CAPÍTULO OITO
Gibran passou a semana seguinte mergulhado em estudos e pesquisas.
Estudou o manuseio do pêndulo e se comprometeu a só usá-lo quando
exercesse domínio completo sobre o processo de perguntas e
respostas.
Ele passava as tardes escrevendo cartas ao mestre. Cartas que não
obtinham respostas. Ele permanecia parado com a pena sobre o papel,
aguardando um contacto com o mestre. Nada aconteceu, nos três
primeiros dias, porém, no quarto dia, ele sentiu um estranho
incômodo, uma espécie de vibração nos dedos da mão.
A mente de Gibran foi se expandindo, e passando a acumular fortes
energias. Ele sentiu ímpeto de escrever, mas não sabia o que. De
repente, ele percebeu que se começasse a escrever as primeiras
palavras, uma energia mais forte completaria o texto. Assim ele fez,
e começou escrevendo como se o mestre estivesse do lado dele.
Ao começar a redigir o segundo parágrafo, Gibran se sentiu
tomado de uma força mental muito intensa, e começou a escrever, sem
ter noção até onde poderia chegar. As palavras foram chegando, e
ele as transferia para o papel. Perguntas que haviam sido feitas há
dias apareciam respondidas.
Ele escrevia, sem ter a sensação exata do que estava redigindo.
Duas folhas e meia foram preenchidas, e depois de um longo suspiro,
ele interrompeu a redação.
O texto era uma resposta às suas cartas ao Mestre, e ganhara uma
assinatura identificando o remetente. Lá estava a assinatura de
Saint Germain. Gibran arrepiou-se, ao perceber que o Mestre assinara
a carta.
A leitura do conteúdo era ainda mais arrepiante, pois discorria
sobre situações desconhecidas para Gibran, que ganharam forma
através dos seus dedos enquanto manipulavam a pena.
Gibran leu a resposta do Mestre por diversas vezes, e ficou
refletindo como era possível ele ter escrito tudo aquilo,
desconhecendo o sentido da explicação. Ele entendia as respostas,
mas desconhecia como se chegar a elas.
Gibran lembrou-se do pêndulo, e acreditou que era a hora de
consultá-lo. Concentrado no Mestre Saint Germain, ele fez sucessivas
perguntas ao pêndulo, e para todas obteve respostas. O Mestre
esclareceu suas dúvidas, e fez revelações que o deixaram
emocionado.
Havia fortes ligações entre eles, que foram confirmadas por
imagens projetadas na tela mental de Gibran. Ele teve percepções de
encontros com o mestre em locais e épocas diferentes. O pêndulo
girava intensamente, enquanto a visão mental de Gibran captava as
imagens e assimilava as explicações.
Tudo aconteceu em fração de segundos, que pareceu uma
eternidade. Gibran sentiu uma energia contagiante envolvendo-o num
misto de admiração, amor e respeito. A energia cessou
repentinamente, e ele como que despertou de um sonho.
Ele agradeceu mentalmente ao Mestre, e como num ritual curvou-se
diante da mesa onde repousavam as folhas com as mensagens de Saint
Germain. Sensibilizado pela celebração do encontro com o Mestre,
ele ainda permaneceu sentado por um tempo até sentir um suave
relaxamento em todo o corpo.
A esta altura, Helga se aproximou e se dirigiu a ele com um olhar
curioso, como que adivinhando que algo misterioso tinha ocorrido. Ele
a abraçou, e ainda sob o impacto da experiência, puxou-a para junto
de si, e ficou agarrado com ela em silêncio.
Ela não conseguiu conter a ansiedade por muito tempo, e
voltando-se para ele com o seu conhecido olhar curioso, abriu os
braços e balançou a cabeça, convocando-o para apresentar o
relatório da noite. A tarde já se fora havia hora e meia, e agora
chegara o momento de resumir os acontecimentos do dia.
Helga não fazia ideia do que ia ouvir, e Gibran não sabia como
começar. Depois das primeiras palavras, porém, difícil foi
interromper a narrativa e impossível controlar as intermináveis
perguntas e questionamentos de Helga. A noite foi mais uma daquelas
que só termina quando a luz do dia se anuncia.
CAPÍTULO NOVE
Sucediam os meses, e com eles as cartas de Gibran para o Mestre
Saint Germain, e deste para o discípulo. Gibran descrevia para o
Mestre os seus sentimentos, o Mestre narrava suas vidas passadas,
quando se encontraram por diversas ocasiões.
