sexta-feira, 17 de agosto de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 8, 9 e 10

 
CAPÍTULO OITO
Gibran passou a semana seguinte mergulhado em estudos e pesquisas. Estudou o manuseio do pêndulo e se comprometeu a só usá-lo quando exercesse domínio completo sobre o processo de perguntas e respostas.
Ele passava as tardes escrevendo cartas ao mestre. Cartas que não obtinham respostas. Ele permanecia parado com a pena sobre o papel, aguardando um contacto com o mestre. Nada aconteceu, nos três primeiros dias, porém, no quarto dia, ele sentiu um estranho incômodo, uma espécie de vibração nos dedos da mão.
A mente de Gibran foi se expandindo, e passando a acumular fortes energias. Ele sentiu ímpeto de escrever, mas não sabia o que. De repente, ele percebeu que se começasse a escrever as primeiras palavras, uma energia mais forte completaria o texto. Assim ele fez, e começou escrevendo como se o mestre estivesse do lado dele.
Ao começar a redigir o segundo parágrafo, Gibran se sentiu tomado de uma força mental muito intensa, e começou a escrever, sem ter noção até onde poderia chegar. As palavras foram chegando, e ele as transferia para o papel. Perguntas que haviam sido feitas há dias apareciam respondidas.
Ele escrevia, sem ter a sensação exata do que estava redigindo. Duas folhas e meia foram preenchidas, e depois de um longo suspiro, ele interrompeu a redação.
O texto era uma resposta às suas cartas ao Mestre, e ganhara uma assinatura identificando o remetente. Lá estava a assinatura de Saint Germain. Gibran arrepiou-se, ao perceber que o Mestre assinara a carta.
A leitura do conteúdo era ainda mais arrepiante, pois discorria sobre situações desconhecidas para Gibran, que ganharam forma através dos seus dedos enquanto manipulavam a pena.
Gibran leu a resposta do Mestre por diversas vezes, e ficou refletindo como era possível ele ter escrito tudo aquilo, desconhecendo o sentido da explicação. Ele entendia as respostas, mas desconhecia como se chegar a elas.
Gibran lembrou-se do pêndulo, e acreditou que era a hora de consultá-lo. Concentrado no Mestre Saint Germain, ele fez sucessivas perguntas ao pêndulo, e para todas obteve respostas. O Mestre esclareceu suas dúvidas, e fez revelações que o deixaram emocionado.
Havia fortes ligações entre eles, que foram confirmadas por imagens projetadas na tela mental de Gibran. Ele teve percepções de encontros com o mestre em locais e épocas diferentes. O pêndulo girava intensamente, enquanto a visão mental de Gibran captava as imagens e assimilava as explicações.
Tudo aconteceu em fração de segundos, que pareceu uma eternidade. Gibran sentiu uma energia contagiante envolvendo-o num misto de admiração, amor e respeito. A energia cessou repentinamente, e ele como que despertou de um sonho.
Ele agradeceu mentalmente ao Mestre, e como num ritual curvou-se diante da mesa onde repousavam as folhas com as mensagens de Saint Germain. Sensibilizado pela celebração do encontro com o Mestre, ele ainda permaneceu sentado por um tempo até sentir um suave relaxamento em todo o corpo.
A esta altura, Helga se aproximou e se dirigiu a ele com um olhar curioso, como que adivinhando que algo misterioso tinha ocorrido. Ele a abraçou, e ainda sob o impacto da experiência, puxou-a para junto de si, e ficou agarrado com ela em silêncio.
Ela não conseguiu conter a ansiedade por muito tempo, e voltando-se para ele com o seu conhecido olhar curioso, abriu os braços e balançou a cabeça, convocando-o para apresentar o relatório da noite. A tarde já se fora havia hora e meia, e agora chegara o momento de resumir os acontecimentos do dia.
Helga não fazia ideia do que ia ouvir, e Gibran não sabia como começar. Depois das primeiras palavras, porém, difícil foi interromper a narrativa e impossível controlar as intermináveis perguntas e questionamentos de Helga. A noite foi mais uma daquelas que só termina quando a luz do dia se anuncia.


