Meus prezados leitores:
Valho-me do artigo do Professor da Universidade Federal de Pernambuco Heitor Scalambrini Costa, para fazer uma nova análise da crise hídrica que estamos enfrentando. Os meios de comunicação enfatizam, por razões políticas e econômicas, os problemas que estão enfrentando os moradores do Rio e de São Paulo, mas a verdade é que o Nordeste vem enfrentando crises semelhantes há décadas.
Segundo o Professor Heitor, o Brasil detém, sozinho, 16% do total das reservas de água doce do
planeta, possuindo em seu território o maior rio e o segundo maior aquífero
subterrâneo do mundo, além de apresentar índices recordes de chuva.
Mesmo assim suas maiores cidades sofrem racionamento, pois o Brasil não
usa nem 1% do seu potencial de água doce.
Segundo ele, a razão da atual crise e das anteriores que vem enfrentando a Região Nordeste é uma só: o mau gerenciamento dos recursos hídricos pelo
poder público – em todas as esferas de atuação. Não há proteção das
nascentes, que sofrem com o desmatamento, e nem dos reservatórios
naturais. Os rios estão degradados; os índices de perda de água nas
empresas são assustadores; há um desperdício muito grande por parte da
população, e na agricultura, onde ocorre mais de 70% do consumo, ainda
se utiliza tecnologias do século passado – tudo contribui para o
desperdício de água e o consumo excessivo de energia.
Ele considera que a comercialização da água tem provocado situações surrealistas. As
empresas de água vão muito bem do ponto de vista financeiro, todavia a
população acaba sofrendo as consequências de políticas voltadas a
satisfazer os interesses dos acionistas (geralmente minoritários nas
companhias), ávidos por dividendos crescentes.
Ele apresenta dados relativos ao seu Estado de Pernambuco, onde a gestão é da Compesa, que pertence 80% ao Estado e 20% a acionistas. Esses dados que seguem abaixo não hão de ficar muito distantes dos que dizem respeito a outros Estados brasileiros.
Um
exemplo da má gestão diz respeito ao índice de perdas. Enquanto a média
nacional de desperdício de água tratada, devido às perdas por
vazamento, é de 35% (muito superior à média de países europeus e o
Japão, que é inferior a 5%), em Recife as perdas chegam a mais de 50%.
Com
a justificativa de aumentar a base de investimentos e de permitir
maiores investimentos, as tentativas de privatização pelos governos
estaduais já ocorreram. Foram rechaçadas pela população depois do
exemplo desastroso ocorrido após a privatização da Companhia Energética
de Pernambuco, a Celpe, em 2000.
Em 2015, mais uma vez os problemas de fornecimento de água em Pernambuco
se tornam críticos, como se já não fossem. A chamada crise hídrica
atinge em cheio a capital pernambucana e sua região metropolitana, sem
obviamente levar em conta o problema crônico dos municípios
do agreste e do sertão. Diante de reservatórios com pouca armazenagem de
água, o governo estadual finalmente acorda para o problema.
A
primeira atitude dos gestores, diante da própria incompetência, foi
culpar São Pedro pela escassez das chuvas. Nada diferente do que aconteceu com os gestores do Rio e de São Paulo. Como o Santo não pode se
defender, fica fácil esta transferência de responsabilidade. A segunda
atitude, para mostrar serviço, foi apontar soluções imediatistas, como a
construção de novas barragens e a transposição de águas, demonstrando
sua incapacidade no planejamento de ações preventivas e mesmo
corretivas, que com certeza minimizariam em muito os sacrifícios
impostos à população. Qualquer semelhança com o que vem acontecendo no Sudeste não é mera coincidência.