Numa das cartas, Gibran pediu ao Mestre que explicasse melhor a
ligação entre os dois, e o que queria dizer a anulação dos
karmas. Ele lera num livro que alguns seres encarnam com seus karmas
suspensos, em razão de haver prestado serviço ao Mestre, numa das
encarnações.
Ele sabia que pela numerologia e astrologia, seus mapas não
continham karmas. Ele consultou o Mestre, e aguardou a resposta.
Passaram-se minutos, quase uma hora, sem que percebesse qualquer
presença do Mestre. De repente, sua mão começou a apresentar o
formigamento que anunciava a mensagem do Mestre.
Caneta na mão, mente vazia, papel em branco, Gibran aguardou o
sinal. Pousou a caneta sobre o papel, e as explicações foram
surgindo. Como sempre, começava com uma saudação, e terminava com
uma despedida afetuosa. Gibran começou a escrever:
Meu amado filho, ainda não me ocorrera te contar sobre as nossas
ações noutras vidas. Acho que está na hora. As tuas curiosidades
iniciais já parecem estar satisfeitas, agora precisas obter mais
detalhes sobre nossos vínculos espirituais.
Como não poderia deixar de acontecer, eu me aproximei de ti, numa
das minhas visitas ao plano físico. É sempre o Mestre que entra em
contacto com o discípulo, ao percebê-lo preparado para assumir
missões. E, foi esta a razão de cruzarmos nossos caminhos em 1400,
na Inglaterra, pouco antes do assassinato do rei Ricardo II.
Tu havias reencarnado na Inglaterra, e eu lá estava em missão,
tentando pacificar o reino. Tu me ajudaste a resolver certas
pendências na corte, e tive facilitado o meu trabalho. Antes disso,
em torno de 1200, nos havíamos encontrado na Índia, mas em corpos
não físicos, na realização de compromissos iniciáticos, em
atividades separadas.
O próximo encontro deu-se em França, na época da revolução
francesa, quando ambos procuramos evitar a queda da monarquia e a
violência nas ruas de Paris. A tua condição de médico do casal
real facilitava o teu trânsito junto aos ministros, fazendo chegar
ao conhecimento deles, vários planos que eu tinha em mente.
Trabalhamos juntos, na tentativa de alertar a rainha que o reino
estava por um fio. Usei a ti e a Condessa d’Adhemar para fazer
chegar minha mensagem a Maria Antonieta, que eu precisava conversar
com o rei, e informá-lo da necessidade de tomar sérias medidas para
preservar o império.
Como bem sabes a conversa não aconteceu, e a revolta popular foi
inevitável. E, tu morreste pisoteado pela massa enfurecida que
invadiu o castelo, enquanto pedias calma e tentavas evitar o
derramamento de sangue.
Naquele momento, deu-se uma de tuas Iniciações, a mais grandiosa
de todas. Oferecendo a tua vida pela Obra, mereceste ascender a uma
posição superior na escala iniciática. E, eu incorporei-te ao meu
Raio, e te fiz meu discípulo.
O nosso próximo encontro será aqui na Alemanha. Temos uma nova
missão a cumprir, e eu te convocarei no tempo certo. Por enquanto,
recomendo que continues os teus estudos. Se precisares de mim, basta
chamar-me que atenderei.
Agora, terei de me ausentar. Outros deveres me aguardam.
Deixo-te a minha saudação e admiração.
Saint Germain.
E, assim, a conexão se desfez, e Gibran encerrou a escrita. Como
sempre fazia, ele leu a mensagem, que nem sempre era inteiramente
compreendida, quando a estava redigindo.
Lágrimas afloraram aos olhos de Gibran, ele não conteve a emoção
de se sentir tão íntimo do seu Mestre. As revelações tornaram-no
mais consciente do seu papel no mundo. Ele entendeu, enfim, o que
estava fazendo em Stuttgart, numa região de bosques e montanhas,
distante do centro urbano de Berlim. Era preciso paz e sossego para
processar todas aquelas informações em sua mente.
Gibran sabia que ainda havia muitos mistérios a serem revelados.
Ele sabia que o seu Mestre sempre responderia às suas mensagens,
pois um Mestre jamais se afasta do seu discípulo.
Era hora de descansar. Ele precisava dormir cedo, para recuperar o
desgaste com tantos estudos e pesquisas, e que havia culminado com
aquela revelação, vinda do seu Mestre espiritual.
