CAPÍTULO SEIS
Em suas sacolas de sementes, nossos semeadores conduziam soluções
simples para velhos e intermináveis problemas. Eles diziam que os
dias de amanhã ressuscitariam a simplicidade. A tecnologia será
desmitificada, e o que se faz com muitos milhões, amanhã será
realizado com alguns míseros centavos. Os tecnocratas perderão seus
privilégios, e todos terão acesso às novas técnicas. A
humanidade, enfim, entenderá que máquinas são criadas para servir
o homem, e nunca para explorá-lo.
A semeadura, no entanto, ainda encontra resistências. O solo não
está fértil o bastante para as novas sementes. O nosso bravo casal
não esmorece e prossegue no seu trabalho de semear hoje os frutos do
amanhã.
Lá estão eles, preparando as mudas que serão usadas para
reflorestar uma pequena área devastada. Muitos cruzam os braços
diante da devastação criminosa das florestas. O nosso casal planta
as mudas, uma a uma, de forma incansável e entusiástica.
Para muitos, eles não passam de loucos, para nós, eles estão
fazendo a parte deles. Se parecem loucos, é porque são diferentes
da grande maioria. E, num mundo de tantas loucuras, são os nossos
loucos os mais lúcidos.
CAPÍTULO SETE
Enquanto muitos se preocupam com os rituais nos templos, o nosso
casal de semeadores celebra na natureza, o verdadeiro cerimonial
sagrado. Ama a tua Mãe-Terra e o teu Pai-Céu que te tornarás o
Filho-Filha amado e amante, o Cristo renascido e não reconhecido.
O tempo não para, e Gibran e Helga prosseguem em seu trabalho de
semeadura, recriando arquétipos e descerrando as cortinas do amanhã.
Eles mal se dão conta do que falam ou pensam deles, eles só
trabalham, como se sua obra estivesse atrasada e tivesse que ser
acelerada.
Nós, e só nós, que a tudo vemos, é que podemos reconhecer o
ritual celebrado, que vai atuar em elevados níveis da consciência
planetária.
CAPÍTULO OITO
Crises, as eternas e repetitivas crises vêm e vão. Antes era a
inflação, agora o consumo. Desempregos, antes, e admissão em
massa, depois. Compras se reduzem e, logo, os novos picos de consumo
aceleram as contratações. A bolsa sobe, e todos compram, a bolsa
desce, e todos vendem. Os mais espertos compram e vendem antes dos
demais, e ganham mais.
Há de existir crises, para alimentar a hipocondria social do
povo. O desemprego, a casa própria, os sem-terra à cata dela, os
sem-teto invadindo prédios inacabados ou interditados. Os gays
protestam, as mulheres são assediadas, os machos agridem, uns
apoiam, outros condenam.
Ideias são aceitas, nem é preciso ser muito criativo, basta
criar fantasmas. E depois de criados, soltá-los nas sombras da noite
escura de almas assustadas e desarmadas. A todo instante, se renovam
os boatos e as ameaças de alguma tragédia, que um boateiro retirou
do fundo da cartola. Povo assustado, boatos valorizados e poderosos
entesourados.
No meio disso tudo, lá estão os nossos semeadores, abastecendo o
povo com as armas da revolução do amanhã. Quem esperava por
metralhadoras, fuzis e canhões, se surpreende com as inocentes
bombinhas que são detonadas pelos nossos agitadores culturais.
Não esperem por indústrias para dar emprego ao povo, que vão se
cansar de tanto esperar. Casas populares são engodos políticos
para distrair o povo, que é atirado de um canto para outro, sem
poder escolher seu destino. As terras cobradas pelos sem-terra são
conquistadas, não por quem tem direito, mas pelos ativistas mais
violentos e agressivos. E, o enorme grupo de sem-justiça,
sem-cultura, sem-palavra, sem-especialização, como ficam eles? Não
ficam.
Seria sensato induzi-los a invadir e ocupar os objetos do desejo
de cada um? Violência gerando violência, para contrabalançar com a
mentira gerando mentira. As perguntas se sucediam na boca dos nossos
semeadores, e ficavam sem respostas.
Eles mesmos respondiam as questões por eles propostas. O
desemprego é sinal dos novos tempos, com máquinas no lugar do
homem. Estamos no limiar da contra-Revolução Industrial, com
operários retornando aos campos e fábricas informatizando-se ou
fechando. A mão de obra humana sendo substituída pela mão de obra
informatizada.
O trabalho tomará o lugar do emprego. Carteira de trabalho
assinada se tornará pura demagogia política, de quem não está nem
aí para as consequências das onerações das micro e pequenas
empresas.
O homem deixará de ser o robô que se transformou com a Revolução
Industrial, voltando às suas habilidades artesanais, como
respeitável criador de obras. As mentes se tornarão mais criativas,
e menos suscetíveis a serem enganadas. Cada obra será assinada
identificando o artista criador. Máquinas continuarão produzindo
produtos sem alma, o homem criará obras com vida.
As chaminés não mais despejarão fumaça negra sobre as cidades.
O mundo terá de mudar por bem ou por mal. Se não for
espontaneamente, será por doenças e desgraças. A poluição será
erradicada, ou populações serão exterminadas.
O futuro não admitirá poluição de espécie alguma, nem do ar,
nem do rio e nem do mar. Computadores se ocuparão da purificação
da vida na Terra. Cada família encontrará meios decentes de
sobrevivência, sem depender de esmolas dos governos.
