sexta-feira, 28 de setembro de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 28, 29 E 30

CAPÍTULO VINTE E OITO
Gibran sentiu uma energia mais intensa e percebeu que a mensagem que estava chegando tratava de fatos mais próximos, tanto em tempo como espaço. As mensagens proféticas vinham tomando todo o seu tempo há cerca de um ano. Ele já se acostumara com o padrão de vibração daquelas energias que projetavam um mundo futuro.
Agora, não! Eis que ele percebia que a energia era mais intensa, como se a proximidade do tempo intensificasse o padrão vibratório. Mal começou a escrever as primeiras linhas, surgiu uma recomendação do Mestre para que entrasse em contacto com certa pessoa que revelaria o que seria a educação do futuro.
O nome lhe era desconhecido, o que não chegava a surpreender, pois, ele vivia quase que isolado do mundo. Durante os últimos anos, fosse pela guerra, fosse pelos hábitos, cada dia mais reservados e restritos a muito trabalho e poucos amigos, Gibran e Helga haviam se distanciado dos acontecimentos de pós-guerra.
Rudolf Steiner era um nome que nada lhe dizia de novo. E, fora este nome que surgiu na mensagem do Mestre, com a recomendação de que fosse procurado, no próximo dia 30 de março.
Gibran não sabia onde encontrar o senhor Steiner, e nem mesmo quem era e o que teria de aprender com ele. A consulta a um dos amigos mais chegados, e que sempre se mantinha atualizado com as notícias do mundo, trouxe ao seu conhecimento que se tratava de um educador revolucionário que havia fundado junto deles, ali mesmo em Stuttgart, uma escola diferenciada.
Gibran ouviu algumas informações que lhe despertaram o interesse em conhecer o tal senhor Steiner. Ele fundara, a pedido dos operários da fábrica Waldorf Astoria, estimulado pelo proprietário, uma escola revolucionária que se dedicava a estudar o ser humano em corpo, alma e espírito. E essa escola era ali pertinho, no centro de Stuttgart. E, ainda que ela se localizasse na outra extremidade do mundo, ele visitaria a escola, pois fora esta a recomendação do seu Mestre.
Em sua mensagem, o Mestre revelou que as tradicionais escolas ainda sobreviveriam com a sua forma arcaica de ensino até meados do primeiro século do terceiro milênio. Em torno de 2050, inspiradas na teoria de Steiner, as novas escolas começariam a se espalhar pelo mundo, passando a formar cidadãos bem preparados para servir a humanidade.
Gibran confirmou a data. Era 24 de fevereiro, e o dia 30 de março ainda estava distante. Ele começou a fazer seus planos para encontrar Rudolf Steiner, e para isto contou com a ajuda do amigo Wilhelm. Este era muito bem informado, e tinha boas relações na sociedade de Stuttgart.
Dois dias depois, Wilhelm confirmou o encontro para o dia 30 do mês seguinte. O contacto com um dos diretores da fábrica e amigo do seu proprietário, Emil Molt, foi rápido e direto, e a entrevista com o Sr. Molt foi cordial e muito bem recebida. Molt ficou muito interessado na figura de Gibran, enaltecida pelo amigo Wilhelm, como um sábio e verdadeiro profeta.
Rudolf Steiner tinha marcado uma visita exatamente para o dia 30, e nela reservou-se uma hora para que Gibran conversasse com aquele enigmático ícone da nova pedagogia, exaltado por Mestre Saint Germain como o pai da educação do futuro.
Gibran achou muito interessante a visita de Steiner estar prevista para o dia em que o Mestre recomendara como o ideal para o encontro. Interessante, mas não surpreso, pois ele sabia muito bem do poder do Mestre.
Ele ficou esperando que o Mestre revelasse o que perguntar ou conversar com Steiner, mas, nos dias que antecederam o encontro, nenhuma mensagem chegou, nenhuma intuição foi capaz de orientá-lo ou inspirá-lo para a entrevista. Ele ficou nervoso, com medo de não ser capaz de manter um diálogo à altura com Steiner, que ele já havia se informado ser um homem muito culto e inteligente.
O tempo corria e a data do encontro se aproximava. As mensagens não se interromperam, mas os assuntos eram outros, e sobre a educação do futuro, nem sombra. O Mestre entregou nas mãos de Gibran a empreitada de extrair de Steiner tudo que serviria como base para o que deveria ficar registrado como a educação do futuro.
Gibran aceitou o desafio, e pôs-se a se informar com o amigo Wilhelm a respeito de Rudolf Steiner e seus métodos de ensino. O amigo transferiu suas dúvidas para o Senhor Holt, dono da fábrica de cigarros Waldorf Astoria, onde o ensino pioneiro de Steiner havia sido introduzido há bem pouco tempo. E este respondeu a Wilhelm todas as perguntas que lhe foram encaminhadas, com boa vontade e bom humor.
O ano era o de 1922, o filósofo e educador austríaco teria somente mais três anos de vida. Gibran desconhecia isso, mas, esse era um dos motivos por que o Mestre acelerou o encontro de Gibran com Steiner. Urgia extrair dele, nesse pouco espaço de tempo, a verdadeira essência da sua metodologia. Esta era uma estratégia da Hierarquia, e caberia a Gibran materializá-la.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
Gibran despediu-se de Helga, entrou no Opel de seu amigo Wilhelm, que fez questão de conduzi-lo em seu automóvel, modelo que vinha fazendo sucesso na Alemanha, muito apreciado pelos médicos por sua robustez, principalmente em estradas de terra.
A simplicidade e a lucidez de Rudolf Steiner encantaram Gibran. Ele procurou entender detalhadamente tudo sobre a pedagogia Waldorf, como era conhecida a metodologia de Steiner. O filósofo não poupou informações, passando para Gibran o conceito básico, os princípios e os objetivos a serem alcançados.
O sistema estava sendo experimentado há pouco mais de um ano, e os resultados iniciais vinham sendo muito promissores. O conceito do sistema era educar com liberdade e responsabilidade. Os princípios adotados buscavam estimular as crianças a valorizar as relações humanas, cultivar o respeito ao semelhante e à natureza.
A conversa foi sendo prolongada, à medida que Gibran pedia uma explicação mais minuciosa sobre este ou aquele conceito defendido por Steiner. Wilhelm apreciava a conversa dos dois, em completo êxtase. Ele não imaginava que seu amigo Gibran possuísse tamanha cultura e tantos conhecimentos.
A entrevista durou mais de 3 horas, e só foi encerrada por interferência de Wilhelm, que lembrou a Gibran que deveriam fazer o caminho de volta antes do anoitecer. Ele era motorista há pouco tempo, e não se sentia seguro de dirigir à noite.
Gibran concluiu suas anotações, agradeceu a Steiner com um forte aperto de mão e recebeu em troca um forte abraço. Os dois pareciam velhos amigos. Despedidas feitas e endereços postais trocados entre os dois, o bravo Opel retomou a estrada e se pôs a caminho de casa.
Gibran não se continha, e falava sem parar. Wilhelm tentava acompanhar o discurso do amigo, mas, muitas das ideias eram perdidas entre uma curva e outra e sempre que um buraco se aproximava no meio do caminho. A viagem para Gibran passou sem que ele notasse, enquanto que, a preocupação com a chegada da noite e com a aproximação de cada curva da estrada fazia com que a viagem se alongasse.
Enfim, a última curva na estrada e a chegada em casa. Helga esperava-os no portão, com um sorriso nos lábios e com uma panela de sopa de ervas no fogão. Entraram, jogaram uma água no rosto, lavaram as mãos e se sentaram à mesa.
Gibran não sabia se saciava a fome ou a curiosidade de Helga. Wilhelm livre de semelhante dúvida, já estava na terceira ou quarta colherada de sopa, quando Gibran concluiu por onde começar. Ele optou pela sopa, não pela fome, que nem era tanta, mas, para fazer companhia ao amigo, que se mostrara solícito e gentil, durante toda a viagem, e paciente, ao longo da entrevista.
Helga controlou a ansiedade, ao perceber que Gibran acompanhava o amigo no saborear da sopa, e decidiu fazer o mesmo. Calados, sorveram o conteúdo de cada tigela, até a última gota. Com a desculpa de cansaço, os amigos se abraçaram e despediram-se, não sem antes se ouvir muitos agradecimentos, da parte de Gibran e Helga, e insistentes “deixa pra lá”, dos lábios de Wilhelm.
Mal a porta se fechou, com a saída de Wilhelm, o casal se olhou e, com o costumeiro olhar de cumplicidade, entregaram-se a relatos e devaneios, que pareceram não ter fim. Eram duas horas da madrugada, quando decidiram interromper, para prosseguir no dia seguinte.