Ele, então, pensou em Joseph, o seu mestre físico, e imaginou
como ele receberia o relato desta conversa com o Mestre. Gibran
refletiu, e visualizou o semblante sorridente do mestre, olhando-o
meio de lado, como se já soubesse de tudo que acontecera.
Joseph era um poço de mistérios, nunca se sabia se ele
adivinhava os fatos ou lia os pensamentos dos que dele se
aproximavam. A verdade é que a sensação era de que ele sempre
sabia o que havia acontecido, mas fazia questão que os fatos lhe
fossem relatados.
E, era isto mesmo que ele faria na manhã do dia seguinte. Joseph
ia ouvir a mensagem e poderia complementá-la com maiores detalhes
sobre suas vidas passadas. Nesta expectativa, ele foi até a sala,
onde Helga cochilava na confortável cadeira de braços almofadados,
tomou-a em seus abraços, e conduziu-a para o quarto.
Desta vez, ele não ficaria pela madrugada contando-lhe os
misteriosos momentos que passara, recebendo a mensagem do Mestre
Saint Germain. Ele deixaria o relato para a manhã seguinte, antes de
sair para se encontrar com Joseph.
O sono encontrou-o no meio desses pensamentos. Dos sonhos nada se
pode dizer, pois eles pertencem somente aos que sonham. E, nós
ficaremos só imaginando-os, e olhe lá!
CAPÍTULO DEZ
Gibran mergulhou nos estudos e leituras sobre a revolução em
França, o Conde de Saint Germain e a Sociedade Teosófica. Na
Alemanha, a Sociedade era muito forte, e a grande médium Helena
Petrovna Blavatsky, era conhecida pessoalmente dos membros da Loja de
Berlim.
Gibran começou a fazer planos para visitar a sede da Loja em
Berlim. A visita ao mestre Joseph foi sendo adiada, e a própria
conversa com Helga sobre as mensagens recebidas de Saint Germain
foram breves e superficiais. Todo o seu tempo era dedicado aos
estudos e às conversas com o Mestre, através de cartas em que ele
perguntava ou expressava a sua dúvida, e o Mestre lhe respondia.
Helga também não tinha muito tempo a perder, pois seus canteiros
de ervas estavam sendo multiplicados, e tomando toda a terra em volta
da casa. As ervas eram não somente consumidas em temperos e
saborosos chás, mas, as de aromas mais suaves e envolventes serviam
para a produção de perfumes, incensos e cremes para a pele.
As visitas ao mestre Joseph escassearam de vez, sendo trocadas
pelas idas e vindas à biblioteca e à livraria no centro de
Stuttgart. Nessas visitas, ele aproveitava para passar no correio, à
espera de uma carta ou telegrama dos filhos. Numa dessas passagens
pela caixa postal, encontrou uma carta da filha Karine, avisando que
viria visitá-los daí a duas semanas.
Gibran chegou de volta eufórico, no bolso, a carta da filha, e
nos braços novos livros, falando de teosofia e iniciação
espiritual. Helga, como sempre o esperava na varanda, depois de ter
cuidado das ervas e preparado o jantar.
Ele entregou-lhe a carta de Karine, e esperou que ela lesse as
primeiras linhas, para se deliciar com a expressão de entusiasmo que
adivinhava tomaria conta do semblante de Helga. E, bastaram alguns
segundos, para que ela abrisse um belo sorriso, e pulasse no seu
pescoço, comemorando a próxima chegada da filha.
Gibran deixou-a ler o restante da carta, e foi pousar os livros na
sua mesa de trabalho. Uma pilha de outros livros recebeu os novos e
compuseram duas colunas harmônicas, uma de cada lado da mesa. No
centro, papel e caneta, em frente um belo cristal de ametista e à
esquerda um rústico incensório construído artesanalmente por
Helga, onde ele queimava os perfumes das ervas cultivadas nos
canteiros do quintal.
Os preparativos para receber Karine ocuparam as duas semanas
seguintes do casal, preparando o quarto de hóspede para a filha, com
aquele bom gosto que só mesmo Helga era capaz de transformar numa
decoração simples e perfeita.
O dia chegou, e lá foram os dois numa bela charrete que haviam
adquirido de um vizinho, que se mudara para Berlim. Confortável e
com detalhes de esmerado luxo, os dois se sentiram rei e rainha a
caminho da coroação. Enquanto conduzia a égua Ligeira, que eles
tratavam com o mesmo carinho que Helga dedicava às ervas e Gibran
aos livros, conversavam sobre a beleza do campo e se deixavam
acariciar pela brisa que atravessava a primavera e se aproximava do
verão.
