhe as razões do Mestre, e pediu-lhe paciência, enquanto ele processava as informações. Prometeu-lhe revelar o suficiente para que entendesse o que viria a acontecer num futuro próximo. Mas, principalmente, comprometeu-se a deixá-la a par de tudo que tivesse a ver com a vida deles na próxima encarnação.
Os detalhes da guerra ficaram sob o selo secreto, e nada foi comentado. Helga também não se interessou pelo assunto. Ela preferia não se inteirar de fatos que provocariam tantas desgraças e sofrimentos. A única informação dada foi sobre o período em que o mundo viveria a conturbação do conflito. Em 1914, as batalhas teriam início, e em 1919, tudo teria terminado.
Helga queria saber apenas o que seria deles e dos filhos. Ele tranquilizou-a, informando que o Mestre afirmara que eles desconheceriam os pavores da guerra. Como isso ia acontecer, o Mestre não revelara, mas, pediu-lhe que confiasse em suas palavras. E foi o mesmo que Gibran pediu a Helga. Ela confiou no marido, tanto quanto ele confiara no Mestre.
Os tempos de guerra se prenunciavam para os alemães, mas a vida do casal seguia a mesma rotina, com estudos espirituais e trabalhos na terra. Gibran lia muito, e não menos escrevia. Helga cuidava da casa e da terra, fazendo de ambas as tarefas uma motivação para a sua fé. Gibran era um místico, e sua fé se voltava para os mundos ocultos. Helga, uma naturalista convicta, e que via na Natureza a presença divina na matéria.
Depois da guerra, o fato mais marcante seria a grande depressão econômica que abalaria a sociedade mundial. Ricos ficariam na pobreza da noite para o dia. Impérios e fortunas desapareceriam num piscar de olhos. As riquezas conquistadas sem trabalho e através de especulações e explorações desapareceriam. A miséria tomaria conta do mundo.
Helga ficou muito assustada com o relato sobre a depressão econômica, e quase a antecipou para si, não economicamente, mas psicologicamente. Gibran consolou-a com as palavras do Mestre: “são papéis que serão queimados, para obrigar a humanidade a valorizar o trabalho”.
Helga acalmou-se, quando entendeu que aqueles que retiravam seus sustentos do trabalho, e não da exploração da cobiça alheia, seriam preservados. Eles não viviam de investimentos ou especulação financeira, mas de plantar e colher seus alimentos. A vida deles era simples, e podiam viver da terra e no campo. E, a vida continuou, sem mudanças. Os dias passavam, e eles trabalhavam. A guerra chegaria e a guerra acabaria. Os filhos ficariam bem, como o Mestre havia antecipado.
A depressão econômica seria para bem mais tarde, dez anos após o fim da guerra. Nesse meio-tempo, Gibran escreveria sem parar, preenchendo calhamaços de folhas de papel. Helga ganharia calos nas mãos de tanto mexer na terra. Ambos eram muito felizes.
O tempo passava. Gibran e Helga passavam com o tempo.


CAPÍTULO DEZESSETE
Gibran se reunia com os poucos amigos que se interessavam pelos mesmos mistérios que tomavam grande parte do seu dia. Às noites de segunda e sexta, ele e mais seis se encontravam para falar de suas experiências.
Uns descreviam trechos de livros que tinham lido após a última reunião. Outros descreviam sonhos misteriosos, em que símbolos e vozes se misturavam para revelar fatos futuros ou, simplesmente, ofertar conhecimentos. O centro das atenções, porém, era Gibran, que mostrava as anotações feitas, em suas conversas com o Mestre.
As reuniões entravam pela noite, e quase sempre acabavam na primeira hora da madrugada. Helga já dormia, quando, esgotado física e mentalmente, Gibran deitava-se ao seu lado, e mal tinha tempo de abraçá-la, antes de pegar no sono.
As mensagens do Mestre tornavam-se, a cada dia, mais intensas e profundas, abordando os fatos presentes, mas, dando mais ênfase ao tempo futuro, quando Gibran reencarnaria no Brasil. A justificativa era que, Gibran deveria reencarnar sabendo de tudo que viria a acontecer, ainda que sem a consciência perfeita da lembrança e sem saber explicar as origens dessas recordações.
No sábado seguinte à última reunião, o Mestre falou-lhe da segunda grande guerra que ia começar antes de Gibran reencarnar, terminando cerca de um ano depois de renascer. Seria um conflito terrível que envolveria muitas nações, a maioria delas lutando contra a Alemanha e a Itália.
Gibran recebia essa mensagem com indignação, à medida que ia escrevendo e tomando conhecimento de um confronto sangrento, bem pior do que seria o primeiro. A revolta dele vinha do fato de que partiria da Alemanha a agressão aos países vizinhos e, a seguir, a invasão de nações mais distantes. Adolf Hitler seria o líder do povo alemão que levaria a nação para uma desastrosa aventura, que tinha como meta dominar o mundo.
Gibran foi informado de todas as razões alegadas por Hitler para convencer a nação alemã a deflagrar essas agressões a povos despreparados para reagir às invasões. As alegações contra a raça judia foi explicada detalhadamente pelo Mestre, que abordou suas origens, muitas delas desconhecidas do mundo, e que jamais seriam reveladas.
O Mestre falou dos estudos místicos de Hitler, e que havia muito mais mistério por trás das suas incursões de guerra do que se poderia imaginar. Hitler detinha conhecimentos sobre o uso de poderes de magia e pretendia expandir o seu domínio sobre os mundos ocultos, apossando-se de regiões e recantos da Terra que irradiavam energias alimentadoras desses poderes.
A ira de Hitler contra o povo judeu não tinha suas causas relacionadas a uma sua possível origem judia, como alguns imaginam. Ele sabia que o povo judeu era uma raça cósmica que, assim como os maias, se transportavam de um mundo para outro, cada qual com suas razões próprias.
Enquanto os maias surgiam num planeta com a missão de preparar a raça para futuros processos de evolução, os judeus tinham propósitos evolutivos voltados para si mesmos, sem a mistura genética, que caracterizara a proposta dos kumaras venusianos e sem as revelações projetadas pelos maias.
Mestre Saint Germain detalhou para Gibran as existências de povos desse tipo, que visitam os planetas, de tempos em tempos, e depois vão embora, deixando resíduos e sinais de suas passagens. Comparou-os aos ciganos, que são conhecidos como precursores de novos tempos ou de sérias mudanças numa região da Terra. Eles anunciaram o nascimento de um novo Cristo, quando Jesus nasceu. Três reis ciganos foram levar presentes ao novo Cristo, e reverenciá-lo em nome de toda a nação cigana.
Gibran escrevia sem parar, e tentava acompanhar os segredos revelados com a mente aberta para o infinito, sem filtragens ou censuras. Se tentasse racionalizar, sua mente não suportaria a pressão, se procurasse entender com os seus parcos conhecimentos psicológicos ou científicos, seria incapaz de prosseguir.