Gibran custou a pegar no sono, relembrando as palavras entusiasmadas de Rudolf Steiner, e já se imaginando pondo tudo no papel, sob a supervisão do Mestre. O dia seguinte encontrou-o fora da cama muito cedo, sem demonstrar o menor cansaço pela tarde comprida da véspera e pelo sono curto da noite.
Helga preparou o desjejum, e aproveitou os primeiros momentos da manhã para ouvir os derradeiros relatos que ficaram pendentes à noite. Depois, ela sabia que só voltaria a encontrá-lo à tarde pelo almoço.
CAPÍTULO TRINTA
Gibran registrou detalhadamente o seu encontro com Rudolf Steiner, preocupando-se em expor com minúcias os princípios da metodologia do sábio filósofo e educador. Nesta tarefa, ele gastou três dias, mas elaborou um autêntico compêndio pedagógico.
O Mestre continuou a acelerar as mensagens, como se houvesse pouco tempo para concluir toda a empreitada. Gibran desconfiou que para a aceleração havia alguma razão concreta, mas não se apegou a ideia, preferiu concentrar suas energias no trabalho.
Os filhos visitaram os pais nos meados daquele ano, e contaram tudo por que passaram durante o período da guerra. Eles não se viam desde antes do início do conflito mundial. Os irmãos também não se viam há muito tempo, e o reencontro foi uma festa.
Gibran sentiu que devia contar aos filhos tudo que vinha se passando com ele, as mensagens do Mestre e as profecias sobre o futuro deles, numa encarnação futura. Os filhos ouviram tudo com interesse, mas logo desviaram a atenção para os fatos da vida presente, contando suas aventuras e todos os riscos por que passaram.
Helga esteve eufórica, naqueles dez dias de convívio com os filhos. Cozinhou pratos saborosos e encheu-os de chás de ervas e pães de cevada, compensando a má alimentação com que estavam acostumados, em suas andanças pelo mundo.
Gibran aproveitou para se dar um descanso, no que foi apoiado pelo Mestre, que deixou sua mente sossegada, inteiramente voltada para os filhos. A despedida foi difícil, tanto que adiaram a partida por três vezes, até que não houve mais jeito. Abraços, beijos, risos e choros, se estenderam por mais de uma hora, até que os dois embarcaram no trem, e os adeuses saíram pela janela e se perderam muito além da última curva da estação.
Gibran e Helga voltaram tristonhos, e mal abriram a boca durante o caminho da estação de trem até o portão de casa. Deitaram cedo, abraçados bem juntinhos, e algumas lágrimas molharam o lençol durante a noite.
O dia seguinte encontrou-os despertos bem cedo, ele, saudoso em retomar seus escritos, e ela, ansiosa em rever seus canteiros. O dia foi curto, o trabalho acumulado tratou de ocupar todo o tempo dos dois, sobrando pouco espaço para uma prosa mais longa.
À noite, no entanto, encontramos os dois à mesa, relembrando os momentos vividos com os filhos, dando boas risadas, e confidenciando seus sentimentos e emoções, durante o reencontro. Eles já haviam chegado aos 80, e se deram ao direito de projetar mais alguns anos de vida, talvez cinco, dez ou um pouco mais. Afinal, como alegou Helga, eles estavam sadios e bem-dispostos, e não aparentavam a idade que tinham.
Karl e Karine também pareciam tão jovens, nos seus cinquenta e tantos. Será que eles teriam consumido água da fonte de juventude, e nem se deram conta! Eles caíram na gargalhada e se abraçaram, antes de seguir para a cama. Estavam cansados, e o sono alcançou-os mal se acomodavam debaixo das cobertas.


sexta-feira, 21 de setembro de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 25, 26 E 27

CAPÍTULO VINTE E CINCO
Gibran tinha a sensação de que havia pouco tempo para concluir os seus apontamentos sobre os fatos que ia viver em sua futura encarnação. Era uma intuição, apenas uma intuição, sem causas nem explicações. Ele tratou de se dedicar ainda mais às mensagens, reservando a noite para prestar contas a Helga das revelações do Mestre.
O Mestre também acelerou o ritmo das revelações, exigindo mais esforço de Gibran para acompanhá-lo. Com isso, o cansaço ao final do dia tornou-se maior, e ele passou a sentir os efeitos sobre a musculação do braço e dos dedos da mão. Helga receitou umas compressas de ervas que se não faziam desaparecer as dores, tornavam-nas menos incômodas.
As folhas de papel se sucediam, e iam repousar sobre os maços que jaziam nas prateleiras de um armário, contendo todas as mensagens recebidas, desde o primeiro dia em que teve início a conexão do discípulo com o Mestre. Todas estavam catalogadas pelas datas e pelos assuntos abordados. Esta era a recomendação do Mestre, e Gibran a seguia numa dedicada disciplina.
As mensagens, a esta altura em que retomamos o contato com Gibran, já se referiam ao ano de 2012, quando a Terra sairia de um ciclo sombrio para um ciclo de luz. As profecias, que falavam do aumento do padrão vibratório, eram confirmadas em todo o mundo. Pessoas morriam, de repente, de causas ignoradas. Muitas sofriam de crises psicoemocionais, diagnosticadas como síndrome do pânico, ou como labirintite, pela tonteira e as náuseas que provocavam.
Os médicos não conseguiam encontrar as causas dos distúrbios psicossomáticos, pois não se davam conta de que estavam vivendo um momento inusitado na vida do planeta. O aumento do padrão vibratório dava zumbido nos ouvidos, zonzeiras, dor muito forte na boca do estômago e outros sintomas, todos relacionados com modificações no corpo de energias e que se refletiam no corpo físico.
Os exames nada revelavam de errado com os pacientes, pois, os sintomas eram momentâneos, passando depois de curto espaço de tempo, quase sempre inferior a 24 horas.
O novo padrão energético estava tornando as pessoas menos densas, menos presas à matéria e aos bens materiais. A intuição se aperfeiçoava. Os fatos futuros começaram a sofrer as influências dos pensamentos expressos pelos mais evoluídos espiritualmente. Muitos passaram a controlar os acontecimentos de suas vidas, bastando firmar na mente o que desejavam obter no dia seguinte, ou no ano que vem.
Os chakras estariam sendo reajustados aos novos padrões, e, por isso, conforme a sensibilidade pessoal, uns sentiam mais incômodos nuns chakras do que em outros. Em muitas pessoas, o chakra solar redimensionado teria de se adaptar aos novos padrões, e sofreria fortes pressões pela subida de kundalini.
A energia cósmica, fohat, penetrando pelo coronal, iria em direção ao cardíaco para se unir à energia telúrica, que subindo pelo chakra raiz, tinha um encontro marcado no centro do coração. A união perfeita de fohat e kundalini resultaria na iluminação, tornando, cada iluminado, como um legítimo Buda, que passasse a semear sabedoria por palavras e atos.
Essas pessoas passariam a perceber seus erros no exato momento em que os cometessem, podendo corrigi-los antes que provocassem danos espirituais ao futuro da alma. Os karmas, com isso, seriam drasticamente reduzidos, só os cometendo os mais resistentes às mudanças. Esses seriam os mais sujeitos a desencarnar na Terra e reencarnar num planeta mais denso e num estágio de evolução mais atrasado.
O processo se aceleraria até 2025, quando as separações já deveriam estar encerradas. Com isso, as mudanças de hábitos iam atingir uma fase mais intensa, tornando o planeta um local mais preparado para receber uma nova civilização, psicologicamente mais bem equilibrada e espiritualmente mais consciente de seus propósitos no mundo.
Gibran estava em êxtase, entusiasmado com o que ele considerava a confirmação da sua crença de que o mundo tinha salvação. A separação do joio do trigo seria feita sem maiores traumas, dentro de um processo reencarnatório natural, só que as almas teriam uma nova opção para reencarnar. Os mais evoluídos espiritualmente, e consequentemente mais sutis, reencarnariam na Terra, os resistentes às mudanças e que permanecessem mais densos, reencarnariam num planeta mais adequado à forma deles pensarem e sentirem.
Que coisa linda! Exclamou Gibran em voz alta. Helga entrou na sala, neste exato momento em que Gibran exclamava e parecia falar sozinho. Ela soltou uma gargalhada, que o assustou. Ela abraçou-o e eles riram juntos. Que loucura! Eles estavam vivendo com os corpos numa época, mas com as mentes no futuro.
Abraçados foram fazer a refeição mais substancial do dia, no meio da tarde, quando tiravam o tempo para pôr ordem na casa e distribuir as tarefas do final do dia. Comiam alimentos deliciosos e saudáveis, e mantinham sadios seus corpos octogenários. Quem os conhecesse não lhes daria mais de sessenta anos.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
Gibran vivia muito pensativo com tantas mensagens sobre um mundo novo, que mudaria todas as relações que se acostumara a considerar normais. Diante das informações que chegavam ao seu conhecimento, a mudança do que era considerado normal poderia deixar muitas pessoas enlouquecidas, e sem saber o que fazer de suas vidas.