Estavam felizes, e se aproveitaram daquele raro momento de
descanso e passeio, para rememorar os meses que haviam passado desde
a mudança de Berlim para Stuttgart. Como sempre costumava acontecer,
Helga falava com vibrante entusiasmo e Gibran a ouvia, encantado com
sua capacidade de transformar um simples detalhe num nobre e
requintado acontecimento.
Eles eram embalados pelo balanceio da charrete, que a cada curva
atirava-os um para cima do outro, fazendo-os dar gargalhadas e se
abraçar para se sentir mais firmes e seguros. O trem deveria chegar
dentro de uns trinta minutos, e eles já estavam bem próximos do
centro da cidade, quando Gibran começou a contar detalhes da sua
troca de mensagens com o Mestre Saint Germain. Helga se calou e
pôs-se a ouvi-lo com redobrada atenção.
A chegada à estação interrompeu o relato que havia deixado
Helga fascinada, pois Gibran ainda não havia detalhado os fatos
daquela maneira. Ela cobrou-lhe o fim da história, assim que
voltassem para casa. E, quem sabe, Karine também teria interesse em
participar daqueles diálogos escritos do pai com o Mestre. Afinal,
ela estava chegando de uma longa viagem à Índia, terra dos cultos e
das seitas místicas.
De mãos dadas, caminharam até um banco, e ali ficaram calados,
na expectativa da chegada da filha. Eles não se viam há quase um
ano, e a saudade era muito forte. O apito do trem despertou-os para a
realidade, os sonhos se transformariam em fatos concretos, a filha
seria abraçada e beijada, e Helga não garantia que controlaria o
choro. E, de fato, não controlou. As lágrimas rolaram pelo rosto,
mal ela avistou aquela moça bonita, com meio corpo fora da janela do
vagão, acenando para eles.
Que dias, meus leitores! Que dias! Encantamento e magia. Histórias
da Índia e das experiências místicas de Gibran. As comidas
indianas e as ervas de Helga sugerindo misturas e receitas
semelhantes às que Karine descrevia com entusiasmo. Vestidos
coloridos e esvoaçantes para a mãe. Livros raros de estudos
filosóficos para o pai.
Durante dez dias, Karine permaneceu com os pais, e foram todos
eles envolvidos por aventuras na Índia e deslumbramentos com a vida
nos campos de Stuttgart. Chegada a hora da partida, beijos, abraços
e promessas tomaram conta dos últimos instantes daquela família
feliz, cuja felicidade só não era completa pela ausência do filho
Karl, que ainda permanecia com seus estudos de pintura em Paris.
Daquela mesma janela de trem, que emoldurou a jovem acenando na
chegada, via-se um vulto distanciar-se e desaparecer numa curva mais
adiante, e levando com ela saudades muitas saudades de seus pais. Os
dois retornaram tristes pela mesma estrada que, dias atrás, parecia
prometer felicidade eterna a quem cruzasse aqueles campos perfumados.
Aquela noite foi triste, e os dois aproveitaram para dormir mais
cedo, abraçados como se compensassem um no outro, a ausência dos
filhos. Mas, na manhã seguinte, novos sonhos ocupariam suas vidas, e
eles transformariam cada sonho numa bela e inesquecível realidade.
Querido Mestre,
ResponderExcluirQue história bonita! E que ambientes maravilhosos para onde o texto nos leva! Apesar de este texto nos apresentar a relação do Mestre com o seu Discípulo (St. Germain e Gibran), veio-me à memória as famosas cartas que A. P. Sinnett escreveu para o seu Mestre Koot Hoomi e Morya, e que foram tão importantes para o Movimento Teosófico.
Aguardo ansiosamente pelos próximos capítulos e gostava de saber se Gibran irá encontrar-se com Blavatsky :)
Muitos, muitos abraços!
Jorge
Querido Mestre Gilberto, mais uma vez seu 3 me emocionando, como disse no comentário anterior, pessoalmente e volto a afirmar agora. A extrema delicadeza que é capaz de nos envolver, a tela mental ativa em cenas mágicas de tão belas, e tudo isso acompanhado dos mistérios que tanto me instigam.
ResponderExcluirJá anseio por saber quais serão os próximos passos de Gibran e Helga...será que em algum ritual?
Abraço afetuoso!
Caroline.