CAPÍTULO NOVE
Sucediam os meses, e com eles as cartas de Gibran para o Mestre Saint Germain, e deste para o discípulo. Gibran descrevia para o Mestre os seus sentimentos, o Mestre narrava suas vidas passadas, quando se encontraram por diversas ocasiões.
Numa das cartas, Gibran pediu ao Mestre que explicasse melhor a ligação entre os dois, e o que queria dizer a anulação dos karmas. Ele lera num livro que alguns seres encarnam com seus karmas suspensos, em razão de haver prestado serviço ao Mestre, numa das encarnações.
Ele sabia que pela numerologia e astrologia, seus mapas não continham karmas. Ele consultou o Mestre, e aguardou a resposta. Passaram-se minutos, quase uma hora, sem que percebesse qualquer presença do Mestre. De repente, sua mão começou a apresentar o formigamento que anunciava a mensagem do Mestre.
Caneta na mão, mente vazia, papel em branco, Gibran aguardou o sinal. Pousou a caneta sobre o papel, e as explicações foram surgindo. Como sempre, começava com uma saudação, e terminava com uma despedida afetuosa. Gibran começou a escrever:
Meu amado filho, ainda não me ocorrera te contar sobre as nossas ações noutras vidas. Acho que está na hora. As tuas curiosidades iniciais já parecem estar satisfeitas, agora precisas obter mais detalhes sobre nossos vínculos espirituais.
Como não poderia deixar de acontecer, eu me aproximei de ti, numa das minhas visitas ao plano físico. É sempre o Mestre que entra em contacto com o discípulo, ao percebê-lo preparado para assumir missões. E, foi esta a razão de cruzarmos nossos caminhos em 1400, na Inglaterra, pouco antes do assassinato do rei Ricardo II.
Tu havias reencarnado na Inglaterra, e eu lá estava em missão, tentando pacificar o reino. Tu me ajudaste a resolver certas pendências na corte, e tive facilitado o meu trabalho. Antes disso, em torno de 1200, nos havíamos encontrado na Índia, mas em corpos não físicos, na realização de compromissos iniciáticos, em atividades separadas.
O próximo encontro deu-se em França, na época da revolução francesa, quando ambos procuramos evitar a queda da monarquia e a violência nas ruas de Paris. A tua condição de médico do casal real facilitava o teu trânsito junto aos ministros, fazendo chegar ao conhecimento deles, vários planos que eu tinha em mente.
Trabalhamos juntos, na tentativa de alertar a rainha que o reino estava por um fio. Usei a ti e a Condessa d’Adhemar para fazer chegar minha mensagem a Maria Antonieta, que eu precisava conversar com o rei, e informá-lo da necessidade de tomar sérias medidas para preservar o império.
Como bem sabes a conversa não aconteceu, e a revolta popular foi inevitável. E, tu morreste pisoteado pela massa enfurecida que invadiu o castelo, enquanto pedias calma e tentavas evitar o derramamento de sangue.
Naquele momento, deu-se uma de tuas Iniciações, a mais grandiosa de todas. Oferecendo a tua vida pela Obra, mereceste ascender a uma posição superior na escala iniciática. E, eu incorporei-te ao meu Raio, e te fiz meu discípulo.
O nosso próximo encontro será aqui na Alemanha. Temos uma nova missão a cumprir, e eu te convocarei no tempo certo. Por enquanto, recomendo que continues os teus estudos. Se precisares de mim, basta chamar-me que atenderei.
Agora, terei de me ausentar. Outros deveres me aguardam.
Deixo-te a minha saudação e admiração.
Saint Germain.
E, assim, a conexão se desfez, e Gibran encerrou a escrita. Como sempre fazia, ele leu a mensagem, que nem sempre era inteiramente compreendida, quando a estava redigindo.
Lágrimas afloraram aos olhos de Gibran, ele não conteve a emoção de se sentir tão íntimo do seu Mestre. As revelações tornaram-no mais consciente do seu papel no mundo. Ele entendeu, enfim, o que estava fazendo em Stuttgart, numa região de bosques e montanhas, distante do centro urbano de Berlim. Era preciso paz e sossego para processar todas aquelas informações em sua mente.
Gibran sabia que ainda havia muitos mistérios a serem revelados. Ele sabia que o seu Mestre sempre responderia às suas mensagens, pois um Mestre jamais se afasta do seu discípulo.
Era hora de descansar. Ele precisava dormir cedo, para recuperar o desgaste com tantos estudos e pesquisas, e que havia culminado com aquela revelação, vinda do seu Mestre espiritual.