Helga era menos extremista, entendendo que a raça humana sempre se acostumou com as mudanças naturais ocorridas ao longo da história e que, no futuro, não seria diferente. Ela não confessava, mas estava ansiosa por viver naquela época futura, descrita por Gibran. Ela confiava na sua capacidade de se adaptar a mudanças, e de se tornar pioneira em certas áreas, quando surpreenderia a todos com suas ideias futuristas de tornar a vida mais sadia e mais integrada à natureza.
As reflexões de Helga deixaram-na ainda mais convicta de suas crenças, quando Gibran trouxe à baila, o início do movimento de migração, nos próximos cento e cinquenta anos, com o retorno das populações da cidade para o campo. Aquela notícia era a confirmação, segundo pensava, de tudo que sempre imaginara vir a acontecer, num futuro distante.
Assim como ela e Gibran saíram do centro urbano de Berlim para viver nos campos de Stuttgart, muitos fariam o mesmo, quando percebessem que a vida na cidade estava acabando com sua saúde. Ela tinha tanta certeza dessa verdade que não se surpreendeu, quando Gibran afirmou que este seria o futuro da humanidade dentro de aproximadamente cento e cinquenta anos.
Helga já se imaginou no futuro, ela e suas ervas, ensinando comunidades rurais a plantar seus próprios remédios e temperos. Ela ficou tão feliz com esses sentimentos, que passou a sonhar com a sua nova vida, noite após noite. Ela sonhava que recebia diversas missões que influiriam nos futuros hábitos da humanidade.
Os sonhos de Helga passaram a ser constantes, transmitindo imagens de uma época futura, onde ela se via com uma aparência diferente, com cabelos pretos e falando uma língua estranha que, no entanto, era capaz de entender perfeitamente tudo que dizia.
Gibran ficou encantado, quando ela lhe contou seus sonhos sobre o mundo do futuro. Os relatos de Helga coincidiam em diversos aspectos com as mensagens do Mestre. A sensação é que ele recebia o roteiro, e Helga, as imagens, de um filme projetado na tela do futuro.
A conversa deles passou a ser mais interessante, pois, cada um falava do que chegava ao seu conhecimento, e juntos editavam script e imagens, numa história futurista, que parecia um conto de ficção. Não fosse a certeza que estavam projetando o futuro da humanidade, com fatos que se confirmariam no tempo certo, eles poderiam considerar-se escritores inspirados por uma imaginação fértil e muito criativa.
Gibran ganhou entusiasmo novo com os sonhos de Helga. Ele acordava e ficava aguardando o despertar de Helga, para que ela contasse seus sonhos. Os dois, então, procuravam juntar as peças do roteiro escrito com as imagens, e editavam o filme a ser exibido num futuro distante. Passavam horas, na edição. Depois, Gibran saía em busca de novos roteiros.
CAPÍTULO VINTE E SETE
Gibran não descansava na sua lida diária, de copiar os escritos ditados pelo Mestre. As revelações se sucediam e surpreendiam. Agora, o Mestre decidiu falar do período entre 2025 e 2050, quando a imagem da Terra começaria a ser redesenhada e a história reescrita.
Os futuros quatro reinos começariam a se formar, com a destinação de cerca de 500 milhões de habitantes para cada um deles. E de onde sairiam essas pessoas? Dos diversos recantos do planeta, de continentes que deixarão de ser reconhecidos como regiões da Terra, de nações que perderão seus limites e de cidades que se integrarão aos reinos, unidas em condados e ducados como nas antigas monarquias.
A realidade é que o governo do mundo caberá a seres reintegrados à esfera planetária, por decisão da Hierarquia. Esses seres vão reencarnar entre nós, como qualquer ser humano normal. Desde crianças, porém, revelarão seus poderes sobrenaturais e serão preparados para se tornar reis de cada um dos quatro reinos da Terra.
A proximidade de 2050 determinará o maior êxodo das grandes cidades, em direção a regiões pouco habitadas, não somente nos campos e nas montanhas, mas também em áreas desérticas e consideradas impróprias para a vida. Essas regiões serão preparadas pelos elementais da natureza, sob o comando das Hierarquias Celestiais, de modo que desertos se transformem em terras férteis e regiões geladas em terras propícias ao repouso e a busca de inspiração superior. As terras altas serão destinadas a construções de mosteiros e templos. As terras baixas serão reflorestadas e despertarão nascentes, as quais formarão rios e lagos. E, no meio de todas essas mudanças e aperfeiçoamentos geográficos, geológicos e hidrológicos, os seres formadores de uma nova mentalidade, ocuparão seus lugares.
As cidades irão esvaziando-se à medida que a falta de energia elétrica e de combustível para os veículos for se agravando. Cidades se tornarão ruínas a serem visitadas no futuro, como parte da história de um mundo que não deu certo, e que teve de recomeçar o seu projeto. Os turistas visitarão as ruínas como antes eram visitados o Coliseu romano, as pirâmides egípcias e o Parthenon grego.
Os recursos energéticos serão extraídos da natureza sem esgotá-los. As terras serão ocupadas sem agredir a natureza. Os poderes espirituais serão responsáveis por solucionar questões que estarão acima da lógica e da razão. A obediência às leis será uma atitude natural, pois todas as regras serão expressas por uma consciência coletiva, estimulada pelos governantes, inspirada pelos Mestres e transmitida ao povo através de uma vibração superior que alimentará o inconsciente coletivo.
Durante muitos séculos, a humanidade vai ser preparada para retomar o seu livre arbítrio, desta vez com maior segurança e com menos riscos do descontrole e do caos, observados na experiência anterior. Os futuros governantes serão preparados, dentre os que mais se destacarem por seu senso individual e pela iniciativa própria para favorecer o bem-estar coletivo.
Os reinos ficarão localizados nos quatro pontos cardeais planetários, sendo reservadas, as regiões intermediárias, à preservação de florestas e de espécies animais selvagens. Os habitantes de cada reino desenvolverão atividades diferentes, orientados por Adeptos que estimularão vocações e talentos herdados de outras vidas e que sirvam para a prosperidade das regiões. A concorrência não será estimulada e a rivalidade entre classes, condenada aos primeiros sinais do seu redespertar.
As terras serão divididas em três setores, habitações, plantações e escolas. Todos trabalharão para todos. Todos serão, ao mesmo tempo, mestres e aprendizes, ensinando sobre suas especialidades e aprendendo o que ainda desconhecem. O comércio como é conhecido será substituído pela troca de serviços, com a abolição do dinheiro e da prática de estabelecer preços para serviços e mercadorias. Todos terão plena consciência de que não importa o que façam ou forneçam, os valores serão sempre os mesmos para os que dão e para os que recebem.
As habitações serão de madeira, retiradas das florestas com o máximo cuidado, para que a reposição se faça num prazo adequado, sem prejuízo para o equilíbrio ecológico da região. As plantações agrícolas serão de produtos orgânicos sem qualquer adubo ou veneno. A alimentação será basicamente vegetariana, com a prática carnívora sendo erradicada dos hábitos alimentares, por volta de 2080.
As escolas ensinarão arte e cultura, estimulando os jovens a desenvolver naturalmente a sabedoria que trouxeram de outras vidas. As aulas serão dadas ao ar livre, com ações práticas que desenvolvam a mente e o físico. As especializações serão ensinadas conforme os talentos de cada um, e proporcionalmente às necessidades da sociedade.
As práticas espirituais serão promovidas em ambientes que favoreçam a expansão do nível de consciência, e que conduzam à abertura da visão astral. O mundo físico e o astral se unirão e passarão a fazer parte de uma única percepção humana, o corpo físico-astral.
Depois do ano 2100, a humanidade não mais fará distinção entre a visão física e a visão astral, e quem enxergar a matéria também será capaz de ver as entidades e as imagens do plano astral. Todos serão médiuns e videntes, uns mais evoluídos e outros menos, de acordo com o histórico kármico de cada um.
As guerras farão parte de um passado que todos desejarão esquecer. Mas, elas serão relembradas, de tempos em tempos, para que seus horrores e destruições sirvam de estímulos à sua completa erradicação das relações humanas.
As músicas serão suaves e harmônicas, com ritmos diferenciados, cada qual estimulando um centro energético e desenvolvendo-o com intenções criativas e construtivas. A arte fará parte de todas as famílias, desde o teatro, a música e a dança, até a pintura e a arquitetura.