Voltando à guerra, que teria início em 1939, e que perduraria até 1945, o Mestre revelou as verdadeiras razões para que o povo alemão viesse a entregar o poder nas mãos de Hitler, e do ditador ter perseguido com tamanho ódio o povo judeu.
Hitler era um homem medíocre, porém um espírito ambicioso. Por trás da mediocridade humana, existia uma poderosa grandeza espiritual, sobrecarregada de karmas passados e ressentimentos presentes.
Ele sabia toda a verdade sobre os riscos representados pelos judeus à nação alemã. A economia alemã se submeteria ao jugo dos interesses judeus, ficaria atrelada para sempre ao seu domínio, como viria a ocorrer com a sociedade norte-americana.
Muitas das revelações eram veladas, e não puderam ser expostas nas reuniões de Gibran, e nem poderão ser anunciadas aqui, pois, os mistérios são para ser desvendados, no entanto, os segredos não são para ser contados.
Com o final da segunda guerra, o povo alemão seria humilhado pelas nações vencedoras, que repartiriam o seu território, distribuindo uma fatia para cada um. Irmãos seriam separados por um aviltante muro, que os fariam prisioneiros de sua vergonha. Um povo, que já havia sido tão poderoso e respeitado, se tornaria um aglomerado de derrotados, aprisionados em suas próprias casas.
Hitler, contrariando a história oficial, foi assassinado por seus oficiais mais próximos, encarregados da sua defesa. Morto o ditador, seus guarda-costas se despojaram de suas vestes militares, e se misturaram com o povo, à espera da chegada das tropas aliadas.
O mistério da morte de Hitler tornou-se a segurança de sobrevivência desses oficiais quase desconhecidos, por exercerem funções secretas, desconhecidas até mesmo dos principais comandantes nazistas.
Gibran, esgotado e com dificuldade de processar todas essas revelações, pediu uma trégua ao Mestre, que o atendeu de pronto, interrompendo o circuito que os unia. Gibran dedicou aquela tarde a uma longa caminhada ao lado de Helga, tratando de se entregar à bela natureza à sua volta, que admirou como nunca antes o fizera, provocando comentários elogiosos de Helga.
A mente dele precisava de chão, de terra e de matéria física, para que pudesse se sentir vivo e no tempo certo em que estava encarnado. Helga olhava-o admirada, sem saber o que se passava na mente dele. De repente, ele se voltou para ela: “Em que ano nós estamos?” Helga arregalou os olhos, e respondeu: “A sua pergunta me assusta, eu acho que é 1913, mas já nem tenho tanta certeza”.
Gibran suspirou um suspiro cansado, e disse-lhe: “Eu precisava ouvir isto, pois não conseguia me livrar dos campos de batalha e dos campos de concentração, que me prendiam a uma trágica época que só vai terminar depois que eu houver renascido.” Helga não entendeu muito bem, mas abraçou-o, e desviou a conversa para um bosque em flor, que refletia o amarelo das flores aguçado pelo dourado do sol de fim de tarde.
E, era o fim de mais um dia.


sexta-feira, 24 de agosto de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 11, 12 e 13

CAPÍTULO ONZE
Os dias se passaram, Karl veio visitá-los, e foi uma festa, em tudo semelhante aos momentos mágicos vividos ao lado de Karine. Karl contou dos seus progressos na pintura. Ele havia conseguido o apoio de um grande mestre francês, e exibiria seus quadros numa galeria famosa. Os pais ficaram orgulhosos. E, a despedida veio acompanhada por novas e sentidas lágrimas, nem mais e nem menos sentidas do que as vertidas por Karine.
Gibran prosseguiu nos estudos, conversando com o Mestre, ora através do pêndulo, ora através das mensagens escritas. Helga tornou-se a deusa das ervas, que se espalhavam ao redor da casa, mesmo quando nem eram semeadas ou plantadas. Bastava que ela expressasse o desejo de tê-las num lado ou no outro, e começavam a brotar suas primeiras folhinhas.
Joseph falecera dois anos após eles terem mudado, e deixara muita saudade, privando-os de seus conhecimentos e bom humor. Gibran já fora duas vezes a Berlim para visitar a Loja da Sociedade Teosófica, em busca de mais informações sobre Madame Blavatsky, que falecera em Londres, pouco depois dele ter ido morar em Stuttgart.
Em suas visitas ao centro de Stuttgart, Gibran conhecera alguns interessados no estudo da teosofia e da filosofia, e com eles passou a manter encontros, todas as vezes que se deslocava em busca de livros ou de correspondências. Durante os encontros, as conversas versavam sobre as experiências de Gibran, envolvendo karma, reencarnação, vidas passadas e poderes para se comunicar com o Mestre.
O Mestre Saint Germain, na última mensagem, havia falado de uma encarnação futura de Gibran, que aconteceria no Brasil, quando ele e Helga dariam prosseguimento à vida de casal que já tinha tido início há milênios e, pelo jeito, prosseguiria por muitas e muitas vidas sem fim. Gibran estava interessado em obter informações sobre o Brasil, e um dos novos amigos já havia viajado pelas terras brasileiras, e se ofereceu a lhe falar sobre o que viu.
Gibran ouvia com atenção a descrição do amigo sobre a nova república desde 1889, quando o rei descendente da nobreza portuguesa foi deposto, e retornou para Portugal. O Brasil e Portugal tornaram-se objetos de pesquisa de Gibran, e o amigo Peter o seu mais próximo consultor.
Peter passou a visitar a casa de Gibran, e Helga, ciente da mensagem que reencarnaria no Brasil em sua vida seguinte, crivava o pseudoespecialista em terras brasis com perguntas que nem mesmo um experiente historiador saberia responder. E, assim, um novo interesse surgiu na vida do casal, para preencher suas vidas tão emocionantes quanto amorosas.
Gibran prometeu a Helga que ia procurar saber com o Mestre Saint Germain, ou através do pêndulo, tudo que fosse possível sobre onde viriam a nascer, como se conheceriam e o que mais fosse possível descobrir.
O tempo passava e os fatos se precipitavam, tornando a vida do casal cada dia mais emocionante. Cada dia era um fato novo, uma revelação inesperada ou um aprendizado inusitado. Eles não saberiam explicar de onde surgiam tantas novidades e como processá-las, sem tropeçar na fantasia ou na condenável ansiedade de pôr a carroça na frente da égua, que é mais simpático do que o carro na frente dos bois.
CAPÍTULO DOZE
Gibran lia, pesquisava e escrevia. Helga plantava, cuidava das ervas e ouvia as histórias de Gibran. O tempo passava. Os amigos foram surgindo aos poucos, trazidos por Peter, que se tornou íntimo do casal.
