CAPÍTULO NOVE
O povo perguntava como seria o progresso anunciado pelo casal?
Como definir esse progresso, diante de tantas carências presentes
nos tempos de hoje? O progresso seria o fator saciador da fome do
povo? Ou o doador das terras, das casas e dos empregos?
A sociedade deveria progredir para possuir ou conquistar para
progredir? O progresso vem primeiro e só depois as conquistas
sociais? É assim mesmo? Então, voltemos à pergunta inicial do
povo, e tentemos entender o progresso? Se formos capazes de
entendê-lo, poderemos vislumbrar as conquistas sociais. Caso
contrário, passaremos a vida procurando o caminho para as sonhadas
igualdades sociais, sem jamais encontrá-lo.
De onde vem o progresso? O que será preciso para atraí-lo? As
pessoas ficam seguindo as notícias, como mariposas em volta da luz.
Elas sabem que existe, mas não conseguem alcançar o que procuram,
sem sucumbir antes de usufruir o seu conteúdo.
Aos poucos, a meta ambicionada vai sendo atingida, sem que se
perceba que ela é o ideal sonhado. O processo é longo e dinâmico.
A meta se transforma, à medida que dela nos aproximamos. Nós
queremos sempre mais e mais, e quando alcançamos o que almejávamos,
já não é mais aquilo que estamos querendo.
No meio do processo, surgem as interferências comerciais. Novas
projeções são criadas para satisfazer interesses, mas são
maquiadas como novos sonhos de progresso. Terras para todos que não
têm. Casa própria para quem mora de aluguel. Emprego para todos,
com altos salários. Escola de alta qualidade, saúde de verdade,
tudo sem custo, e sem aumento de impostos.
Poderíamos ir desfilando a infinidade de sonhos que são
colocados na cabeça do povo. Promessas e mentiras que custam caro,
pois são promovidas pelos meios de comunicação que cobram muito
dinheiro por elas. Quem paga? Os interessados em enganar o povo e se
beneficiar da ingenuidade e ignorância das pessoas.
Os sonhos são vendidos sem custo, como se fosse possível
adquirir direitos sem deveres. O discurso é sempre o mesmo, que o
pobre já foi muito sacrificado, e não pode continuar pagando a
conta. Só não é dito quem vai pagar.
O mais rico não abre mão de manter o mais pobre sob o seu
domínio. O pobre sonha, um dia, reverter esta situação, assumindo
o lugar do mais rico, e dominando os outros. E assim caminha a
humanidade, sem sair da zona de conflito.
Os nossos semeadores ficavam horrorizados quando ouviam as
promessas dos políticos de um progresso que traria fartura e riqueza
para todos. Quem, como, quando, onde? As perguntas não se podiam
calar. As respostas não eram ouvidas. Promessas, só promessas.
O povo cobrava casas populares, os semeadores defendiam o direito
de cada qual poder construir a sua própria casa, com recursos
próprios obtidos com o seu trabalho. Ninguém conseguia entendê-los,
quando diziam que não se deve receber nada de graça. Eles tentavam
explicar que tudo tem um preço, e quando não se declara claramente
o preço do que se recebe, a cobrança virá de uma forma ilícita,
ou o preço será muito maior do que se possa imaginar.
Gibran se exaltava quando defendia suas ideias contra as casas
populares. Ele as considerava estigmas sociais, que discriminavam os
seus moradores e, não raro, privilegiavam uma meia dúzia de
apaniguados.
Da mesma forma, ele esbravejava contra a distribuição de terras,
sempre privilegiando os infratores e os mais agressivos, que usavam
de todos os artifícios violentos para invadir propriedades, armados
e dispostos a atacar quem se pusesse à sua frente. Os mais mansos e
pacatos, mesmo que mais necessitados, eram esquecidos e deixados na
miséria. Esses não davam notícia e não promoviam palanques para
os aproveitadores, sempre em busca de voto.
Gibran defendia reformar casas já existentes, no lugar de
construir aglomerados de casinhas padronizadas, batizadas de
populares. Ele entendia que o pobre que já tem a sua casa construída
em terreno de sua propriedade, só precisa de um financiamento a
juros baixos e de longo prazo, para ter a casa do seu jeito, uma casa
com a cara do dono.
Por que desmatar uma área, quase sempre em encosta de morro, o
que ainda é mais grave, para construir um ajuntamento de casas,
coladas uma na outra? Que situação deprimente, dizia ele, ser
discriminado socialmente como morador de casa popular!
Os custos das reformas seriam muito inferiores aos gastos com
criação de loteamentos e de infraestruturas caras, como acontece
com as casas populares. Os benefícios sociais seriam
incomparavelmente maiores, por não ser necessário remover famílias
para lugares distantes de seus amigos e parentes. Sem contar o fato
de que não haveria a discriminação de pobreza vitalícia, por
residir em conjuntos construídos para pobres.