Gibran suspirava encantado, e se sentia mais lá do que cá. O cansaço das outras ocasiões não aparecera naquele dia, sentindo-se mais descansado, após horas de trabalho, do que quando iniciara a escrever. Desta vez, foi o Mestre que interrompeu o fluxo de energia. Gibran ficou meio desconsolado, e até esboçou um princípio de reação, mas se controlou, ao relembrar o comportamento humano no mundo do futuro.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 21, 22, 23 E 24

CAPÍTULO VINTE E UM
Helga acordou falastrona, contando suas experiências com novas espécies de ervas, que davam um sabor inenarrável ao seu molho para massas. Ela pegou Gibran, puxando-o pelo braço, e levou-o até os canteiros, onde viçosas, as ervas de nomes estranhos, vinham sendo cultivadas. Ela prometeu um prato saboroso de massa, regado a molho com uma mistura daquelas ervas.
Gibran ouvia calado, pois o seu pensamento estava distante. Nos últimos tempos, ele estava vivendo fora do tempo, com o seu corpo na Alemanha e sua alma percorrendo o mundo, numa viagem espiritual sem fim. O Mestre era seu guia, e o Brasil, o seu destino final.
Ele sentia necessidade de saber mais sobre a sua futura pátria. Gibran se cercara de livros que falavam das Américas, buscando alguma alusão à nação brasileira, mas, eram poucas as informações que vinha obtendo das obras encontradas na biblioteca municipal.
Helga percebeu que ele estava muito longe dali, e passou um galho de uma das novas ervas aromáticas junto ao seu nariz. O forte e perfumado odor da erva fê-lo despertar da sua abstração, provocando uma gargalhada de Helga. Ele fez uma cara de espanto, como se quisesse espirrar ou chorar, tanto que lágrimas afluíram aos seus olhos, como efeito do forte aroma da erva.
Gibran acabou entrando na brincadeira, deu um abraço apertado em Helga e demonstrou um enorme desejo de saborear o tal prato de massa, por ela prometido, enquanto falava de suas novas ervas. Helga não se fez de rogada, se encaminhou para a cozinha, pôs água para esquentar e tratou de escolher a massa a ser usada. As ervas escolhidas a dedo foram apertadas numa das mãos, e na outra arrastou Gibran para dentro de casa.
Sentados em volta da mesa, à espera que fervesse a água, Helga puxou conversa sobre os seus escritos e as mensagens do Mestre. Já fazia algum tempo que ela procurava saber das minúcias contidas nas mensagens, ao perceber que muitas delas não poderiam ser reveladas. No início, ela ficou contrariada com a restrição, mas, depois procurou não aprofundar o assunto, já que entendeu serem ordens superiores, que Gibran respeitava com uma disciplina exemplar.
A conversa girou nos acontecimentos de pós-guerra, que acabara fazia um ano, e que, como toda guerra, deixou rastros de mortes e misérias. Helga fez-se de desentendida, e perguntou: O que se ganha com a guerra, Gibran? Ou melhor, quem ganha?
Gibran reagiu com surpresa à pergunta, e custou a responder. Mas, com bom senso e sutileza, deixou clara a sua posição de que guerras não eram para ser entendidas ou justificadas, mas, para serem lutadas e lamentadas.
Ela se esforçou para tentar entender o sentido daquele pensamento, e ficou entre o direito e o dever. O direito de não se encontrar razões para começar, e o dever de não poder deixar de lutar. Mas, se lutar, não ter porque se envaidecer, pois guerras não promovem heróis ou covardes, nem determinam vencedores ou vencidos. Ela ficou satisfeita com a sua conclusão, que guardou para si.
Gibran, calado e pensativo, recordava as mensagens sobre a próxima guerra, mais violenta, mais cruel e mais destrutiva do que a anterior. Se Helga soubesse dos detalhes, o prato de massa não ganharia o sabor esperado. Ninguém consegue produzir um alimento saboroso, sob a influência de vibrações negativas ou emoções violentas.
A mesa estava pronta, com os pratos e talheres nos lugares, e a tigela apetitosa e perfumada no centro. Lavadas as mãos, jogada uma água no rosto, ambos se prepararam para saborear o que prometia ser o manjar dos deuses. E foi mais do que isto, foi simplesmente divino.
Gibran jamais provara algo tão saboroso, e, a cada garfada, ele suspirava de satisfação. Helga sorria, e se virando para ele, provocou-o: Eu não disse? Eu descobri a fórmula mágica para mudar o paladar da humanidade.
Gibran gostou da imagem, um prato mudando o gosto da humanidade. Seria possível isso? E, se a humanidade, realmente, mudasse suas atitudes pelo prazer de uma comida gostosa ou pelo sabor de um molho! Ele ficou pensativo, imaginando a paz mundial sendo celebrada em torno de uma mesa, onde era servido um prato ao molho de Helga, com seus poderes mágicos.
Eles riram com as várias fantasias que foram criando em torno do tema, e, assim encerraram o almoço saudando Helga, como a criadora do prato da paz, a grande pacificadora da humanidade. Cada qual seguiu para o seu canto, Gibran para os seus estudos e Helga, para as suas ervas. Eles estavam sentindo-se mais felizes do que o habitual, e, cada um a seu modo atribuiu seus sentimentos ao sabor mágico das ervas.
Gibran pôs-se a rever os escritos da véspera para se situar por quantas andavam as suas anotações. Havia muitas perguntas a fazer e outras a calar. Era assim que ele agia em seus diálogos com o Mestre. Ele sabia quando não era para insistir, diante de uma curiosidade ou uma revelação mal entendida. O Mestre, nessas horas, simplesmente, desconhecia a dúvida, e seguia adiante.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Gibran ficara muito intrigado com o relato do Mestre sobre a influência dos Estados Unidos sobre a Europa e o resto do mundo. Ele não conseguia imaginar como em tão pouco tempo, um país pudesse assumir a liderança do mundo, exercendo uma influência esmagadora sobre os países europeus.
A resposta veio imediatamente, obrigando-o a correr atrás de suas folhas de papel e mal teve tempo para pegar na pena. O mestre deu sequência às informações sobre o futuro econômico do mundo do futuro. E dizer que tinha gente que acreditava que o mundo ia acabar no ano 2000!
Gibran anotava com dificuldade a mensagem que chegava numa alta velocidade, e se não fosse a sua prática, ele perderia muitas informações importantes. O Mestre decidiu detalhar as causas da crise financeira, o que respondia aos questionamentos de Gibran.
Gibran identificou o ano de 2025, e soube que, em face da crise que assolou o mundo econômico, provocada pela inflação do dólar, que perdeu todo o lastro, devido a emissão incontrolável para saciar a ânsia de poder americano, os países europeus criaram uma moeda internacional de comércio. A nova moeda foi adotada por toda a Europa, pela América do Sul, pela África e pelos principais países asiáticos.
Com o abandono do dólar para as transações comerciais, a economia norte-americana não suportou, e a nação entrou numa profunda decadência. Livres da manipulação exercida pelos Estados Unidos, pelo fato do dólar ser usado como moeda internacional, os países europeus se fortaleceram e os sul-americanos também, em especial, o Brasil, a Argentina e o Paraguai.
Os países árabes tentaram assumir uma liderança forte, pelo poder do petróleo sobre a economia, mas, a tecnologia do biodiesel, logo reverteu o quadro, e as empresas de petróleo começaram a quebrar, gerando sérias crises nos países produtores de petróleo.
A OPEB – Organização dos Países Exportadores de Biodiesel tomou o lugar da OPEP, e passou a influir na produção industrial do terceiro milênio. A poluição por queima de combustível reduziu-se a níveis bem inferiores aos limites recomendados pelos órgãos controladores, e com isso ocorreu uma grande redução das doenças relacionadas à poluição atmosférica.
O Brasil tornou-se o grande exportador de bioenergia, presidindo a OPEB, e passou a adotar uma política de estímulo ao progresso dos países mais pobres. Com isso, as nações latino-americanas tiveram um grande impulso econômico, passando a auxiliar os países mais pobres africanos e asiáticos.
A economia mundial passou a oferecer um quadro muito mais equilibrado, com a ascensão dos mais pobres e o declínio dos mais ricos. Até 2050, esse equilíbrio terá alcançado o estágio ideal, projetado pela Hierarquia, obrigando todos os povos a esquecer das guerras e se preocupar com o trabalho.
A ONU passou a ser um centro de pacificação de conflitos, perdendo a sua antiga função de fomentadora das guerras e da exploração das riquezas minerais dos países miseráveis. Todas as nações possuíam a mesma representatividade e as decisões mais importantes eram assumidas por consenso de um Conselho formado por 21 membros, eleitos por três anos.