No
caso especifico da região metropolitana do Recife, o único reservatório
no Litoral Norte que alimenta a Região Metropolitana do Recife é a
barragem de Botafogo, que atualmente conta com menos de 15% de sua
capacidade. Mesmo sendo uma área de proteção ambiental, protegida por
lei, o entorno da barragem vem sendo desmatado há anos, com a
cumplicidade dos órgãos públicos. Agora se verifica que, mesmo para
precipitações consideradas normais na região, o nível de água do
reservatório já não se recupera como antes. Será que isso lembra o que está acontecendo na região metropolitana de São Paulo, com a Cantareira?
De acordo com o Professor Heitor, uma
das medidas a médio prazo, das mais sensatas neste caso, seria o
reflorestamento e a proteção do entorno da barragem e das nascentes que
alimentam o sistema Botafogo. Ao invés disso, são propostos outros projetos visando resultados econômicos imediatistas, como ocorre no Brasil e no mundo, quando interesses econômicos dos grandes industriais atropelam projetos destinados a reduzir as agruras da população sofrida.
A minha intenção foi mostrar aos meus leitores que, o que parece ser uma crise monstruosa que se abate sobre o Brasil, não passa da contaminação de uma doença que vem sendo enfrentada pelo povo nordestino há décadas. A doença quando atinge as classes abastadas se torna, então, uma crise de grandes dimensões.
O descaso pelo Nordeste é parte da história do nosso país, pois vem de longa data. A seca é um dos ícones da região nordestina do Brasil. A miséria e a pobreza dos retirantes do Nordeste em fuga para os grandes centros sempre foi festejada pela indústria da construção como a possibilidade de obter mão-de-obra barata. Nunca houve interesse de solucionar o problema, e a criação de uma empresa com este objetivo daria com os burros n´água, se o precioso líquido se fizesse presente por lá.
A grita geral é porque o que parecia ser uma doença crônica de um povo atrasado e ignorante, que muitos acreditam que não tem nada a ver com os progressistas paulistas e cariocas, tornou-se uma epidemia que pode matar de sede a muita gente fina e rica.
A separatividade do Nordeste com o Sudeste atingiu o seu clímax com a última eleição em que a população mais pobre negou votos ao candidato da classe mais rica, o que provocou furiosas acusações e ofensas. Nada que pudesse ser novidade, mas que estava recalcada no peito dos mais ricos que se consideravam a salvo da seca nordestina, que era coisa de um povo lerdo e ignorante, incapaz de tornar férteis as terras do agreste.
E agora, o que dizer com a chuva inundando as ruas da capital paulista, e os reservatórios recebendo pingos desses temporais, como conta-gotas de um remédio amargo que a presunçosa classe social do Sudeste está sendo obrigada a experimentar?
O que a maioria parece desconhecer é que somos todos brasileiros do Norte ao Sul, e que não existe prosperidade se uns insistirem em explorar os outros, alegando motivos sociais e econômicos, que só tenderão a agravar ainda mais a situação.
Ou a água volta a se tornar um bem comum à humanidade, ao alcance de todos, ou morreremos de sede, com muito dinheiro no bolso. O dinheiro pode comprar muita coisa, mas nunca matar a sede. E uma outra coisa que parecia difícil de aceitar é que, o voto do pobre vale tanto quanto o do rico, e que, muitas vezes, o ignorante que vota mal não é o pobre. Ele sabe o que ainda pode lhe proporcionar alguma esperança.
Como nos revela o Professor Heitor, água não falta, o que falta é competência pra fazer a gestão correta dos recursos hídricos. É claro que faltam outras coisas mais, mas vamos no concentrar apenas na água. Afinal, aqui nós tecemos a Teia Ambiental, a outra teia, mais criminosa e vergonhosa, fica por conta da Polícia Federal, MP e STF. Mas, nós, povo, somos os gestores da ética e da moralidade em nossa nação, e não devemos ser incompetentes nessa gestão. E nem podemos nos deixar enganar pela imprensa comprada, ou vendida, como preferirem, e que faz o jogo do poder internacional.
Como disse um nordestino: "Crise, que crise! Há décadas que falta água para o povo nordestino".
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