Peter e Karol formavam um casal jovem e simpático. Cultos, sociáveis e descontraídos, os dois transformaram a vida de Gibran e Helga, acabando com o isolamento a que se tinham condenado desde que chegaram a Stuttgart.
O tempo passava. As reuniões à noite, uma ou duas vezes na semana, mantinham os dois informados dos acontecimentos na vizinhança. Peter era biólogo, especialista na cultura de frutas. Ele lidava com todas as famílias da redondeza, e participava de suas vidas e plantações. Karol era uma tradicional dona de casa, ótima cozinheira e hábil na costura.
Gibran, naquele momento, escrevia em seu diário secreto, como ele o chamava. Aproveitemos a ausência dele, que foi atender a um chamado de Helga, para tomar conhecimento do que prendia a sua atenção.
Numa leitura rápida, chegamos ao terceiro parágrafo, onde Gibran fala de suas experiências naqueles primeiros anos de vida no campo. Confesso que interromperei a leitura, caso me defronte com alguma anotação particular, cujo conteúdo deva ser preservado.
– A espiritualidade é um caminho muito árduo para quem se propõe segui-lo. Ele começa com muitos sinais e diversas expectativas, porém, à medida que vai sendo percorrido, o ritmo vai decrescendo e as novidades vão desaparecendo, até que uma calmaria irritante se instala na vida do caminhante. Em verdade, não é a calmaria que irrita, mas a falta de respostas, ou quem sabe, de perguntas, tornando os dias repetitivos, tendo como pano de fundo o silêncio, onde antes se ouvia muito barulho.
– O erro é nosso, está dentro de nós. Tudo que incomoda é uma ausência interior, já que externamente o mundo continua o mesmo. Às vezes, sinto-me apático, diante da vida. No entanto, quando falo ou escrevo sobre a espiritualidade, sobre a vida, sobre a natureza, sinto-me cheio de entusiasmo, vibrante mesmo. Afinal, onde está o erro? O que será que está faltando? Se é que falta alguma coisa.
– Há cinco anos que estou envolvido pela magia de verdades ocultas, por afirmativas sem comprovações no mundo físico, por situações oriundas de causas intangíveis. Começou de repente e se alastrou como uma fogueira quando encontra palha seca à sua frente. Aprendi verdades impensáveis, passei a conhecer um mundo até então desconhecido e lancei-me em busca de novidades. Talvez, esteja aí a causa dos momentos por que venho passando. Tantos eram os fatos desconhecidos no início da caminhada que, dia após dia, eu me deparava com desafios novos, questões intrigantes que me despertavam o sentido de busca.
– Chega um tempo que os fatos já não são desconhecidos, e novidades, só de tempos em tempos. Só nos resta, o estudo. Mais nada, além do estudo e da fé.
– Todas essas coisas, eu já sabia, já me haviam dito. Mas, a personalidade é a grande traidora dos ideais da alma. E, por mais que busquemos sintonizar nossa mente com a alma, a todo instante, somos traídos pela força da matéria, que degrada os pensamentos mais sutis, racionalizando-os e colocando-os a serviço do ego inferior.
Gibran prosseguia na sua confissão ao diário. Mas, aqui nós saímos fora, e deixamos preservada a continuação dos seus lamentos. Colheremos esses lamentos mais adiante, durante a conversa que ele terá com Helga, enquanto tomam uma xícara de chá bem quente.
Helga havia perguntado ao marido, o que mais o preocupava. Ele respondeu-lhe que se sentia como que apertado contra o tempo. Era como se o espaço fosse reduzido, e mesmo assim precisasse movimentar-se e realizar tarefas gigantescas, as quais ele não saberia explicar quais eram, pois se passavam em outros níveis de consciência.
Helga interrompeu-o para saber o que ele estava esperando receber como mensagem do Mestre. Gibran disse-lhe que ele pedia sinais que revelassem o seu trabalho. Os sinais não chegavam, mas ele se sentia atrasado, sem saber para que.
Helga sugeriu que ele tentasse uma atividade que o distraísse durante uma parte do dia. E, que, talvez, conseguisse obter algum dinheiro, que sempre ajuda. Gibran balançou a cabeça, desconsolado.
Ele explicou a Helga que já vinha pensando nisto, tendo conversado com alguns dos amigos que os visitavam. Muitas promessas, nada de efetivo. Ele complementou afirmando que toda vez que buscava trabalho para ganhar dinheiro, se punham barreiras na sua frente, e ele não obtinha êxito.
Gibran deixou claro que não estava sofrendo e nem se sentindo desanimado com a situação que eles estavam vivendo, nestes últimos cinco anos morando distante de Berlim. Ele confessou a sua felicidade, como jamais se sentira antes. Estava sentindo-se mais forte e confiante do que nunca se sentira antes. Mas, um silêncio interior o incomodava, e ele não sabia definir com segurança o que, de fato, ele sentia. Não sei o que fazer, além do que já faço, e nem sei se há algo mais a fazer, concluiu ele, a sua confissão.
Gibran resistiu à ideia de levar essa confissão mais adiante. Mas, não se conteve, e por uma questão de hábito, baixou a voz para revelar um segredo. Helga chegou-se mais perto, para ouvir que ele estava recebendo mensagens que falavam de acontecimentos futuros.
Ela pensou que ainda se tratava da próxima encarnação no Brasil, mas ele disse que não, que aquilo ele já deixara para trás, pois de nada adiantaria pensar em algo que somente aconteceria na próxima vida. Eram fatos que estavam para acontecer, e que diziam respeito à vida que eles estavam vivendo.
Helga arregalou os olhos, e se preparou para ouvir. Ela adorava mistérios.
CAPÍTULO TREZE
Gibran começou a sua revelação pedindo a Helga que não se assustasse com o que seria dito. Ela não se conteve, e perguntou-lhe se era alguma desgraça. Ele balançou a cabeça afirmativamente, mas garantiu-lhe que eles estariam seguros em Stuttgart.
Gibran abre o seu diário, e lê para Helga a mensagem recebida do mestre Saint Germain alertando-o para a proximidade de um sério conflito entre a Alemanha e o império Austro-húngaro que resultaria na que seria conhecida nos anais da história como a Primeira Guerra Mundial.
O Mestre informava a Gibran que a guerra tinha sido a principal razão de haver sido retirado de Berlim, e conduzido para Stuttgart que seria preservada da violência das batalhas. Todo o histórico da pré-guerra foi contado pelo Mestre, e a notícia final era que a Alemanha seria derrotada.
Helga ficou chocada com o que ouviu. Ela pediu detalhes, esses não foram revelados. Quis saber mais, e mais não existia para ser contado. Ela, por fim, perguntou quando a guerra aconteceria. O início ocorreria em 1914, e deveria durar até 1919.