As mulheres passarão a chefiar a maioria das grandes nações do mundo, sendo elas as responsáveis pelo fim das guerras e da exploração abusiva exercida pelos mais ricos sobre os mais pobres. As instituições financeiras internacionais – FMI, BID E BANCO MUNDIAL – passarão a emprestar dinheiro para a recuperação das lavouras dos países africanos e asiáticos, que assumirão a distribuição de alimentos no cenário mundial.
A qualidade dos produtos agrícolas passará a ser mais valorizada que a quantidade produzida, através de projetos de cultura orgânica e da erradicação de todas as plantações de transgênicos. Com isso, a saúde dos povos alcançará índices invejáveis, quando comparados aos observados no início do século.
A força da mão de obra mundial passou a se concentrar sobre a produção de alimentos e de equipamentos para a agricultura familiar e para a geração de energia limpa. As novas formas de energia passaram a ser financiadas pelos Bancos de Desenvolvimento a juros zero e a custos baixos. Assim, o mundo passou a emitir menos gases poluidores e a atingir um elevado grau de desenvolvimento sustentável.
A meta da Hierarquia era chegar ao ano de 2100 com poluição quase zero, e com uma recuperação de mais de 50% das áreas que haviam sido degradadas até o início do milênio. Outra meta era a erradicação das doenças degenerativas, que provocariam uma economia de incalculáveis recursos, a ser destinados às atividades artísticas e culturais. Por sinal, arte e cultura passaram a ter prioridade nos orçamentos de todas as nações do mundo, elevando o padrão cultural de países que eram tratados como atrasados e com a predominância de analfabetos.
Gibran estava esgotado, quando o Mestre cessou o contacto, e deixou sua mente silenciosa. Era tarde da noite, passaram-se horas, desde que ele começara a anotar as mensagens, sem ter interrompido para se alimentar. Helga deixara um chá em sua mesa, que ele bebeu num único gole, e foi só.
Ele procurou por Helga, e encontrou-a adormecida na sala, com um livro no colo. Ele recolheu o livro com cuidado, e não pôde conter sua admiração ao perceber que ela estava lendo um dos poucos livros que encontrara na biblioteca, falando do Brasil. Os dois foram abraçados para a cama, e assim despertaram na manhã seguinte, como se tivessem passado a noite, trocando energias e sonhando juntos com a futura vida no Brasil.
E, assim, passou-se mais um dia na vida do casal.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS
Gibran passava dias seguidos envolvido com as mensagens do Mestre. As plantações de Helga tomavam conta de toda a área ao redor da casa. Ela plantava ervas e ele, o futuro. Os dois se dedicavam aos seus ideais mais nobres, ambos amavam o que faziam.
Na hora do almoço, sentavam-se ao redor da mesa e conversavam enquanto comiam. Após um repouso para pôr a conversa em dia, eles voltavam às suas tarefas, até o cair da tarde. Eles sentiram a necessidade de disciplinar os seus trabalhos, e estabeleceram horários para o início e o fim das tarefas diárias. A noite era o tempo que dedicavam a relatar seus feitos, cada qual na sua área.
A vida poderia parecer rotineira e sem maiores novidades, mas, enganavam-se os que assim pensavam. Isto, eles tratavam de explicar aos amigos, com quem ainda mantinham o hábito de se reunir as sextas à noite.
Os amigos alegavam que eles viviam muito sozinhos, e não participavam da vida na comunidade. Havia festejos e jogos, concursos poéticos e encontros musicais. Um coral de moradores se apresentava todos os domingos na igreja. Eles foram convidados a participar, mas declinaram do convite.
Apesar desta vida recolhida, o casal demonstrava muita alegria, quando se reunia com os amigos. As conversas eram em torno dos interesses e afazeres de cada um, e serviam como um coquetel de cultura, pois cada um tinha muito a acrescentar à bagagem pessoal do outro, com a narrativa de suas experiências e desafios.
A troca de experiências abria a mente de Gibran, quando o assunto era política e espiritualidade. Helga ficava com seus olhinhos brilhando, ao se falar de arte e natureza. As ervas cultivadas no seu quintal eram temperos indispensáveis nas panelas da vizinhança. Gibran é que não tinha muito a compartilhar, com seus estudos herméticos e muitos deles, a pedido do Mestre, mantidos no mais absoluto sigilo.
Sábio e bem-falante, Gibran não se atrapalhava com essas limitações, já que sua vasta cultura, colhida na literatura disponível na biblioteca municipal, servia para que ele ilustrasse suas narrativas com fatos e descrições que transportavam os ouvintes para cenas e locais distantes.
Os amigos riam de suas histórias e da forma como ele as contava. Ele aproveitava diversos ensinamentos espirituais, para introduzir nas conversas, práticas e ensinamentos contidos em diversas seitas e religiões. Ele falava do significado das parábolas usadas por Jesus para ensinar a sua doutrina. Ele utilizava palavras que as explicavam, como bíblia alguma jamais o fizera.
De cada religião, ele trazia uma passagem ou tradição interessante que surpreendia os amigos. Os koans, enigmas paradoxais, empregados pelos mestres sufis para obrigar seus monges a meditar e abrir suas consciências. Os versos de ouro, que narravam em poemas a doutrina filosófica de Pitágoras.
A conversa se estendia até tarde da noite, mas sempre terminava antes da meia-noite. Essa regra fora estabelecida, depois do dia em que perderam a noção do tempo, e ainda estavam em torno da mesa, quando despontaram os primeiros raios de sol.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Gibran soube que reencarnaria no Brasil numa época pouco antes do final da segunda grande guerra. Ele nasceria no início do ano, Helga, no final. Suas famílias seriam de origem portuguesa, a dele com mistura de sangue índio. Educados dentro de padrões semelhantes, tudo seria cuidado para que se sentissem atraídos, um pelo outro, pela identificação de princípios e afinidade de ideais.
Ele não resistiu o impulso, se levantou e foi contar tudo para Helga. Ela ficou meio assustada com a história, talvez por ainda usar outro corpo, e se imaginar perdendo-o, para ganhar um corpinho de bebê.
Helga era assim mesmo, muito sonhadora e criativa, mas essencialmente prática, quando analisava fatos concretos. Ela quis saber de cada detalhe, que nome ela teria, e os seus pais, quem eles seriam, e como ela e Gibran se conheceriam, e as perguntas não tinham mais fim. A maioria delas, Gibran não soube responder, mas anotou-as para consultar o Mestre.
Passada a agitação inicial, Gibran achou por bem voltar à sua mesa de trabalho, pois, deixara seu Mestre a falar sozinho, num sentido figurado, é claro! Helga é que não mais conseguiu se concentrar nas suas ervas.
Mal sentou à mesa, a vibração do Mestre já foi restaurada, e a mensagem, que fora interrompida, prosseguiu como se nada houvesse acontecido. Gibran bem que tentou obter mais detalhes da sua vida futura, mas, o Mestre mudou o rumo da prosa, e passou a relatar fatos do mundo que tinham a ver com as mudanças de paradigmas da nova era.
Gibran soube que ele teria um papel a desempenhar de grande importância na vida de alguns discípulos do Mestre Saint Germain. Esses discípulos seriam encaminhados até Gibran, em busca de conhecimentos, ajuda e conselhos. A sua missão seria passar adiante os conhecimentos, adquiridos em vidas passadas, e os ensinamentos que o Mestre estava lhe passando por escrito.
Gibran percebeu que perdera o controle sobre os temas que estavam sendo abordados. Antes, ele pensava, o Mestre respondia. Agora, o Mestre não respondia a perguntas, só relatava o que entendia ser importante, desconhecendo os questionamentos e as dúvidas que se contorciam na mente de Gibran.
Gibran percebeu que o Mestre estava passando-lhe uma mensagem pessoal, de que cada um vive a sua vida, mas o destino traça o rumo da história da humanidade. Não se pode afirmar o que será o futuro na vida de alguém, mas, certamente, o destino do mundo está traçado. E, cada qual se movimenta no espaço oferecido pelo destino, do seu jeito e como achar melhor. Há tendências, jamais certezas.
Gibran caiu em si, e percebeu que o Mestre só revelou como seria a sua futura encarnação até onde era previsível, e dali para frente ele se calou. Então, começou o relato sobre o futuro da humanidade, e este sim, estava traçado desde o início dos tempos, e ficaria gravado no seu inconsciente, para que pudesse utilizar na vida futura.
Os fatos narrados diziam respeito a ocorrências a partir do ano 2000, e tratavam de situações que mudariam a vida na Terra. Era uma espécie de um antiapocalipse e de uma negação de todas as previsões de desgraças, destruições e fim de mundo.
A energia acelerou, e Gibran passou a ter dificuldade para acompanhar as mensagens. Ele escrevia com muita rapidez, e ainda assim perdia algumas observações. De repente, o Mestre enviou-lhe uma explicação do que estava ocorrendo.