Ele, então, pensou em Joseph, o seu mestre físico, e imaginou como ele receberia o relato desta conversa com o Mestre. Gibran refletiu, e visualizou o semblante sorridente do mestre, olhando-o meio de lado, como se já soubesse de tudo que acontecera.
Joseph era um poço de mistérios, nunca se sabia se ele adivinhava os fatos ou lia os pensamentos dos que dele se aproximavam. A verdade é que a sensação era de que ele sempre sabia o que havia acontecido, mas fazia questão que os fatos lhe fossem relatados.
E, era isto mesmo que ele faria na manhã do dia seguinte. Joseph ia ouvir a mensagem e poderia complementá-la com maiores detalhes sobre suas vidas passadas. Nesta expectativa, ele foi até a sala, onde Helga cochilava na confortável cadeira de braços almofadados, tomou-a em seus abraços, e conduziu-a para o quarto.
Desta vez, ele não ficaria pela madrugada contando-lhe os misteriosos momentos que passara, recebendo a mensagem do Mestre Saint Germain. Ele deixaria o relato para a manhã seguinte, antes de sair para se encontrar com Joseph.
O sono encontrou-o no meio desses pensamentos. Dos sonhos nada se pode dizer, pois eles pertencem somente aos que sonham. E, nós ficaremos só imaginando-os, e olhe lá!
CAPÍTULO DEZ
Gibran mergulhou nos estudos e leituras sobre a revolução em França, o Conde de Saint Germain e a Sociedade Teosófica. Na Alemanha, a Sociedade era muito forte, e a grande médium Helena Petrovna Blavatsky, era conhecida pessoalmente dos membros da Loja de Berlim.
Gibran começou a fazer planos para visitar a sede da Loja em Berlim. A visita ao mestre Joseph foi sendo adiada, e a própria conversa com Helga sobre as mensagens recebidas de Saint Germain foram breves e superficiais. Todo o seu tempo era dedicado aos estudos e às conversas com o Mestre, através de cartas em que ele perguntava ou expressava a sua dúvida, e o Mestre lhe respondia.
Helga também não tinha muito tempo a perder, pois seus canteiros de ervas estavam sendo multiplicados, e tomando toda a terra em volta da casa. As ervas eram não somente consumidas em temperos e saborosos chás, mas, as de aromas mais suaves e envolventes serviam para a produção de perfumes, incensos e cremes para a pele.
As visitas ao mestre Joseph escassearam de vez, sendo trocadas pelas idas e vindas à biblioteca e à livraria no centro de Stuttgart. Nessas visitas, ele aproveitava para passar no correio, à espera de uma carta ou telegrama dos filhos. Numa dessas passagens pela caixa postal, encontrou uma carta da filha Karine, avisando que viria visitá-los daí a duas semanas.
Gibran chegou de volta eufórico, no bolso, a carta da filha, e nos braços novos livros, falando de teosofia e iniciação espiritual. Helga, como sempre o esperava na varanda, depois de ter cuidado das ervas e preparado o jantar.
Ele entregou-lhe a carta de Karine, e esperou que ela lesse as primeiras linhas, para se deliciar com a expressão de entusiasmo que adivinhava tomaria conta do semblante de Helga. E, bastaram alguns segundos, para que ela abrisse um belo sorriso, e pulasse no seu pescoço, comemorando a próxima chegada da filha.
Gibran deixou-a ler o restante da carta, e foi pousar os livros na sua mesa de trabalho. Uma pilha de outros livros recebeu os novos e compuseram duas colunas harmônicas, uma de cada lado da mesa. No centro, papel e caneta, em frente um belo cristal de ametista e à esquerda um rústico incensório construído artesanalmente por Helga, onde ele queimava os perfumes das ervas cultivadas nos canteiros do quintal.
Os preparativos para receber Karine ocuparam as duas semanas seguintes do casal, preparando o quarto de hóspede para a filha, com aquele bom gosto que só mesmo Helga era capaz de transformar numa decoração simples e perfeita.
O dia chegou, e lá foram os dois numa bela charrete que haviam adquirido de um vizinho, que se mudara para Berlim. Confortável e com detalhes de esmerado luxo, os dois se sentiram rei e rainha a caminho da coroação. Enquanto conduzia a égua Ligeira, que eles tratavam com o mesmo carinho que Helga dedicava às ervas e Gibran aos livros, conversavam sobre a beleza do campo e se deixavam acariciar pela brisa que atravessava a primavera e se aproximava do verão.