As mortes, quantos alemães morreriam? Muitos, mas, não se sabia quantos. Helga não conseguia parar de pensar, ela queria fazer perguntas, mas, não conseguia concatenar as ideias, e assim, não sabia o que perguntar.
Gibran acalmou-a, lembrando-lhe que ainda faltavam cerca de vinte anos, e até lá o Mestre passaria outras instruções. Ela tranquilizou-se, diante das palavras do marido, e passou a falar da guerra futura com mais naturalidade. Então, chegou a hora de Gibran demonstrar preocupação, pedindo-lhe que não mencionasse o que ouvira para ninguém. Helga concordou com um gesto afirmativo, e sem palavras.
Gibran deu a impressão que ainda havia o que contar. E, de fato, havia mesmo, e Helga logo veio a comprovar. O Mestre falara de outra guerra, ainda mais violenta, pois seriam usados armamentos que só seriam projetados nos próximos 40 anos. E a Alemanha, perguntou Helga, também estaria envolvida nesta outra guerra?
Gibran suspirou fundo, e respondeu que, não só envolvida, mas, seria ela a provocadora da guerra, invadindo nações vizinhas e tentando estender seus domínios por toda a Europa. Os detalhes foram sendo passados, assim como ele os recebera do Mestre.
E, o pior é que nesta segunda grande guerra, Stuttgart estaria diretamente envolvida, com prisioneiros judeus sendo aprisionados em campos de concentração, e mulheres, velhos e crianças sendo sacrificados. Gibran evitou maiores detalhes, ao perceber que Helga estava perdendo muita energia.
Ele fechou o diário, e deu o relato por concluído. Helga tinha os olhos cheios d’água, e abraçou-o como se pedindo uma prévia proteção, com a antecedência de vinte anos. Gibran consolou-a, com palavras e afagos. Ela adormeceu. E, era a noite de mais um dia.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 8, 9 e 10

 
CAPÍTULO OITO
Gibran passou a semana seguinte mergulhado em estudos e pesquisas. Estudou o manuseio do pêndulo e se comprometeu a só usá-lo quando exercesse domínio completo sobre o processo de perguntas e respostas.
Ele passava as tardes escrevendo cartas ao mestre. Cartas que não obtinham respostas. Ele permanecia parado com a pena sobre o papel, aguardando um contacto com o mestre. Nada aconteceu, nos três primeiros dias, porém, no quarto dia, ele sentiu um estranho incômodo, uma espécie de vibração nos dedos da mão.
A mente de Gibran foi se expandindo, e passando a acumular fortes energias. Ele sentiu ímpeto de escrever, mas não sabia o que. De repente, ele percebeu que se começasse a escrever as primeiras palavras, uma energia mais forte completaria o texto. Assim ele fez, e começou escrevendo como se o mestre estivesse do lado dele.
Ao começar a redigir o segundo parágrafo, Gibran se sentiu tomado de uma força mental muito intensa, e começou a escrever, sem ter noção até onde poderia chegar. As palavras foram chegando, e ele as transferia para o papel. Perguntas que haviam sido feitas há dias apareciam respondidas.
Ele escrevia, sem ter a sensação exata do que estava redigindo. Duas folhas e meia foram preenchidas, e depois de um longo suspiro, ele interrompeu a redação.
O texto era uma resposta às suas cartas ao Mestre, e ganhara uma assinatura identificando o remetente. Lá estava a assinatura de Saint Germain. Gibran arrepiou-se, ao perceber que o Mestre assinara a carta.
A leitura do conteúdo era ainda mais arrepiante, pois discorria sobre situações desconhecidas para Gibran, que ganharam forma através dos seus dedos enquanto manipulavam a pena.
Gibran leu a resposta do Mestre por diversas vezes, e ficou refletindo como era possível ele ter escrito tudo aquilo, desconhecendo o sentido da explicação. Ele entendia as respostas, mas desconhecia como se chegar a elas.
Gibran lembrou-se do pêndulo, e acreditou que era a hora de consultá-lo. Concentrado no Mestre Saint Germain, ele fez sucessivas perguntas ao pêndulo, e para todas obteve respostas. O Mestre esclareceu suas dúvidas, e fez revelações que o deixaram emocionado.
Havia fortes ligações entre eles, que foram confirmadas por imagens projetadas na tela mental de Gibran. Ele teve percepções de encontros com o mestre em locais e épocas diferentes. O pêndulo girava intensamente, enquanto a visão mental de Gibran captava as imagens e assimilava as explicações.
Tudo aconteceu em fração de segundos, que pareceu uma eternidade. Gibran sentiu uma energia contagiante envolvendo-o num misto de admiração, amor e respeito. A energia cessou repentinamente, e ele como que despertou de um sonho.
Ele agradeceu mentalmente ao Mestre, e como num ritual curvou-se diante da mesa onde repousavam as folhas com as mensagens de Saint Germain. Sensibilizado pela celebração do encontro com o Mestre, ele ainda permaneceu sentado por um tempo até sentir um suave relaxamento em todo o corpo.
A esta altura, Helga se aproximou e se dirigiu a ele com um olhar curioso, como que adivinhando que algo misterioso tinha ocorrido. Ele a abraçou, e ainda sob o impacto da experiência, puxou-a para junto de si, e ficou agarrado com ela em silêncio.
Ela não conseguiu conter a ansiedade por muito tempo, e voltando-se para ele com o seu conhecido olhar curioso, abriu os braços e balançou a cabeça, convocando-o para apresentar o relatório da noite. A tarde já se fora havia hora e meia, e agora chegara o momento de resumir os acontecimentos do dia.
Helga não fazia ideia do que ia ouvir, e Gibran não sabia como começar. Depois das primeiras palavras, porém, difícil foi interromper a narrativa e impossível controlar as intermináveis perguntas e questionamentos de Helga. A noite foi mais uma daquelas que só termina quando a luz do dia se anuncia.


CAPÍTULO NOVE
Sucediam os meses, e com eles as cartas de Gibran para o Mestre Saint Germain, e deste para o discípulo. Gibran descrevia para o Mestre os seus sentimentos, o Mestre narrava suas vidas passadas, quando se encontraram por diversas ocasiões.
Numa das cartas, Gibran pediu ao Mestre que explicasse melhor a ligação entre os dois, e o que queria dizer a anulação dos karmas. Ele lera num livro que alguns seres encarnam com seus karmas suspensos, em razão de haver prestado serviço ao Mestre, numa das encarnações.
Ele sabia que pela numerologia e astrologia, seus mapas não continham karmas. Ele consultou o Mestre, e aguardou a resposta. Passaram-se minutos, quase uma hora, sem que percebesse qualquer presença do Mestre. De repente, sua mão começou a apresentar o formigamento que anunciava a mensagem do Mestre.