No futuro, a energia planetária seria acelerada, o padrão vibratório do planeta se expandiria, e a humanidade teria de se adaptar a esse novo padrão, para que os corpos se sutilizassem. A matéria cederia, lentamente, o seu espaço para o espiritual. Antes, a dificuldade da criatura humana era se sutilizar para elevar o físico ao espírito. No futuro, a situação se inverteria, as pessoas mais sutis, bem mais espiritualizadas, teriam de praticar a densificação do corpo de energia, para se amoldar a certas experiências de vida.
Gibran tentava entender essa história de aumento do padrão vibratório, mas, sentia muita dificuldade para interpretar corretamente os ensinamentos do Mestre. Mas, o Mestre não se preocupava em prestar esclarecimentos, e prosseguia relatando os eventos futuros.
Gibran ficou meio assustado ao saber que muitos morreriam por não suportar a pressão exercida sobre o corpo físico pelo novo padrão vibratório. Os atletas e artistas estariam entre os mais sacrificados com a mudança do padrão. Acostumados a ir aos extremos em jogos e apresentações musicais, eles não perceberiam que os limites eram outros, e que não poderiam ultrapassar determinados parâmetros sem afetar o coração e as ondas cerebrais.
A humanidade também ficaria assustada com tantas mortes sem explicações por parte da medicina, que não seria capaz de diagnosticar o que não entenderia e nem estaria preparada a avaliar. Os atletas teriam paradas cardíacas e derrames cerebrais, e as alegações mais comuns ficariam por conta de choques ou práticas mais violentas. Os artistas morreriam no palco ou após suas apresentações, alegando-se que tudo ficava por conta das drogas, dos desregramentos sexuais ou, simplesmente, da fatalidade.
A sobrevivência da humanidade dependeria da capacidade de cada um para processar e aceitar a evolução espiritual. A resistência a essa evolução provocaria depressões, estresses e mortes. A insistência de muitos, ou da maioria, de não abrir mão dos prazeres sensuais, e de ir buscar nas drogas a fuga dos medos e da falta de objetivos, provocaria uma considerável redução da população planetária.
Os venusianos kumaras vão reencarnar novamente para dar assistência aos naturais da Terra. Os kumaras tinham vindo de Vênus, quando a raça humana encontrava dificuldade para evoluir mental e espiritualmente. Isto já fazia milhares e milhares de anos. Muitos deles permaneceram na Terra, por obrigação ou vocação, já que foram preparados para amar o povo da Terra, e não se conformavam em ver tanto sofrimento naquele povo.
Encarnando de tempos em tempos, os kumaras trabalhavam com os Mestres Ascensionados dos diversos Raios, passando ensinamentos, transmitindo conhecimentos e aconselhando os que buscavam entender o caminho da iluminação. Eles atuavam não só no corpo físico, mas também em corpos de energia, despertando a consciência dos mais evoluídos, que buscavam respostas para a vida através das religiões.
As religiões sempre abrigaram os mais conscientes e evoluídos, que depois de uma espécie de estágio religioso, saíam em busca de maiores explicações sobre a natureza humana e a vida após a morte. Nesses momentos, entravam em ação os kumaras, introduzindo-se na vida dos postulantes, para orientá-los e passar-lhes conhecimentos.
Gibran ouviu do Mestre que, depois do ano 2000, essa realidade seria cada vez mais flagrante, ainda que prosseguissem as resistências em aceitar as revelações ocultas que chegavam por sonhos e intuições. A população do planeta se reduziria aos poucos, até que no final do primeiro século do novo milênio, o número de habitantes estivesse próximo aos dois bilhões de habitantes. Quando isso acontecesse, uma nova onda de progresso tomaria conta da Terra, bastante semelhante ao que ocorrera na época da Atlântida, mas, desta vez, sob a severa vigilância dos Mestres e dos seus Adeptos.
As crianças evoluídas, e que nasceram no início do milênio, terão assumido a governança do mundo, ocupando posições estratégicas nos governos da Terra. A divisão do planeta em quatro reinos será feita segundo novos padrões estabelecidos pela Hierarquia Planetária, e retificando os antigos critérios que, comprovadamente, não deram certo.
Gibran estava cansado daquela correria entre o pensamento e a escrita. O Mestre deu-lhe uma trégua, e interrompeu abruptamente as mensagens. Ele soltou a pena, afastou os papéis e esticou as pernas e os pensamentos.
Ele se levantou lentamente, se achou mais cansado do que o normal. Respirou profundamente, e saiu à procura de Helga. Nessas horas, uma conversa com Helga resgatava parte das energias despendidas.
Lá estava ela, mexendo a panela, preparando uma sopa de ervas. O cheiro no ar era sedutor, e o sabor, na certa, confirmaria todas as suposições que provocavam aquela água na boca.
Deixemos o casal conversar sozinho, sem a nossa presença. Existem momentos em que contar todos os fatos é exagero dos escritores, e bem mais do que o estritamente indispensável ao bom entendimento da realidade descrita.


sexta-feira, 7 de setembro de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 18, 19 E 20

CAPÍTULO DEZOITO
A temperatura caiu bastante, com o chegar da noite. A lareira foi acesa, e a conversa se estendeu até depois da meia-noite. Regada a chá com biscoitos e um pão de centeio feito na hora com a manteiga derretida, Gibran contou o que lhe era permitido relatar sobre a guerra do futuro, e a respeito da figura de Hitler. Helga não abria a boca, mas, de vez em quando, não conseguia evitar umas caretas, talvez de indignação ou de pavor.
Ela comentou com Gibran que achava aquela situação muito estranha, por estarem comentando fatos futuros, que o mundo ainda desconhecia. Gibran interrompeu o relato por uns instantes, e confessou-lhe que, já se acostumara de tal modo com aquela situação, que nem se deu conta de que ela tinha toda razão.
Cansados de falar e de ouvir, e muito mais de pensar e de tentar entender o que se passava na vida deles, deram a conversa por encerrada, e foram para a cama. Abraçaram-se, e logo pegaram no sono. No meio da noite, Helga despertou assustada, acordando Gibran, e balbuciando com dificuldade que sonhara com a guerra e assistira cenas horríveis.
Ela vira crianças, chinesas ou japonesas, não sabia ao certo, correndo e chorando, no meio de uma nuvem de fumaça estranha. Quando ela levantou os olhos, avistou tudo destruído ao seu redor. A sensação é que era uma cidade inteira arrasada, com muita gente morta e queimada.
Gibran procurou tranquilizá-la, consolando-a com a afirmativa de que ela imaginara um quadro de guerra, criado em sua mente. O Mestre descrevera muitas batalhas, mas nada que provocasse uma destruição devastadora, como a que ela avistara no sonho. Era melhor esquecer a guerra, e dormir em paz.
O resto da noite brindou-os com uma trégua reconfortante. Acordaram depois do sol, o que não era comum, e foram para o desjejum falando de guerra. Gibran prometera investigar o sonho de Helga, e ela pediu-lhe que se fosse verdade o que ela vira, melhor seria esquecer.
Gibran ficara intrigado com a visão das criancinhas orientais. A impressão que ele tivera com as primeiras visões da guerra e pelo relato do Mestre, as batalhas seriam travadas na Europa. Agora, surgiram novos dados, e era preciso investigar.
Mal ele sentou à mesa, sentiu aquele formigamento nos dedos e a sensação de salivação na boca, que eram sinais da canalização com o Mestre. Ele, imediatamente, pegou na pena e se preparou para receber a mensagem.
A palavra do Mestre foi contundente, pois, muito mais do que falar da guerra, suas revelações entraram no campo da espiritualidade e abordaram mistérios inimagináveis para Gibran.
O Mestre começou confirmando a visão de Helga, e disse tratar-se de um fato que fugira do controle dos guardiões da Terra. A nação que estava selecionada para receber a sagrada responsabilidade de liderar os movimentos espirituais no período de pós-guerra cometera um lamentável erro, e, por isso, perdera essa liderança.
Gibran anotava o relato com um misto de ansiedade e curiosidade. Que nação era aquela? Que erro terrível teria sido cometido? Que liderança estava reservada e para que? Ele não podia perder a linha de energia que o ligava ao Mestre, e que a desatenção poderia cortar.
Gibran redobrou a atenção. O Mestre relatou que os Estados Unidos da América eram a nação que cometeria uma ação hedionda, e que seria punida pela Hierarquia. O Mestre detalhou o atentado contra Hiroshima e Nagasaki, mencionando o uso de um armamento que fora inventado por cientistas alemães capturados e postos a trabalhar para os Estados Unidos.