O empregado submisso a horários, marcando o ponto sob a
vigilância prepotente dos patrões, desaparecerá, dando lugar a
seres independentes e donos dos seus próprios negócios. Os negócios
de família voltarão a florescer e se tornarão microempresas
rentáveis e autossustentáveis.
Gibran se entusiasmava, ao falar dos campos novamente ocupados,
não por lavradores pobres e desnutridos, mas, por famílias de
classe média que, desiludidas com as grandes cidades, retornarão
para as terras, de onde seus ancestrais saíram cheios de esperanças
e ilusões. Os conquistadores das terras não mais serão os
violentos, mas os competentes.
As terras passarão a ser tratadas com amor e respeito, não mais
invadidas por serras elétricas desmatando florestas, nem por
máquinas agredindo o solo sagrado. As áreas plantadas respeitarão
as matas nativas, como o homem branco deveria ter feito com as terras
indígenas. A sabedoria triunfará sobre a riqueza. Com o triunfo dos
sábios, a justiça redistribuirá os tesouros da Terra.
Este era o teor do discurso do nosso casal de semeadores, semeando
as boas sementes e confundindo os ouvintes. Ninguém conseguia
entender como as sementes frutificariam no amanhã. Não condenamos
os ignorantes, afinal de contas, as sementes não eram deste planeta.
Elas vieram de muito longe através dos tempos, para serem semeadas
no mundo de hoje e darem frutos no de amanhã.
Como cobrar entendimento dos pobres coitados que não entendiam
nada, se os frutos talvez só venham a nascer daqui a décadas,
séculos ou milênios? Ah, o tempo, como é difícil falar do tempo!
A plateia ouvia os semeadores, e pensava como seria possível
viver sem a terra, sem casa, sem emprego. Afinal, a maioria era
formada de quem é sem quase tudo. Pobre humanidade, quanto
sofrimento diante das falsas formas, em desprezo das verdadeiras
essências!
Gibran dá a mão a Helga, pede licença e, os dois se retiram
calados, e se recolhem a seu templo. Ali, a vida flui sem ouro e nem
hora. O tempo não influi e nem contribui. Lá não existe nem patrão
e nem padrão.
No mundo dos semeadores, tudo se restaura e tudo se reconstrói, e
nada se perde. As sementes das antigas civilizações dos deuses são
resgatadas na linha do tempo e servem como as boas sementes para os
tempos futuros.
Querido Mestre,
ResponderExcluirHá anos eu vi uma reportagem sobre os sem-terra que me marcou muito: contava a história de uma família que tinha o desejo de ter um pequeno torrão de terra e começar a plantar, a trabalhar, a fazer frutificar os seus frutos. Juntaram-se ao movimento com desespero e, no momento em que conseguiram um pequeno torrão de terra abandonado e sem recurso à violência, abandonaram o movimento. Começaram, então, o plantio. Claro que o movimento os tentou levar para lutas de maior confrontação, mas eles preferiram a calma tranquilidade desse plantio. Não seremos nós convidados a essa simplicade e a esse pequeno plantio que, depois, será enorme?
Grande abraço!
Jorge
Meu amigo, Jorge Vicente:
ResponderExcluirEsta questão é muito complexa por envolver os grandes latifúndios e a agricultura familiar.
Os latifundiários invadem e ocupam terras, e legalizam seus direitos, sem problemas.
Já os sem-terra, quando ocupam uma área, são expulsos por tropas armadas, como invasores.
Atualmente, os conflitos são em menor escala, por algumas medidas, adotadas pelo Governo PT.
Grupos de ex-sem-terra já plantam e produzem alimentos orgânicos, conquistando altíssimos conceitos no mercado produtor.
É claro que ninguém pode apoiar invasões de terra, mas, a questão é que as terras haviam sido apropriadas a partir de invasões.
Muitas dessas terras eram de índios, outras de antigos proprietários pobres e sem recursos, e uma grande extensão delas, era do Estado, e foi invadida pelos poderosos donos das grandes agroindústrias.
Desta forma, fica difícil, saber quem é dono do que. E é com esta alegação que os sem-terra justificam o seu direito de retomar terras que eram do Governo, e que foram tomadas sem a comprovação de propriedade.
A famosa e tão emperrada Reforma Agrária não sai da teoria, por influência dos ricos que controlam os Órgãos fiscalizadores e incitam as autoridades a expulsar os sem-terra.
Os dois lados cometem exageros, e quem sai perdendo, como sempre, é o lado mais fraco, que é acusado de invasor, enquanto o mais rico se arvora no direito de contratar pistoleiros para expulsar os sem-terra.
O brasileiro se ilude , julgando que não há mais escravos no Brasil, mas as decisões são ainda tomadas como se de um lado estivessem os Senhores da Casa Grande e do outro os negros da senzala.
O capital ainda é que manda, e enquanto isto a Justiça Social está esperando a sua vez.
Abraço.
Gilberto.
Sim, é verdade e por conta disso, recursos que poderiam ser usados para o benefício de todos são descartados. Muitos membros do MST têm tido formação em agroecologia, permacultura e têm desenvolvido esforços para que esses caminhos sejam possíveis e sejam difundidos por todos. No meu sentir, uma autêntica reforma agrária terá que ter em conta essas aprendizagens: agricultora orgânica, permacultura, partilha de sementes, educação para a sustentabilidade. É um caminho que devemos fazer juntos.
ResponderExcluirMuitos abraços!
Jorge