Caneta na mão, mente vazia, papel em branco, Gibran aguardou o sinal. Pousou a caneta sobre o papel, e as explicações foram surgindo. Como sempre, começava com uma saudação, e terminava com uma despedida afetuosa. Gibran começou a escrever:
Meu amado filho, ainda não me ocorrera te contar sobre as nossas ações noutras vidas. Acho que está na hora. As tuas curiosidades iniciais já parecem estar satisfeitas, agora precisas obter mais detalhes sobre nossos vínculos espirituais.
Como não poderia deixar de acontecer, eu me aproximei de ti, numa das minhas visitas ao plano físico. É sempre o Mestre que entra em contacto com o discípulo, ao percebê-lo preparado para assumir missões. E, foi esta a razão de cruzarmos nossos caminhos em 1400, na Inglaterra, pouco antes do assassinato do rei Ricardo II.
Tu havias reencarnado na Inglaterra, e eu lá estava em missão, tentando pacificar o reino. Tu me ajudaste a resolver certas pendências na corte, e tive facilitado o meu trabalho. Antes disso, em torno de 1200, nos havíamos encontrado na Índia, mas em corpos não físicos, na realização de compromissos iniciáticos, em atividades separadas.
O próximo encontro deu-se em França, na época da revolução francesa, quando ambos procuramos evitar a queda da monarquia e a violência nas ruas de Paris. A tua condição de médico do casal real facilitava o teu trânsito junto aos ministros, fazendo chegar ao conhecimento deles, vários planos que eu tinha em mente.
Trabalhamos juntos, na tentativa de alertar a rainha que o reino estava por um fio. Usei a ti e a Condessa d’Adhemar para fazer chegar minha mensagem a Maria Antonieta, que eu precisava conversar com o rei, e informá-lo da necessidade de tomar sérias medidas para preservar o império.
Como bem sabes a conversa não aconteceu, e a revolta popular foi inevitável. E, tu morreste pisoteado pela massa enfurecida que invadiu o castelo, enquanto pedias calma e tentavas evitar o derramamento de sangue.
Naquele momento, deu-se uma de tuas Iniciações, a mais grandiosa de todas. Oferecendo a tua vida pela Obra, mereceste ascender a uma posição superior na escala iniciática. E, eu incorporei-te ao meu Raio, e te fiz meu discípulo.
O nosso próximo encontro será aqui na Alemanha. Temos uma nova missão a cumprir, e eu te convocarei no tempo certo. Por enquanto, recomendo que continues os teus estudos. Se precisares de mim, basta chamar-me que atenderei.
Agora, terei de me ausentar. Outros deveres me aguardam.
Deixo-te a minha saudação e admiração.
Saint Germain.
E, assim, a conexão se desfez, e Gibran encerrou a escrita. Como sempre fazia, ele leu a mensagem, que nem sempre era inteiramente compreendida, quando a estava redigindo.
Lágrimas afloraram aos olhos de Gibran, ele não conteve a emoção de se sentir tão íntimo do seu Mestre. As revelações tornaram-no mais consciente do seu papel no mundo. Ele entendeu, enfim, o que estava fazendo em Stuttgart, numa região de bosques e montanhas, distante do centro urbano de Berlim. Era preciso paz e sossego para processar todas aquelas informações em sua mente.
Gibran sabia que ainda havia muitos mistérios a serem revelados. Ele sabia que o seu Mestre sempre responderia às suas mensagens, pois um Mestre jamais se afasta do seu discípulo.
Era hora de descansar. Ele precisava dormir cedo, para recuperar o desgaste com tantos estudos e pesquisas, e que havia culminado com aquela revelação, vinda do seu Mestre espiritual.
Ele, então, pensou em Joseph, o seu mestre físico, e imaginou como ele receberia o relato desta conversa com o Mestre. Gibran refletiu, e visualizou o semblante sorridente do mestre, olhando-o meio de lado, como se já soubesse de tudo que acontecera.
Joseph era um poço de mistérios, nunca se sabia se ele adivinhava os fatos ou lia os pensamentos dos que dele se aproximavam. A verdade é que a sensação era de que ele sempre sabia o que havia acontecido, mas fazia questão que os fatos lhe fossem relatados.
E, era isto mesmo que ele faria na manhã do dia seguinte. Joseph ia ouvir a mensagem e poderia complementá-la com maiores detalhes sobre suas vidas passadas. Nesta expectativa, ele foi até a sala, onde Helga cochilava na confortável cadeira de braços almofadados, tomou-a em seus abraços, e conduziu-a para o quarto.
Desta vez, ele não ficaria pela madrugada contando-lhe os misteriosos momentos que passara, recebendo a mensagem do Mestre Saint Germain. Ele deixaria o relato para a manhã seguinte, antes de sair para se encontrar com Joseph.
O sono encontrou-o no meio desses pensamentos. Dos sonhos nada se pode dizer, pois eles pertencem somente aos que sonham. E, nós ficaremos só imaginando-os, e olhe lá!
CAPÍTULO DEZ
Gibran mergulhou nos estudos e leituras sobre a revolução em França, o Conde de Saint Germain e a Sociedade Teosófica. Na Alemanha, a Sociedade era muito forte, e a grande médium Helena Petrovna Blavatsky, era conhecida pessoalmente dos membros da Loja de Berlim.
Gibran começou a fazer planos para visitar a sede da Loja em Berlim. A visita ao mestre Joseph foi sendo adiada, e a própria conversa com Helga sobre as mensagens recebidas de Saint Germain foram breves e superficiais. Todo o seu tempo era dedicado aos estudos e às conversas com o Mestre, através de cartas em que ele perguntava ou expressava a sua dúvida, e o Mestre lhe respondia.
Helga também não tinha muito tempo a perder, pois seus canteiros de ervas estavam sendo multiplicados, e tomando toda a terra em volta da casa. As ervas eram não somente consumidas em temperos e saborosos chás, mas, as de aromas mais suaves e envolventes serviam para a produção de perfumes, incensos e cremes para a pele.
As visitas ao mestre Joseph escassearam de vez, sendo trocadas pelas idas e vindas à biblioteca e à livraria no centro de Stuttgart. Nessas visitas, ele aproveitava para passar no correio, à espera de uma carta ou telegrama dos filhos. Numa dessas passagens pela caixa postal, encontrou uma carta da filha Karine, avisando que viria visitá-los daí a duas semanas.
Gibran chegou de volta eufórico, no bolso, a carta da filha, e nos braços novos livros, falando de teosofia e iniciação espiritual. Helga, como sempre o esperava na varanda, depois de ter cuidado das ervas e preparado o jantar.
Ele entregou-lhe a carta de Karine, e esperou que ela lesse as primeiras linhas, para se deliciar com a expressão de entusiasmo que adivinhava tomaria conta do semblante de Helga. E, bastaram alguns segundos, para que ela abrisse um belo sorriso, e pulasse no seu pescoço, comemorando a próxima chegada da filha.
