Meus caros leitores:
Às vezes, eu fico pensando que a inteligência humana está entrando em
colapso.
É verdade que a ambição desmedida e a ganância por possuir cada vez
mais, e só para si, deixa muita gente cega. Agora, tenho a impressão que depois
da cegueira vem a loucura.
Durante quase todo o ano passado, só se lia notícias sobre a queda do
nível dos reservatórios de água, a cada dia um novo percentual disponível. E
quase sempre para baixo.
Os meios de comunicação publicavam que a situação estava crítica. Os
governantes reclamavam da falta de chuva. As torneiras secando e o povo
reclamando.
De repente, choveu uma semana no sul do país, cidades ficaram inundadas
e águas foram lançadas aos rios e deles para o mar. Água doce que se misturou
com água salgada dos oceanos. Água perdida para quem precisa de água doce para
o seu consumo diário.
A cidade de São Paulo mede diariamente a sua reserva de água e publica
o resultado. A cada baixa do nível do reservatório mais angústia e medo da
seca. Providências, além de torcida e orações, nenhuma que revele de fato o
desejo de solucionar o problema.
O Tesouro Nacional, tão enfraquecido por desvios e corrupções, parece
ser a salvação. Planos e projetos envolvem milhões que não estão disponíveis. A
sensação que se tem é que se trata de uma situação rotineira, uma espécie de
solicitação de verba para a construção de uma rede de esgoto ou de um sistema
elétrico.
A rotina burocrática empaca em prazos e orçamentos, enquanto se espera
o milagre que não vem e a chuva que não cai. Será possível que algum brasileiro
ainda acredita que o que acontece em São Paulo seja um problema que diga
respeito apenas aos paulistas?
Está na hora de tomar atitudes a nível nacional. Precisamos parar de nos
preocuparmos só com as represas para a construção de usinas e de plataformas de
petróleo, e tratar de construir uma grande rede de transmissão de água, com
tubulações de alta capacidade de vazão, que possam ligar o país de Norte a Sul.
Se por causa de faturar mais, são construídas tubulações pelo deserto
para conduzir petróleo e gás, como não fazer o mesmo ou muito mais para
abastecer as regiões mais secas. É claro que isto já devia ter acontecido com o
Nordeste, mas quem sabe onde fica o nordeste do Brasil?
Seca nunca foi uma preocupação do Sul ou do Sudeste, mas agora é. O
susto ou o pavor de alguns está tomando conta das grandes cidades paulistas,
apesar da indolência da sociedade frente a necessidade urgente de encarar o
problema sem perda de tempo.
Agora, não estamos falando mais do sertão mas do centro empresarial do
país. Os retirantes sempre procuraram outras terras para fugir da seca, mas os
grandes empresários não podem colocar a bagagem nas costas e abandonar suas
fábricas.
A ironia maior é que esses mesmos empresários estão mais preocupados
com a corrupção na Petrobrás, em que muitos deles estão envolvidos, do que em
cobrar dos governantes uma prioridade absoluta para uma grande obra contra a
seca, que, tudo indica, terá vida longa.
Uma transposição absurda do rio São Francisco para atender os
interesses dos agronegócios consome milhões e não parece assustar governantes e
banqueiros. Por que não pensar num projeto semelhante que possa distribuir a
água entre os grandes reservatórios naturais e as diversas regiões do país? Por
que não levar adiante um grande projeto de coleta de água da chuva, em alta
escala, canalizando tudo que transborda e inunda cidades e desaguando em
enormes reservatórios? Cada cidade poderia ter o seu sistema próprio,
interligado aos demais.
Diriam os economistas que isso é uma fortuna, e é mesmo, porém, fortuna
bem empregada. Diriam os fatalistas, mas isto seria mais um motivo de
corrupção, e pode mesmo ser, desde que não se fiscalize. Ou a situação é
emergencial ou não se fala mais nisso. Nem se olha para o céu e nem se faz
promessa.
O que não se pode admitir é este ridículo ritual diário de anunciar a
redução do nível da Cantareira, ou de outro reservatório qualquer. Parece
pregação da Bolsa que só cai, e nunca sobe.
A sensação que a gente tem é que, um dia, após a medição, virá a
aguardada, porém temida notícia, que o reservatório secou. E agora, como
enfrentar a nova grande depressão, com a quebra não de bancos, mas de
reservatórios de água?
Na depressão financeira, muitos morreram por se suicidar, agora,
morrerão de sede. E, de braços cruzados, muitos aguardam a nova medida da água.
E suspiram se ainda restam algumas gotas a mais.
E as causas, quando serão atacadas? E as atitudes imediatas, a partir
de quando? Lenta e inexoravelmente, gota a gota, a água vai desaparecendo. A
maioria torce por mais uns pingos de chuva, muitos rezam e pedem aos santos e
uma minoria sorri calada, fazendo planos para novos negócios que explorem a
crise da falta de água.
Como é possível ter projetos para tudo, e não ter recursos para matar a
sede de um povo? Como é possível discutir-se empreendimentos para tornar o país
mais rico, se não se tem dinheiro para saciar a sede da nação sedenta por um
gole de água.
Chega de publicar diariamente a medida da água. Não interessa a ninguém,
se tem mais meio por cento ou menos um por cento, quando o resultado final será
a definitiva escassez de água. A propósito, qual é a medida da água, na tarde de
hoje? E qual é a previsão de chuva? Acho melhor irmos todos à igreja.