Gibran pensava e o Mestre respondia ao seu pensamento. As bombas atômicas foram lançadas com a desculpa de que se destinavam a acabar logo com a guerra. O Japão, que se havia aliado aos alemães e italianos, e sendo induzido a provocar a ira dos norte-americanos, ao bombardear sua base de Pearl Harbor, no Havaí, provocou a entrada dos Estados Unidos na guerra.
Gibran não entendeu quem havia induzido o Japão a atacar os norte-americanos, e ficou aguardando a resposta do Mestre, mas esta não veio. E, o Mestre prosseguiu detalhando os acontecimentos que antecederam a decisão dos Estados Unidos de lançar as duas bombas atômicas sobre território japonês. As cidades não tinham nenhum valor estratégico, havendo uma enorme concentração de população civil, e, não houve engano algum, foi sobre elas que as duas primeiras bombas atômicas construídas pelo homem foram testadas.
Gibran parou de escrever, pois pensou ter entendido errado. O Mestre repetiu que as duas bombas foram testadas nas cidades japonesas. Gibran entendeu, então, a crueldade que fora cometida contra pessoas inocentes, inclusive com as crianças, como Helga vira no sonho.
O Mestre passou, a seguir, um segredo para Gibran que só foi revelado, entre os ocultistas, muitos anos após Gibran haver reencarnado no Brasil. Os Estados Unidos seriam a nação-líder do movimento cíclico de evolução da Obra da Hierarquia, e perdeu essa condição para o Brasil, que somente exerceria essa liderança depois dos norte-americanos.
Os sinais dessa condição de sediar a liderança espiritual mundial podem ser observados em algumas regiões do território norte-americanos, especialmente na Califórnia, para onde os sinais místicos indicavam o caminho.
O Mestre percebeu que Gibran não entendera bem de que liderança se estava tratando. E, o Mestre tratou de dar-lhe as explicações. De tempos em tempos, escolhe-se uma região no planeta, onde vão reencarnar os discípulos dos Mestres e os postulantes mais adiantados em suas jornadas iniciáticas.
A última região havia sido a França, durante a Revolução Francesa, ocasião em que os Estados Unidos conquistaram a sua condição de liderança futura, após a sua declaração de independência.
A Obra na França não conseguira atingir os ideais pretendidos, por conta de uma monarquia enfraquecida política, moral e socialmente. O Mestre lembrou a Gibran que, ele, Saint Germain, atuou pessoalmente, na tentativa de salvar o império, mas, fora tudo em vão.
Gibran já estava cansado, e o Mestre percebeu, dando por encerrada a conversa. Mas, não antes de lembrar a Gibran que ele teria um papel importante a exercer no Brasil, por receber todas aquelas revelações secretas, que deveriam ser utilizadas na preparação da humanidade para uma nova era de Luz, após o ano de 2012.
Gibran estava tonto com tanta informação. Ele bebeu uma caneca de água, respirou fundo, e saiu à procura de Helga. Ela estava na cozinha a preparar uma deliciosa sopa, que aqueceria ainda mais o ambiente, antes da noite chegar.
Eles se olharam nos olhos, e Helga entendeu que ele tinha a resposta para o seu sonho. E a narrativa rendeu mais uma noite, e diversos sonhos. A guerra do futuro foi tema de conversa por semanas a fio, antes de se esgotar o assunto.




CAPÍTULO DEZENOVE
Os dias na vida de Gibran e Helga se passavam em função, muito mais, do futuro do que do presente. O Mestre tinha muito a revelar a Gibran, e este, mais ainda, a aprender. Helga vivia em estado de graça, satisfazendo toda a sua curiosidade, diante de mistérios sem fim.
Ela nem se dava conta de uma guerra que estava a começar, e que tomaria conta da atenção mundial, nos próximos cinco anos. Chegara o ano de 1914, e como o Mestre havia informado a Gibran, a primeira guerra mundial estava começando.
O recanto onde moravam, fora do centro de Stuttgart, seria preservado das agonias da guerra, como havia sido revelado a Gibran. E o casal pôde continuar levando a vida na sua rotina normal, como se, para os dois, todo dia nascesse e morresse sem novidades no fronte.
Karl e Karine, graças ao passaporte de filhos dos dois, cruzavam o mundo, preservados do conflito mundial, mesmo quando tinham de pisar em solo ameaçado pelos combates. Karl assumia, a cada dia, a sua condição de artista celebrado em galerias da França. Karine, menos ocupada com as criações artísticas, nem por isso desprezava a inspiração, em suas buscas frenéticas por acessar o mundo da magia espiritual, entre o místico vislumbrado e o oculto desconhecido.
Karl, na França, e Karine, em algum lugar do Oriente, viviam vidas descompromissadas com tudo que se passava à sua volta. O mundo parecia sorrir para os dois, assim como seus pais sorriam para o mundo. Não haveria guerra que deles retirasse o bom humor e a vontade de viver.
Vez por outra, eles se comunicavam com os pais. Cada carta retratava uma perene declaração de independência, reconhecida por todas as nações da Terra. Nada de mau lhes atingia, como se uma barreira de proteção separasse suas vidas do restante da humanidade. Muitos lutavam nos campos de batalha, outros tantos choravam as mortes de seus filhos amados. A população mundial, direta ou indiretamente, era atingida pelos estilhaços vindos da guerra, menos Gibran e Helga, e seus dois filhos.
Enquanto a humanidade tentava digerir a sua primeira guerra mundial, Gibran e Helga destrinchavam e consumiam, bem antes da hora, as atrocidades e os desatinos da segunda conflagração mundial. As mensagens do Mestre ocupavam os dias do casal, Gibran anotando, e Helga ouvindo.
Gibran quis saber do Mestre, quais seriam as consequências do primeiro conflito, e como ficaria o mundo depois do segundo, que o Mestre anunciara como o último em idênticas proporções. O Mestre, com seu bom humor característico, respondeu-lhe que o primeiro seria uma preparação para o segundo, e este, o limiar de uma nova guerra, menos óbvia em sua violência, mas não menos destruidora para a sociedade humana.
Gibran não entendeu a tirada jocosa do Mestre, para retratar o domínio que os Estados Unidos da América viriam a exercer sobre os países que se insurgissem contra sua política de tirania econômica. No mundo de pós-guerra, pequenas, às vezes nem tanto, e localizadas guerras, aconteceriam sempre que o controle econômico ameaçasse sair das mãos dos norte-americanos.
O dinheiro americano seria imposto como moeda padrão. O poderio militar seria imposto ao resto do mundo, como se cada território estrangeiro fizesse parte do império norte-americano. O petróleo seria o ouro do amanhã, e a água, do depois de amanhã.
Ditadores seriam apadrinhados pela democracia americana, para garantir seus domínios à distância. A corrupção político-financeiro internacional promoveria figuras poderosas e violentas que governariam seus povos com ameaças e torturas. E tudo sob as bênçãos e graças dos Estados Unidos.
A sociedade financeira internacional e as grandes indústrias sem pátria, como as chamavam o Mestre, formariam um núcleo de força com uma única finalidade, a de manter o controle e o poder sobre os recursos econômicos do planeta. Quem se opusesse a esses ideais seria afastado do caminho, por bem ou por mal.
O governante que não obedecesse às ordens vindas da cúpula internacional seria retirado do poder. O seu país seria invadido, ou uma rebelião e crise seriam fomentadas, com recursos ou armas, apoiadas por ações de militares estrangeiros ou civis mercenários. E tudo isso sob a batuta dos Estados Unidos da América, que sairão da segunda guerra com a imagem de salvador do mundo ou justiceiro dos fracos e oprimidos.
O Mestre relatou a Gibran o assassinato de um grande estadista norte-americano, que inspirado pela Hierarquia, devia mudar o cenário internacional, acabando com as guerras celebrando a reconstrução do mundo, através de parcerias honestas e comprometidas com a paz mundial. A sua morte impediria a consecução do projeto.
Gibran ficou imaginando que o Mestre estivesse relatando uma guerra civil nos Estados Unidos, como ocorrera na época do presidente Lincoln, quando o Norte e o Sul lutaram, fazendo correr sangue entre irmãos.
O Mestre tratou de corrigir os pensamentos de Gibran, mostrando-lhe como a conspiração viria a ocorrer, envolvendo militares, órgãos de segurança e serviço secreto, instigados e financiados pelos poderes econômicos internacionais e pela indústria bélica.
O presidente Kennedy se elegera para acabar com as pequenas guerras espalhadas pelos quatro cantos do mundo, que eram patrocinadas pelas elites do poder mundial, que zelavam por seus interesses financeiros e comerciais.
O Mestre falou da vergonhosa derrota que seria imposta aos Estados Unidos por um pequeno país do sudeste asiático, o Vietnã. Invadido barbaramente por tropas norte-americanas, e tendo o seu povo trucidado por armas de destruição em massa, ainda assim, os guerrilheiros vietnamitas, chamados vietcongues, venceriam a empáfia bélica norte-americana.