Gibran deixou-a ler o restante da carta, e foi pousar os livros na sua mesa de trabalho. Uma pilha de outros livros recebeu os novos e compuseram duas colunas harmônicas, uma de cada lado da mesa. No centro, papel e caneta, em frente um belo cristal de ametista e à esquerda um rústico incensório construído artesanalmente por Helga, onde ele queimava os perfumes das ervas cultivadas nos canteiros do quintal.
Os preparativos para receber Karine ocuparam as duas semanas seguintes do casal, preparando o quarto de hóspede para a filha, com aquele bom gosto que só mesmo Helga era capaz de transformar numa decoração simples e perfeita.
O dia chegou, e lá foram os dois numa bela charrete que haviam adquirido de um vizinho, que se mudara para Berlim. Confortável e com detalhes de esmerado luxo, os dois se sentiram rei e rainha a caminho da coroação. Enquanto conduzia a égua Ligeira, que eles tratavam com o mesmo carinho que Helga dedicava às ervas e Gibran aos livros, conversavam sobre a beleza do campo e se deixavam acariciar pela brisa que atravessava a primavera e se aproximava do verão.
Estavam felizes, e se aproveitaram daquele raro momento de descanso e passeio, para rememorar os meses que haviam passado desde a mudança de Berlim para Stuttgart. Como sempre costumava acontecer, Helga falava com vibrante entusiasmo e Gibran a ouvia, encantado com sua capacidade de transformar um simples detalhe num nobre e requintado acontecimento.
Eles eram embalados pelo balanceio da charrete, que a cada curva atirava-os um para cima do outro, fazendo-os dar gargalhadas e se abraçar para se sentir mais firmes e seguros. O trem deveria chegar dentro de uns trinta minutos, e eles já estavam bem próximos do centro da cidade, quando Gibran começou a contar detalhes da sua troca de mensagens com o Mestre Saint Germain. Helga se calou e pôs-se a ouvi-lo com redobrada atenção.
A chegada à estação interrompeu o relato que havia deixado Helga fascinada, pois Gibran ainda não havia detalhado os fatos daquela maneira. Ela cobrou-lhe o fim da história, assim que voltassem para casa. E, quem sabe, Karine também teria interesse em participar daqueles diálogos escritos do pai com o Mestre. Afinal, ela estava chegando de uma longa viagem à Índia, terra dos cultos e das seitas místicas.
De mãos dadas, caminharam até um banco, e ali ficaram calados, na expectativa da chegada da filha. Eles não se viam há quase um ano, e a saudade era muito forte. O apito do trem despertou-os para a realidade, os sonhos se transformariam em fatos concretos, a filha seria abraçada e beijada, e Helga não garantia que controlaria o choro. E, de fato, não controlou. As lágrimas rolaram pelo rosto, mal ela avistou aquela moça bonita, com meio corpo fora da janela do vagão, acenando para eles.
Que dias, meus leitores! Que dias! Encantamento e magia. Histórias da Índia e das experiências místicas de Gibran. As comidas indianas e as ervas de Helga sugerindo misturas e receitas semelhantes às que Karine descrevia com entusiasmo. Vestidos coloridos e esvoaçantes para a mãe. Livros raros de estudos filosóficos para o pai.
Durante dez dias, Karine permaneceu com os pais, e foram todos eles envolvidos por aventuras na Índia e deslumbramentos com a vida nos campos de Stuttgart. Chegada a hora da partida, beijos, abraços e promessas tomaram conta dos últimos instantes daquela família feliz, cuja felicidade só não era completa pela ausência do filho Karl, que ainda permanecia com seus estudos de pintura em Paris.
Daquela mesma janela de trem, que emoldurou a jovem acenando na chegada, via-se um vulto distanciar-se e desaparecer numa curva mais adiante, e levando com ela saudades muitas saudades de seus pais. Os dois retornaram tristes pela mesma estrada que, dias atrás, parecia prometer felicidade eterna a quem cruzasse aqueles campos perfumados.
Aquela noite foi triste, e os dois aproveitaram para dormir mais cedo, abraçados como se compensassem um no outro, a ausência dos filhos. Mas, na manhã seguinte, novos sonhos ocupariam suas vidas, e eles transformariam cada sonho numa bela e inesquecível realidade.


sexta-feira, 10 de agosto de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 4, 5, 6 e 7

Meus queridos leitores:
Diante de tamanha aprovação e de sinceros pedidos para uma aceleração em nossa narrativa sobre o casal Gibran e Helga, dou-lhes, hoje, 4 capítulos, esperando que, assim, controlem a ansiedade.
Sem mais delongas, voltemos à Alemanha, do final do século XIX  e início do século XX.
Boa leitura!
Abraços.
Gilberto.

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 4, 5, 6 E 7.

CAPÍTULO QUATRO
A casa do mestre, escondida por trás de árvores, era uma construção simples de pedra, como a maioria da região. Eles foram seguindo a trilha, abriram um portão quase despencado e bateram à porta. O mestre atendeu-os com um largo sorriso, que parecia um misto de satisfação e surpresa. Eles pensaram que, talvez, tivessem surpreendido o mestre, que não esperava que cumprissem o compromisso assumido no restaurante.
Entraram na casa, que tinha uma sala apertada, mas suficiente para comportar uma mesa com dois bancos de madeira e uma cadeira estofada, que parecia ser exclusiva do mestre. Sentaram-se nos bancos, e o mestre se acomodou na cadeira.
O mestre comandou a conversa, e falou por mais de uma hora de assuntos banais, que não despertaram a atenção dos dois visitantes, que ouviam calados e sem entender muito bem o que faziam naquela casa.
Helga resolveu parar com aquela conversa fiada, e interrompeu o mestre com uma pergunta direta sobre os mistérios que tinham ouvido no centro de Stuttgart. Ele parecia esperar a intervenção, e com um sorriso no canto dos lábios, começou a responder a Helga.
Os assuntos foram se sucedendo, e se aprofundando nos mistérios do ocultismo e da teosofia. O casal ouvia calado, e Joseph, este era o nome do mestre, falava sem parar, e dava a impressão de se deliciar com o espanto estampado no rosto dos dois atentos ouvintes.
Eram 10 horas de uma manhã de sol, quando eles chegaram à casa de Joseph, e foi no lusco-fusco de fim de tarde que de lá eles saíram. Percorreram o caminho de volta, calados e pensativos. Um ou outro murmúrio interrompia o silêncio, de tempos em tempos.
A noite foi longa. A conversa entre os dois estendeu-se pela madrugada. Helga foi dormir e Gibran ainda ficou tomando nota de uns dados para pesquisar no dia seguinte. Era quase manhã, quando ele deitou. O repouso, porém, não passou de três horas.