Helga interferia alegando que o povo devia pedir trabalho, e não
emprego. Mas, esse discurso não agradava muito, pois a maioria não
quer trabalho, mas ganhar dinheiro. Emprego público é melhor ainda,
pois ninguém manda em ninguém.
Helga lembrava aos que pediam mais indústrias, que empregos
nessas grandes empresas são caminhos de mão dupla – festa na
inauguração da fábrica, demissão em massa, na primeira crise. O
povo não estava nem aí para as crises, só pensava em aproveitar as
vagas iniciais. Dali em diante, era ver para crer.
Gibran voltava a insistir no papel do governante, que, como ele
costumava dizer, é eleito para administrar recursos que permitam aos
governados progredir com suas vocações e talentos. A distorção
veio com os vícios administrativos, em que os candidatos prometem
empresas e parques industriais, como geradores de empregos.
O que ninguém diz é que as indústrias modernas estão
contratando cada vez menos operários, pois, são as máquinas e os
computadores que se encarregam de quase tudo. No futuro, as grandes
indústrias serão as que contratarão menos empregados, produzindo e
faturando mais, e desempregando os iludidos que defenderam e
aplaudiram suas chegadas às suas cidades.
O trabalho de fábrica, quando exige mão de obra humana, é quase
sempre repetitivo, sendo poucos os operários mais qualificados. Quem
trabalha para si é o dono de sua vida, é livre para criar. O
empregado é submisso às ordens do patrão, e está sempre sujeito a
demissões.
Ninguém pode negar a importância dos patrões para seus
empregados, assim como deles para seus patrões. Quantos reconhecem
essa dependência? Na verdade, são poucos, muito poucos, os patrões
que se dão conta de que devem promover uma harmônica relação
entre patrão e empregado. Em sua maioria, eles são ambiciosos e
egoístas, e quanto maior a empresa, mais se confirma essa afirmação.
Os empregados, também ambiciosos, e só pensando em si, não são
dedicados e fiéis às suas empresas.
O sindicato de empregados alimenta as insatisfações e põe lenha
na fogueira, ou nas caldeiras. Os sindicatos patronais subvertem o
sistema, omitindo informações, invertendo números e pondo a
sociedade sob a permanente ameaça de crises e demissões. Os
governos, comprometidos política e economicamente com as elites do
poder acabam submetendo-se a elas, permitindo os constantes ciclos
caóticos da humanidade.
CAPÍTULO DEZ
Gibran e Helga não se conformavam com tanta politicagem e
comprometimentos, reconhecidos por políticos locais como tramoias.
Eles se lastimavam e acusavam os governantes de serem responsáveis
pelo que de pior estava acontecendo ao planeta e à humanidade. Eles
sabiam que não era justo acusar somente os que governam, e deixar de
fora os governados. No fundo, era tudo farinha do mesmo saco.
Sem vontade própria, manipulado pelas elites e enganado pelos
meios de comunicação, o trabalhador é massa de manobra dos
governantes e de seus financiadores políticos, das associações da
classe empresarial e dos seus próprios sindicatos.
Partidos políticos iludem os trabalhadores e convencem-nos que
são melhores que os outros. Todos são hipócritas, e são
desmascarados assim que assumem o poder. Antes, durante a campanha,
sobram as promessas, depois de eleitos, falta tudo e não há verba
para cumprir o prometido. Mentiras, só mentiras!
O povo desperdiça, e falta o essencial. Devasta o local onde
ergue sua casa, e a condição ambiental vai de mal a pior. O lixo é
jogado nas ruas, e reclama-se da prefeitura. Concentra-se nos grandes
centros, e protesta-se contra a qualidade de vida nas cidades.
Os governantes fazem vistas grossas às atitudes desleixadas do
seu povo, e assim garantem a reeleição. Não se controlam as
migrações, porque se perde voto. Não se planeja o desenvolvimento
urbano das cidades, pois se perde os currais eleitorais.
Os nossos semeadores visitavam a prefeitura, e tentavam convencer
os administradores a pôr ordem na casa. Não tinham verba, ou não
tinham caráter, não havia diferença. Eles voltavam para casa, e
mais uma vez indignados, armavam seus argumentos para o dia seguinte.
Pobres semeadores, lutando contra solos estéreis. Tristes
sementes, sofrendo o ataque de destrutivas pragas. Pobres solos e
pobres pragas, dificultando e predando sua própria razão de ser.
Povo alienado e governantes atarantados, todos correndo em busca do
progresso, enquanto vão destruindo o que seus antepassados deixaram
pronto.
O nosso casal não esmorece, e repete, dia a dia, o seu discurso
por esses caminhos hostis. Nessas caminhadas, as hostilidades são
respondidas com compreensão e as resistências com gentil paciência.
Helga, às vezes, se irrita e perde a calma, se o tema é lixo e
devastação das matas. Gibran perde o bom humor com a manipulação
dos pobres inocentes iludidos por eternas promessas.