O presidente Kennedy tentou acabar com esse conflito, propondo a retirada das tropas norte-americanas do território vietnamita. A resistência da indústria bélica, associada aos seus cúmplices, os chefes militares, foi decisiva, e formou-se um complô para matar o presidente. E, isso veio a ocorrer com a participação da cúpula militar e dos órgãos de segurança, mancomunados num plano vergonhoso que serviu para manchar ainda mais a imagem da nação norte-americana como pretensa defensora da ordem mundial.
Mataram o presidente, inventaram um bode expiatório e a farsa foi celebrada com as bênçãos do povo americano. A seguir, mataram o assassino, numa farsa pior ainda, e logo, depois, o assassino do assassino, para que não desse com a língua nos dentes.
E, para que os caminhos ficassem, definitivamente, livres e os verdadeiros governantes da nação americana pudessem continuar agindo sem correr riscos, eles, também, mataram o irmão do presidente Kennedy, candidato à sucessão.
Gibran escrevia tudo aquilo sem conseguir esconder a revolta que sentia na alma. O Mestre detalhou os pormenores, e aconselhou-o a guardar seus escritos a sete chaves. Ninguém poderia ter conhecimento daquelas revelações, que eram segredos velados para a raça humana.
Gibran ainda pensou em consultar sobre o final da trama e se os culpados seriam punidos, mas, percebeu que o Mestre já encerrara os trabalhos. Agora, era reler o que havia sido escrito e contar tudo para Helga. De repente, o Mestre voltou para ordenar a Gibran que não o fizesse, pois, somente ele, Gibran, poderia ter conhecimento dos fatos relatados.
Gibran tomou todos os cuidados para juntar aquelas páginas a algumas outras guardadas num arquivo à parte, onde repousavam outras revelações a serem mantidas no mais absoluto sigilo.
CAPÍTULO VINTE
Trinta anos se haviam passados, desde que Gibran e Helga se mudaram de Berlim para Stuttgart. Estamos no ano de 1920, e a guerra já acabou. A idade pesava nas costas de Gibran e Helga, mas, eles aparentavam menos vinte anos do que tinham na realidade.
Ele perguntava ao Mestre, quando morreria e em que ano reencarnaria no Brasil. O Mestre negava-se a falar disto, e jamais Gibran obteve essa informação. As mensagens se sucediam e, com o passar dos anos, as revelações se tornavam cada vez mais proféticas, como se Gibran precisasse saber de tudo aquilo, para que pudesse utilizar aqueles conhecimentos em sua vida seguinte. E, sem dúvida, não era outra a intenção do Mestre, como Gibran foi informado numa das mensagens.
Gibran, certa vez, perguntou ao Mestre sobre o futuro da Europa, e em especial da Alemanha, após a segunda guerra. A resposta trouxe consigo imagens de crises e sofrimentos, com o povo alemão subjugado pelas nações vencedoras. Berlim surgiu dividida, com o povo alemão humilhado com a construção de um muro imenso, que impedia a passagem de um lado para outro. Muitos morreriam, na tentativa de alcançar o outro lado, para se juntar à família.
Um dia, o muro seria posto abaixo, por interferência da Hierarquia, e para a surpresa dos que julgavam essa possibilidade impossível de acontecer. O muro cairia, do dia para a noite, mas, nem por isso o povo alemão obteria uma liberdade completa. O estigma da guerra acompanharia a nação alemã por séculos, antes que a sua soberania fosse recuperada de fato e de direito.
O Mestre aproveitou para relatar sobre a nova crise financeira que abalaria o mundo depois do ano 2000, com mais uma tentativa dos banqueiros internacionais de manipular a economia das nações, de modo a mantê-las endividadas sobre o domínio de uma instituição poderosa com a sigla FMI.
Gibran foi informado que os banqueiros de diversas nações, mas principalmente os norte-americanos, se reuniriam num Banco Mundial e criariam um Fundo para emprestar dinheiro às nações mais pobres. Esses empréstimos permitiriam a intromissão nos negócios internos dessas nações, estabelecendo regras e obrigando-as a seguir ordens que favoreceriam os interesses das grandes empresas ligadas aos bancos.
Os países mais pobres receberiam empréstimos em troca de permitir a extração de suas riquezas minerais, e contrairiam dívidas que não teriam condições de quitar. Dessa forma, o controle de sua política interna e externa seria manipulado pelos países credores, que se tornariam legítimos donos dessas nações.
O mundo aceitaria essa farsa, como se o Fundo pudesse dar uma condição de vida mais digna para as nações devedoras. Na prática, as nações seriam exploradas e escravizadas, ameaçadas pela dívida, que cresceria de modo incontrolável.
Esses e outros assuntos seriam discutidos por todos os países, reunidos numa Assembleia Internacional de um organismo a ser criado após a segunda guerra sob a sigla ONU. Todos teriam direito de manter representantes na Organização, mas, as decisões seriam tomadas de acordo com a vontade dos países mais ricos e poderosos.
A sede dessa Organização ficaria em Nova Iorque, nos Estados Unidos, e funcionaria como um verdadeiro quartel-general da elite internacional, sob o comando dos Estados Unidos. Se uma nação mais fraca estivesse incomodando ou dificultando os interesses dos poderosos, seria aprovada a intervenção da Organização, e para lá se dirigiriam os exércitos de diversos países para subjugá-la.
Entre esses poderosos também havia rivalidades, com um tentando passar o outro para trás. E, tudo sob a batuta dos banqueiros internacionais, que tomavam suas decisões e as comunicavam aos governantes dos países que formavam a cúpula da Organização. E, desse modo, o mundo seria governado por mais de um século, até que um plano estratégico fracassaria, ameaçando o futuro de algumas tradicionais nações, que se colocariam contra os acordos celebrados na ONU.
Tudo começaria como uma trama dos banqueiros e das grandes multinacionais, com o apoio do Tesouro norte-americano, numa tentativa de controlar as riquezas dos países europeus. Seria criada uma moeda única para circular entre os países europeus que se reuniriam em torno de um ideal comum, com a criação da União Europeia.
A moeda chamada euro substituiria as moedas nacionais, e seria a moeda oficial circulante, aceita por todas as nações da Europa. Moedas fortes seriam desativadas, o que acarretaria o caos econômico dentro da União Europeia. Os países não teriam seus programas econômicos individuais, mas, atrelados à supervisão e fiscalização de um grande Banco Europeu, centralizando nele os planos econômicos de cada nação.
A tentativa de uma moeda única europeia escondia uma intenção de fortalecer o dólar que estava sendo sustentado pela pressão do governo norte-americano junto aos seus aliados. A moeda americana perdeu o lastro, devido à inflação provocada por uma emissão abusiva, a fim de financiar guerras e intervenções políticas dos Estados Unidos em países dominados por ditaduras a serviço do governo norte-americano.
Desvios de recursos milionários para alimentar guerras, financiar acordos e subornar governos, tudo somado à ganância dos banqueiros e dos empresários que detinham o poder das multinacionais, provocariam a quebra do sistema, gerando uma crise incontornável, que viria a estourar após 2020. Todo o sistema ruiria e a crise seria mais grave do que a de 1929.
Gibran ficou tentando imaginar a grandeza dessa crise, o que era impossível, considerando-se o que se conhecia de comércio internacional e das influências dos bancos sobre as diversas nações, naquela época de 1920.
Gibran tratou de copiar o que as mensagens diziam, e absteve-se de tentar entender a profundidade da crise. Achou melhor esperar a sua nova encarnação no Brasil, para procurar entender com maior clareza, o que o Mestre estava relatando.
Gibran cansou-se, e esperou que o Mestre finalizasse os trabalhos por aquela noite. Helga já estava dormindo, e ele precisava muito se estirar na cama, e repousar mais a mente do que o corpo. Ele largou a pena, esticou o corpo, juntou os papéis e foi dormir.
Era preciso descansar, pois, no dia seguinte, eles receberiam um dos casais amigos para jantar. E esses jantares costumavam entrar pela madrugada, tantos eram os assuntos postos à mesa. Os temas iam da política de pós-guerra aos pés de frutas que estavam carregadinhos dessa ou daquela espécie. Os homens discutiam os efeitos da guerra, as mulheres, as receitas dos doces. E, sem separações, os casais falavam dos filhos distantes e das saudades que sentiam.
Gibran já pegou no sono, afinal os assuntos na ordem do dia foram exaustivos. Os sonhos, talvez, não o deixem descansar a mente, pois há de ter levado para a cama, os polêmicos relatos do Mestre, que tanto mexeram com os seus sentimentos. Amanhã é um novo dia, e novas mensagens hão de ocupar, em sua mente, os espaços deixados vazios de véspera.