Ele disse a Helga que ia até o comércio comprar uns livros. Preparou a charrete, e confrontando o tempo, já estava de volta, quando mal havia saído. Abraçado a um monte de livros, Gibran entrou na sala, e pousou tudo sobre a mesa. Helga arregalou os olhos, mas, sem perda de tempo, ele começou a desfolhar o primeiro dos três que ocupariam o seu dia.
Gibran se trancou no seu recanto, meio escritório, meio templo. Quinze minutos para o almoço interromperam a leitura, que somente foi dada por concluída com a chegada da noite. Enquanto comiam, a conversa foi posta em dia. Helga falou do livro que estava lendo, e de revelações estranhas, que ela nunca tinha ouvido antes. Gibran deu a sua opinião, e também relatou algumas afirmações misteriosas, contidas no livro que havia devorado de manhã à noite.
CAPÍTULO CINCO
Durante todo o mês, o ritual se repetia. Acordar cedo, ler por todo o dia e troca de opiniões, antes de dormir. Um dia na semana, visita a Joseph, de onde voltavam mais confusos do que esclarecidos. Eles anotavam as questões a perguntar, e traziam outras tantas de volta.
Joseph falava dos Pequenos e Grandes Mistérios, detalhava os rituais de Iniciação da Teosofia e revelava as experiências místicas encerradas nos secretos rituais do templo. Gibran ouvia calado e pensativo. Helga não se continha, e pedia detalhes e explicações. Ele intuía os fatos. Ela cobrava detalhes, não deixando nada sem uma resposta lógica e concreta.
Joseph bem que tentava atender os questionamentos de Helga, mas, por mais que justificasse que certos mistérios não poderiam ser entendidos pela razão, Helga não se conformava em aceitar verdades sem provas. Assim, eram os dias de visita ao mestre. Eles chegavam pela manhã e saíam à noite. Levavam o que comer e o mestre oferecia o que beber.
De volta ao aconchego do lar, alongavam-se as noites. E, nos dias seguintes, eram leituras e anotações, conferindo os ensinamentos do mestre e preparando novas perguntas. A horta ficou esquecida no meio do quintal. As flores meio murchas rogavam atenção. Gibran e Helga, seduzidos pelos conhecimentos e mistérios da teosofia, buscavam explicação.
Transcorrido um mês de peregrinação à casa do mestre, os dois decidiram espaçar as visitas, de modo a buscar as respostas nos livros e dar descanso ao mestre. Joseph andava um pouco adoentado, e sua filha tinha vindo cuidar-lhe da saúde, por uns tempos. Era uma boa justificativa para dar uma trégua ao mestre.
CAPÍTULO SEIS
O adoecimento do mestre mexeu com o emocional do casal. Helga levantou a questão da causa da doença estar relacionada ao fato do mestre comer alimentos gordurosos e insistir no hábito de fumar. Gibran pesquisou livros sobre alimentação vegetariana, adotada por seres espiritualizados, em todas as fases da história da humanidade. De uma conversa informal, surgiu a decisão do casal. Abolir carnes e gorduras, e se tornarem vegetarianos.
Alimentação saudável e leitura espiritualizada fizeram-nos sadios no corpo e na alma. Gibran lia muito e Helga retornara aos poucos a cuidar da terra. Disposição não lhes faltava, o tempo sim, este era curto e insuficiente.
Encerrada a pesquisa num lote de livros, Gibran se dirigia à biblioteca, e de lá retornava com uma nova coleta de títulos teosóficos e místicos. Um desses livros chamou-lhe a atenção mais do que os demais, por ensinar o discípulo a se conectar com o Mestre.
Gibran estudou todos os detalhes e se preparou para iniciar a prática. O livro fornecia um modelo de carta ao Mestre, a ser redigida diariamente pelo discípulo que buscasse o contacto com seu Mestre.
Durante as primeiras duas semanas, Gibran repetia disciplinadamente a mesma escrita, sem alterar uma vírgula sequer. Ele se concentrava no teor da carta como se estivesse visualizando o destinatário. Ele quase era capaz de sentir a presença do Mestre, ou, melhor seria dizer, a imagem do Mestre, para não incorrermos em exageros.
Helga procurava se inteirar do processo, e até tentou redigir umas cartas, mas não foi além da terceira, e mesmo assim, deixando a última incompleta. Ela não era chegada a estudos mentais e a práticas repetitivas, ou qualquer experiência que exigisse uma disciplina muito rígida.
Gibran prosseguiu seus estudos, buscando informar-se sobre os Mestres Ascensionados, e suas governanças sobre a humanidade terrestre. Ele Inteirou-se sobre os Sete Raios, e ficou muito impressionado com a ligação de cada Mestre com um grupo de discípulos que ficava sob o foco da sua atenção. O Mestre controlava a evolução dos seus discípulos através dos seus Adeptos, que eram seres muito evoluídos ligados a cada um dos Sete Raios.
Gibran copiou diversos trechos do livro sobre os Sete Raios. Ele queria consultar Joseph sobre a relação de Mestre e discípulos, já que sentia um forte desejo de reconhecer o seu Raio e saber a que Mestre estava ligado.
No dia seguinte pela manhã, Gibran colocou dois livros debaixo do braço e os apontamentos no bolso da camisa. Deu um beijo no rosto de Helga, deixando-a plantando suas ervas aromáticas, e se pôs na estrada.
Enquanto caminhava, Gibran pensava sobre as questões que pretendia formular ao mestre. Ele pensava em tudo que lera, e nas cartas que vinha escrevendo para um Mestre que ainda não lhe respondera. Ele sabia que obteria resposta, só não sabia como ou quando. Joseph devia ter a resposta que ele vinha procurando encontrar nos livros.
Já fazia um bom tempo que ele não visitava o mestre, não por falta de vontade, mas para não prejudicar sua convalescença de um distúrbio hepático que fora agravado pelos maus hábitos alimentares.
Em sua última visita à biblioteca, ele encontrara a filha de Joseph, que lhe deu boas notícias sobre a saúde do pai, já recuperado e apto a receber visitas. Daí a um convite formal para uma visita foi uma questão de dois quarteirões de caminhada lado a lado. Despediram-se, e ele se comprometeu que logo visitaria o mestre.
Era a prometida visita que ele estava a ponto de cumprir, caminhando por aquela estradinha margeada de árvores e aves, umas silenciosas e inertes, as outras, barulhentas e em contínuos movimentos.
Gibran puxou o ar, enchendo os pulmões e oxigenando o cérebro, numa prévia para acalmar os nervos que ficavam mais agitados à medida que se aproximava da casa de Joseph. A sua mente estava tomada de perguntas e sem espaço para mais nada. Era preciso acelerar o passo.