Nada os abala de verdade, a ponto de fazê-los desistir. Eles
sentem que um dever assumido com a vida precisa ser respeitado.
Alguma coisa parece lembrá-los, a todo instante, que eles estão em
missão, compromisso assumido num passado distante, que eles não
sabem quando.
Quando pensam que ela desistiu, ela aparece tentando convencer as
pessoas a plantar e a cuidar de seus jardins. Revistas debaixo do
braço, argumentos na ponta da língua, ela folheia as seções de
casa e jardim. As pessoas balançam a cabeça concordando, sem saber
com o quê. Elas estão seduzidas pela matéria, e plantas, flores e
jardins não fazem parte do tesouro que perseguem em busca de
riquezas.
De casa em casa, de esquina em esquina, o casal semeador vai
lançando ao vento suas caprichosas sementes, que insistem em cair
entre os espinhos ou no meio das pedras. Os dois passam o dia
falando, e voltam para casa falando.
Tolos são os que acreditam que eles se cansarão de pregar no
deserto, e desistirão da missão. Quem pensa assim, não sabe do que
um semeador é capaz, quando traz nas costas o saco de sementes
sagradas, que frutificarão nos novos tempos.
Estávamos acompanhando Gilbran e Helga em um passado que nos parecia distante. De repente, em meio a uma viagem para o Rio de Janeiro, desaparecem sem deixar rastros, como que passando, de repente, de um plano material para um outro fora de nosso alcance visual.
ResponderExcluirAgora em Semeadores do Amanhã nós os vemos, de perto, palpáveis, vivendo conosco em um tempo de sobressaltos e incertezas.
Estão em pequena cidade do interior, morando em uma casa cercada pela vegetação. Têm um foco na luta pelo meio ambiente, defendendo os animais, a preservação da vegetação, descarte adequado do lixo e sobretudo o cuidado com as águas. A luta é árdua, pois o pressuposto é a necessidade de mudança de consciência e essa se faz de dentro para fora. Na verdade, essas crenças errôneas vêm de há muito tempo, arraigadas no entendimento da maioria da população, muitas vezes independentes da classe social. Se alguma coisa pode nos tornar diferentes, é nosso nível de consciência.
Nesses dias, assisti a uma entrevista de um filósofo, Franklin Leopoldo Silva, falando a respeito de Hanna Arendt e acho que ainda me encontro sob o impacto das informações que ouvi. Ela se achava pessimista em relação ao ser humano, tanto no sentido de priorizar os interesses pessoais em detrimento do coletivo, quanto pela fragilidade desse mesmo ser humano, que devidamente manipulado, é capaz de ser agente de maldades e crueldades. E os tempos atuais parecem ser exatamente estes.
Para quem se interessar o link é: https://www.youtube.com/watch?v=OCZCKiEb3-o.
Continuamos acompanhando de perto o trabalho desse casal, esperando que, as sementes lançadas alcance terrenos férteis e possam germinar ideias de um bem coletivo, em prol da humanidade.
Meu caro, Avelino:
ResponderExcluirTalvez, a mensagem que devemos absorver das duas obras é que o tempo não existe, e o que parecia distante, de repente, se faz presente em nossa vida atual.
As diferenças são pontuais, mas em essência, o que se pode notar é que tudo se repete, dando a sensação que, em épocas diferentes, o homem enfrenta os mesmos desafios, e não os supera.
A evolução humana é tão lenta, que se faz um tanto e quanto imperceptível, ainda que esta seja uma avaliação a nível espiritual.
Enquanto a tecnologia é progressiva, a ética e a moral se arrastam e pouco evoluem.
Quanto aos conceitos de Hanna Arendt são bons exemplos que, de tempos em tempos, surgem as atitudes a serem seguidas, mas que, de fato, são muito mais combatidas do que aceitas.
Poucos são aqueles que, se dando conta, dessas teses filosóficas, avançadas e dignas, seguem os seus nobres e elevados conceitos.
A maioria as despreza, preferindo as de baixo nível, que predominam num mundo de mentiras e interesses escusos.
Aguarde os próximos capítulos, pois, tem mais, muito mais.
Abraço.
Gilberto.
Obrigado por toda a informação, meus queridos!
ResponderExcluirO grande problema é que o avanço moral e filosófico não acompanha o avanço tecnológico e, por isso, temos tecnologias muito avançadas elaboradas num ponto de vista consciencial atrasado. E chama-se a isso progresso.
No entanto, penso que a verdadeira tecnologia é a tecnologia do coração, da consciência e da mente, alicerçadas em acção e em amorosidade. Ainda é preciso muito trabalho para conseguirmos dominar essa tecnologia, que actua no interior de nós mesmos.
Muitos abraços para todos!
Jorge
Eu é que agradeço, Jorge Vicente,por sua presença e por seus sábios comentários.
ResponderExcluirAbraço.
Gilberto.