Estavam felizes, e se aproveitaram daquele raro momento de descanso e passeio, para rememorar os meses que haviam passado desde a mudança de Berlim para Stuttgart. Como sempre costumava acontecer, Helga falava com vibrante entusiasmo e Gibran a ouvia, encantado com sua capacidade de transformar um simples detalhe num nobre e requintado acontecimento.
Eles eram embalados pelo balanceio da charrete, que a cada curva atirava-os um para cima do outro, fazendo-os dar gargalhadas e se abraçar para se sentir mais firmes e seguros. O trem deveria chegar dentro de uns trinta minutos, e eles já estavam bem próximos do centro da cidade, quando Gibran começou a contar detalhes da sua troca de mensagens com o Mestre Saint Germain. Helga se calou e pôs-se a ouvi-lo com redobrada atenção.
A chegada à estação interrompeu o relato que havia deixado Helga fascinada, pois Gibran ainda não havia detalhado os fatos daquela maneira. Ela cobrou-lhe o fim da história, assim que voltassem para casa. E, quem sabe, Karine também teria interesse em participar daqueles diálogos escritos do pai com o Mestre. Afinal, ela estava chegando de uma longa viagem à Índia, terra dos cultos e das seitas místicas.
De mãos dadas, caminharam até um banco, e ali ficaram calados, na expectativa da chegada da filha. Eles não se viam há quase um ano, e a saudade era muito forte. O apito do trem despertou-os para a realidade, os sonhos se transformariam em fatos concretos, a filha seria abraçada e beijada, e Helga não garantia que controlaria o choro. E, de fato, não controlou. As lágrimas rolaram pelo rosto, mal ela avistou aquela moça bonita, com meio corpo fora da janela do vagão, acenando para eles.
Que dias, meus leitores! Que dias! Encantamento e magia. Histórias da Índia e das experiências místicas de Gibran. As comidas indianas e as ervas de Helga sugerindo misturas e receitas semelhantes às que Karine descrevia com entusiasmo. Vestidos coloridos e esvoaçantes para a mãe. Livros raros de estudos filosóficos para o pai.
Durante dez dias, Karine permaneceu com os pais, e foram todos eles envolvidos por aventuras na Índia e deslumbramentos com a vida nos campos de Stuttgart. Chegada a hora da partida, beijos, abraços e promessas tomaram conta dos últimos instantes daquela família feliz, cuja felicidade só não era completa pela ausência do filho Karl, que ainda permanecia com seus estudos de pintura em Paris.
Daquela mesma janela de trem, que emoldurou a jovem acenando na chegada, via-se um vulto distanciar-se e desaparecer numa curva mais adiante, e levando com ela saudades muitas saudades de seus pais. Os dois retornaram tristes pela mesma estrada que, dias atrás, parecia prometer felicidade eterna a quem cruzasse aqueles campos perfumados.
Aquela noite foi triste, e os dois aproveitaram para dormir mais cedo, abraçados como se compensassem um no outro, a ausência dos filhos. Mas, na manhã seguinte, novos sonhos ocupariam suas vidas, e eles transformariam cada sonho numa bela e inesquecível realidade.


2 comentários:

  1. Querido Mestre,

    Que história bonita! E que ambientes maravilhosos para onde o texto nos leva! Apesar de este texto nos apresentar a relação do Mestre com o seu Discípulo (St. Germain e Gibran), veio-me à memória as famosas cartas que A. P. Sinnett escreveu para o seu Mestre Koot Hoomi e Morya, e que foram tão importantes para o Movimento Teosófico.

    Aguardo ansiosamente pelos próximos capítulos e gostava de saber se Gibran irá encontrar-se com Blavatsky :)

    Muitos, muitos abraços!
    Jorge

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  2. Querido Mestre Gilberto, mais uma vez seu 3 me emocionando, como disse no comentário anterior, pessoalmente e volto a afirmar agora. A extrema delicadeza que é capaz de nos envolver, a tela mental ativa em cenas mágicas de tão belas, e tudo isso acompanhado dos mistérios que tanto me instigam.
    Já anseio por saber quais serão os próximos passos de Gibran e Helga...será que em algum ritual?

    Abraço afetuoso!
    Caroline.

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