CAPÍTULO SETE
Joseph recebeu Gibran com um forte abraço e um largo sorriso. Sentaram-se frente a frente, e depois das trocas de gentilezas formais, perguntas sobre a saúde do mestre e às ervas de Helga, Gibran tomou a palavra e deixou transbordar toda a sua ansiedade. O mestre ouviu-o atentamente, com um olhar entre espanto e admiração.
Concluído o rosário de questões e dúvidas que atormentaram Gibran nos últimos dias, coube ao mestre tomar a palavra e saciar a curiosidade do discípulo. Gibran não desgrudava o olhar do rosto do mestre, que parecia mudar de feições a cada instante. A sensação é que o mestre tornava-se mais moço, à medida que discorria sobre os mistérios da vida e da morte.
Gibran prestava atenção, e vez por outra, usava a própria explicação do mestre para emendar em outra pergunta. Joseph a tudo respondia, como se houvesse estudado a lição, e estivesse bem preparado para a prova a que estava se submetendo.
Gibran pediu detalhes sobre a lei do karma e a reencarnação. E o mestre detalhou as diversas teorias a esse respeito. O discípulo quis saber se era possível saber sobre suas vidas passadas, e o mestre respondeu que sim, exceto quando se tratasse de uma vida velada. Gibran quis entender o que seria uma vida velada, e Joseph explicou-lhe que, algumas pessoas exerceram uma função que não poderia ser revelada nas vidas seguintes. Por isso, quando os videntes acessavam a aura dessas pessoas, não era possível obter informação daquela encarnação, ou de todas, se estivessem relacionadas entre si.
A curiosidade de Gibran chegou ao auge, quando provocado pelo mestre, soube que havia sido um mártir na época da revolução francesa. Joseph, com um sorriso meio zombeteiro, meio provocativo, sorria e olhava para Gibran, observando em detalhes suas incontidas reações de espanto e ansiedade.
Gibran ouviu, então, a narrativa do mestre sobre a sua vida na França. Soube ter sido um médico que frequentava a corte e cuidava da saúde dos reis. Íntimo da nobreza, e desafeto de muitos ministros que conspiravam contra os monarcas, e que não se sentiam à vontade com a sua presença, que gozava da simpatia e da confiança do casal real.
Joseph sorvia cada revelação, diante de um Gibran extasiado com a ideia de ter frequentado a corte de Luís XVI e Maria Antonieta, e haver sido seu médico de cabeceira. E, de Maria Antonieta, parece ter frequentado mais a cabeceira do que a do rei. Não por ser a rainha mais doente que o rei, mas, por certa intimidade que havia entre os dois.
O mestre olhava com um olhar de soslaio para Gibran, e, com um sorriso, se desculpava da intriga, mas era o que corria pelos corredores de Versalhes. Houve paixão, mas a rainha era pródiga na oferta de amor, e ele não fora o seu único amante.
Gibran sentiu-se transportado para Paris, ouviu valsas e dançou um minueto com a Condessa d’Adhemar, amiga da rainha e íntima do conde de Saint Germain. Gibran vinha lendo com um enorme interesse o papel de Saint Germain junto aos reis de França, tentando salvar a monarquia, no que não obteve êxito.
A voz do mestre, pronunciando o nome do grande místico, despertou Gibran, que sonhava com a corte, com a rainha e com o conde de Saint Germain. De volta à realidade, Gibran mal teve tempo de se recuperar do susto, quando ouviu Joseph afirmar que ele, Gibran, fora muito amigo de Saint Germain. E concluir que tivera uma participação muito ativa nos acontecimentos que culminaram com a queda da Bastilha.
Joseph ensinou Gibran a consultar o pêndulo para encontrar respostas sobre os fatos ocorridos na França e em suas outras vidas anteriores, na Itália, em Portugal, na Inglaterra e por inúmeras vidas passadas, que lhe foram sendo reveladas, enquanto conversavam.
O mestre mostrou-lhe o processo de segurar o pêndulo, se concentrar no seu Mestre Espiritual e pedir-lhe ajuda para acessar os registros do Akasha. Se o pêndulo girasse no sentido horário, a resposta seria sim, no sentido inverso, a resposta seria negativa.
Gibran interrompeu o mestre, com a alegação de que não sabia quem era o seu Mestre Espiritual, que não tinha como solicitar-lhe ajuda. Joseph soltou uma gargalhada, e perguntou a Gibran se ele ainda não percebera que Saint Germain era o seu Mestre.
Gibran engasgou, e não sabia o que responder. O mestre concluiu afirmando que, pelo fato de terem realizado trabalhos conjuntos na Inglaterra, em Portugal, na França e dentro de mais alguns anos, ali mesmo na Alemanha, o Mestre o adotara como seu discípulo, passando a orientá-lo e protegê-lo.
Gibran pediu mais detalhes, mas Joseph alegou cansaço, e prometeu novas revelações, em suas próximas visitas. Levantou-se, abriu uma caixinha de madeira com um cristal rubi na tampa, e de lá retirou um belo pêndulo de ametista com um cordão dourado e prateado, e presenteou-o a Gibran.
Gibran ficou em estado de graça, mal acreditando que, depois de todas as revelações sobre suas vidas passadas e as intimistas minúcias sobre sua passagem pela história da França, ainda seria presenteado com aquele mimo que responderia suas perguntas sobre os mundos ocultos.
Gibran agradeceu sensibilizado a Joseph, abraçou-o e se despediu. A tarde já estava caindo, o tempo se passara sem que ele percebesse que conversara por horas com o mestre. Helga devia estar preocupada, mas ela sabia que conversas com Joseph não costumavam ter hora marcada.
Apressou o passo, e quase experimentou correr pela estrada que separava sua casa da casa do mestre. O ar estava morno, havia uma estranha brisa soprando em seu rosto, as folhas se mexiam como se acenassem à sua passagem.
Ele chegou ofegante em casa, e já encontrou a mesa posta e um cheiro no ar de uma deliciosa sopa com ervas, que Helga vinha aprimorando a cada dia. Ele abraçou-a, beijou-a, e se sentiu bem por viver naquela casa, naquele lugar.
Ela sorriu para ele, retribuiu o carinho, e intimou-o a sentar-se à mesa, e entre um gole e outro, contar tudo que ouvira, sem deixar de lado uma vírgula sequer. Ele só pediu um tempo para jogar água no rosto, lavar as mãos e descansar os pés da bota empoeirada, que o conduzira por caminhos bem mais distantes do que aquele que percorrera, entre sua casa e a do mestre.
Cumprido o ritual de purificação, os dois saborearam a sopa eucarística que operara o milagre de saciar a fome e purificar a alma. A conversa serviu de sobremesa, transformou-se em chá da meia-noite e quase virou café da manhã.
Gibran não conseguiu pegar no sono antes das 4 horas da madrugada, e Helga teve um sono agitado com muitos sonhos, alguns quase pesadelos. Os dias seguintes prometiam grandes surpresas, e surpresas eram tudo com que eles mais sonhavam.