sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 23 E 24

CAPÍTULO VINTE E TRÊS
Gibran prosseguiu, alteando o tom da voz, para denunciar e condenar as transferências de responsabilidade, que seriam, segundo ele, as maiores responsáveis pela decadência do ensino no país. A família não pode entregar nas mãos da escola, o destino dos seus filhos. O Estado não pode exigir do cidadão que apoie o processo educativo do país, matriculando seus filhos em escolas que não oferecem segurança e nem os tornem cidadãos. E ninguém pode cobrar dos alunos assiduidade e interesse pelas aulas, diante da obsolescência do material didático empregado nas escolas.
Ele continuou acusando as aulas, salvo exceções, de chatas, desinteressantes e destituídas de qualquer valor. Ele alegou que todos sabem disto, a começar pelos professores, que preparam suas aulas, quase sempre, às pressas, de mau humor e má vontade, entre um compromisso e outro, sempre em busca de complementar sua renda.
As autoridades fazem vistas grossas, alegando falta de verbas. As verbas são manipuladas por políticos inescrupulosos, que antes de pensar na juventude e no futuro da nação, se prendem ao partido daquele que exerce o poder. E, nessas horas, mais uma vez se faz presente a conhecida máxima: “aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”.
No meio de tantos desmandos, fica o aluno, por sua imaturidade, agindo de modo indisciplinado, a até agressivo, descarregando nos professores e colegas toda a sua revolta, por ser obrigado a se submeter a regras que tentam transformá-lo em marionete, aceitando a encenação, e sem reclamação.
Numa das pontas, estão os pais, pressionados pelas diretorias de escolas, acusando e ameaçando seus filhos. Na outra ponta, se encontram os diretores, coordenadores e professores, perplexos e sem saber o que fazer, para controlar a insubordinação dos alunos e controlar a violência que, aos poucos, invade as salas de aula e os pátios das escolas.
Acusações, ameaças, pressões, protestos, castigos, punições e reprovações, se não passarem por uma profunda reformulação nos métodos do ensino, serão tentativas vãs de resolver um problema que está na essência, e não na forma.
O alerta que se seguiu foi direcionado para o mundo fora das quatro paredes das salas de aula. O nosso semeador chamou a atenção de como está caótico o planeta, num convívio doentio das violências urbanas com as guerras localizadas, das injustiças sociais com as agressões à natureza, da corrupção política com a decadência ética e moral nos órgãos de justiça, dos vícios com o tráfico. E concluiu, afirmando que o responsável por tudo isto é o ser humano, ou o que dá no mesmo, somos todos nós.
Será que foi este o mundo sonhado por nossos ancestrais, para deixar de herança para nós, seus filhos, netos e bisnetos? Será que foi para isto que, eles e nós mesmos, nascemos? Pensem com calma e respondam para si mesmos.
Se não era este o ideal sonhado, então, o trem da história descarrilou e saiu dos trilhos. E, o pior é que está atropelando a todos nós que, na estação, aguardávamos a hora de embarcar com um sentimento de esperança de chegar sãos e salvos à nossa sonhada estação de destino.
O que fazer para que a escola se torne um destino sonhado pelos jovens, que integrados aos seus mestres, possam realizar seus sonhos de aquisição do saber? Como ensinar aos jovens o que seja justo e correto, se o mundo insiste em maus exemplos? Como pretender estimular a disciplina, se são os pais, os professores e os governantes, os maus exemplos de desrespeito às leis e à ordem?
Mestres e alunos são peças que compõem esse emaranhado decadente de uma humanidade perdida em seus próprios erros. Não serão fórmulas velhas que resolverão os velhos problemas. A humanidade repete sistematicamente as mesmas ações, tentando encontrar soluções para problemas antigos, que exigem novas atitudes, mais consistentes e criativas.
Ninguém se pergunta o que posso fazer para mudar esse estado caótico que promove tantas e tamanhas injustiças. O que eu posso oferecer ao meu filho, para dar-lhe esperança de um mundo melhor? Que exemplo eu posso dar? O que as escolas podem oferecer de mais interessante para prender a atenção dos alunos? O que o Estado pode oferecer para estimular a qualidade do ensino, com mais qualificação no modo de transmitir conhecimentos, sem tanta preocupação em erguer obras físicas?
Que tal pensarmos menos no dinheiro e bem mais no material humano disponível, para passar e receber ensinamentos! O dinheiro é indispensável, sim, mas, se desperdiçarmos menos em futilidades e mais no professor, os alunos, certamente, agradecerão, e a nação se beneficiará como um todo.
Pensem comigo, pediu o semeador. Se estivéssemos tratando a escola como uma empresa, com o que nos preocuparíamos? Na certa, questionaríamos, durante as reuniões da diretoria: “qual é o atrativo do produto ensino que devemos usar para atrair os alunos?” “qual é o estímulo profissional para atrair os melhores professores para a nossa empresa?” “o que usar como propaganda para levar as famílias a consumir o produto escola através dos filhos?” “o que fazer para motivar os alunos a frequentarem a escola, em vez de ficar em casa ou na rua?”
Se pudéssemos resumir tudo numa questão única que envolvesse Estado e Escola, perguntaríamos: “O que se pode oferecer, além de ameaças, castigos e reprovações, para motivar os jovens a querer aprender mais e a frequentar escolas, que lhes proporcionem ambientes agradáveis, companheiros felizes e mestres sábios e dedicados?”

CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Gibran se calou por um instante e correu os olhos pela plateia. E, reiniciando a sua fala e alteando, novamente, a voz, conclamou os ouvintes a adotar novas posturas. Ele se dirigia a pessoas simples como se estivesse discursando numa assembleia da ONU ou para membros de uma Academia de Letras.
As pessoas ouviam-no atentas e entendiam muito bem o que ele estava procurando explicar. Elas eram ingênuas e pouco alfabetizadas, mas não eram burras. Elas aplaudiam-no, e mantinham a atenção fixa nele, para não perder a concentração na mensagem.
Ele dizia que estava na hora de repensarmos os caminhos da educação, e não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Era preciso buscar um novo modelo que transformasse o ato de aprender e ensinar numa ação prazerosa, em que frequentar a escola fosse um sonhado prêmio para qualquer criança.
Hoje em dia, a porta da escola é um ponto de venda de drogas. Nos corredores das escolas as drogas circulam, conduzidas por consumidores e jovens representantes do tráfico. Professores usam drogas, pais de alunos usam drogas, autoridades usam drogas. Será que é o traficante o grande vilão?
As escolas precisam tornar-se templos de sabedoria e exemplos de ética e moral. E foram transformadas em centros de consumo e vícios. O que se pode esperar do ensino praticado em locais que têm muito pouco de bons exemplos a oferecer?
Muitos devem estar horrorizados da minha coragem por fazer estas acusações dentro de uma escola. Alguém precisa falar a verdade, e que este alguém seja quem não esteja comprometido com as regras e padrões do ensino. Eu não sou nada além de um cidadão comum, igual a qualquer um que esteja sentado na plateia. Não sou governante e nem pertenço a partidos políticos. Assim, não sou situação e nem oposição.
O que estou afirmando está estampado nas páginas dos jornais e nos noticiários da TV. Não adianta tentar encobrir a realidade, imaginando que as notícias não se referem à nossa cidade, ao nosso bairro ou à nossa escola. O mundo não está mais dividido em longe ou perto, todos estão juntos, nós somos aqueles “eles” que, antes tomavam as culpas. Agora, ou solucionamos os problemas juntos ou seremos destruídos.
Os governantes estavam encolhidos nas cadeiras, torcendo para que aquele pesadelo acabasse logo. Eles colocavam as carapuças lançadas no ar por Gibran. A ingenuidade dos pais de alunos livravam-nos de assumir culpas. A empáfia dos professores impedia que percebessem a parcela de culpa que lhes cabia.
Quando os diretores e secretários pensavam que poderiam sair ilesos das acusações, Gibran afirmou em alto e bom tom que a escola ensina verdades ultrapassadas, ao passar para seus alunos definições e afirmações que já não mais são aceitas nos meios científicos. As pesquisas, segundo ele, avançam na velocidade da luz, enquanto os livros didáticos andam a passo de burro.
Aproveitando esta deixa, ele acusou as escolas de passarem para os estudantes conceitos e teorias que não dão certo, como se pode comprovar pelo fracasso das sociedades mundiais, em constantes guerras e às voltas com miséria, violência urbana e decadência moral.
As universidades formam de um modo geral doutores despreparados para o exercício de suas funções. A cada ano, são colocados no mercado de trabalho milhares de doutores, ineptos e despreparados, a maioria deles, candidatos à condição de desempregados.
As escolas precisam se tornar templos de saber, como as grandes escolas filosóficas da Grécia Antiga, que levavam os aprendizes a refletir e buscar respostas, a partir de meditações e intuições. Os mestres espirituais ensinavam seus discípulos, obrigando-os a encontrar respostas por si, e não repetindo ensinamentos que lhes fossem passados.
No mundo moderno, as lições repassadas à juventude são quase sempre viciadas e direcionadas para os interesses das elites dominantes. Os livros são impregnados de falsas doutrinas, que enfraquecem, em vez de fortalecer, as mentes. Mentiras são tratadas como verdades, e se um estudante mais afoito, discordar ou questionar o ensinamento, é chamado a atenção e ameaçado por um professor doutrinado pela política universitária.
A escola precisa voltar a ser um templo de sabedoria, um laboratório de pesquisa para a juventude, onde se vai buscar a verdade, e não um conhecimento viciado e empacotado para consumo rápido e sem discussão.
Está na hora de trocar a punição da reprovação pela satisfação da conquista do conhecimento. Chega de pressão para impor o estudo do que não desperta no jovem nenhum interesse. Vamos trocar a pressão para passar de ano e ser aprovado numa faculdade, pelo prazer de consumir conhecimentos de fato prazerosos e que sejam úteis para a vida.
Chega de querer impor verdades inquestionáveis, indiscutíveis, imutáveis. As certezas de ontem são as dúvidas de hoje, e as mentiras de amanhã. Elas não eram mentiras engendradas para enganar, mas, simplesmente, falsas verdades, superadas pelas novas revelações surgidas com a evolução humana. Elas perderam consistência com o passar do tempo e cederam espaço para novos conceitos, que, mais tarde, cederão lugar a outros princípios mais adequados e mais abrangentes que melhor respondam aos novos conhecimentos conquistados pela expansão da mente humana.
Todos merecem oportunidades de manifestar seus pensamentos, e não somente cientistas e especialistas. Segundo Albert Einstein, não era nos momentos de maior estudo que lhe surgiam as soluções para seus complexos problemas e infinitas dúvidas, mas nos instantes em que relaxava e buscava na meditação um contato direto com os mundos ocultos, onde a verdade estava escondida.
As escolas desconhecem, de um modo geral, esse modo de acessar a verdade, e insistem em repassar para os alunos as velhas e superadas fórmulas, arcaicas e decadentes. E querem que os alunos prestem atenção nas aulas! O padrão está superado, é hora de refazer o modelo.

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