sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS FINAIS

CAPÍTULO VINTE E CINCO
Gibran defendia suas ideias com entusiasmo, e, vez ou outra, era interrompido com aplausos de uma plateia atenta e participativa. Os diretores não se sentiam muito confortáveis, mas nada comparado com os incômodos das autoridades, que se mexiam nas cadeiras e retorciam as mãos, denunciando a aflição que lhes ia na alma.
A escola precisa ser aberta, livre e democrática. O professor tem que rever seus métodos, e a Secretaria precisa mudar o processo e a forma de lidar com os alunos. As autoridades não podem continuar insistindo em passar adiante matérias ultrapassadas, que não mais correspondem à realidade moderna. Os pais serão forçados a reconsiderar esta ansiedade de querer fazer de seus filhos senhores doutores, famosos e ricos, trocando-a por uma visão mais equilibrada de torná-los sábios e felizes.
A sociedade precisa parar de medir o valor pessoal pela riqueza, ou pela fama e poder. Cada qual vale pelo que é, e tem o seu próprio valor. Temos missões específicas a cumprir, que são nossas, e que só nós devemos cumpri-las.
Temos de aprender a sintonizar a mente com a Fonte inesgotável de saber e poder, como fizeram os grandes mestres, em diversas áreas distintas, como Einstein, Shakespeare, Pitágoras, Platão, Beethoven, Da Vinci, Wagner, Miguel Ângelo e tantos outros.
No final de sua fala, Gibran deixou uma pergunta no ar: “até quando vamos continuar a nos enganar, fazendo de conta que assim como está vamos atingir um estágio em que as escolas formarão cidadãos que acabarão com a miséria e a violência?” Todos nós temos o dever de buscar resposta para esta pergunta, que há de definir o futuro do nosso país.
Num último arroubo de entusiasmo, ele desafiou os pais a respeitarem as opiniões de seus filhos, e não os tratarem como mercadorias que terão um preço quando adultos. “Filhos respeitem seus pais, pois não é deles a culpa pelo vazio de suas vidas. Mestres respeitem sua missão, pois nada é mais sagrado do que mostrar o caminho a um discípulo. Governantes respeitem seus cidadãos, lembrando que eles não precisam de favores, mas de oportunidades e de senso de justiça”.
– Senhores e senhoras, agradeço a atenção de todos. Não me cobrem soluções, pois não vim aqui para trazer respostas prontas, mas para levantar problemas. Espero que se ponham a buscar respostas para os tantos problemas levantados. Que surjam não as minhas soluções, nem as suas, nem as deles, mas as nossas, que sejam ideais comuns de todos nós.
– Meditem sobre o que lhes falei, e não se desculpem e nem acusem. Nós somos a solução, mas também o problema. Nós somos a mudança, mas também a estagnação e a omissão. Nós somos o ontem, mas precisamos nos transformar no amanhã. Não somos vítimas e nem culpados, nós somos os semeadores do amanhã.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
A plateia, por alguns segundos, manteve-se em silêncio. As mentes precisavam de um tempo para se refazer do impacto sofrido pelas palavras do nosso semeador. A sensação é que o salão, de repente, ficou vazio, ainda que nele permanecesse todo aquele povo inerte.
Aos poucos, como a um sinal convencionado, começaram os aplausos, que foram crescendo até se tornarem ensurdecedores. Das alas mais jovens, vinham gritos e assovios. Os mais adultos contentavam-se em bater palmas.
As pessoas, sem cessar os aplausos, começaram a se levantar e caminhar em direção ao palco. Todos queriam falar, opinar, serem ouvidas. O palestrante foi cercado e cumprimentado, e, por muitos, abraçado.
As autoridades fizeram menção de se levantar, mas a mediadora reassumiu o comando dos trabalhos, solicitando a todos que voltassem para seus lugares e permanecessem em silêncio. Ela agradeceu ao nosso semeador pelo brilhantismo de sua fala e abriu os debates em torno das questões abordadas.
As perguntas se sucediam, e eram respondidas com esclarecimentos e sugestões. A plateia, a cada comentário, aplaudia de pé, enquanto as autoridades se entreolhavam, sem saber o que fazer.
Os pais de alunos exigiam reformas, o prefeito e seus secretários preocupavam-se com a próxima eleição. O governante e seu secretariado contavam os votos, buscando identificar o número de jovens com mais de 16 anos.
Apreciando aquela cena, os nossos semeadores sorriam, conscientes que faziam o seu papel de semear ideias em terreno fértil. As autoridades estampavam um sorriso amarelo, quase que assumindo todos os erros apontados por Gibran.
O secretário de educação, convidado a dar o seu parecer, abriu a boca, mas teria sido melhor se tivesse permanecido calado. Falou pouco, e desagradou a muitos. Ele deu voltas, rodeou os problemas e não teve coragem de apontar soluções.
O corporativismo no serviço público é tão obsessivo que, mesmo não sendo acusado, o indivíduo se defende. Tudo em nome da classe política, ou, talvez, do que se convencionou denominar ética profissional.
A ética, que tanto se alega, quando se cobra uma opinião de um governante ou político, não passa de um artifício de quem tem telhado de vidro, e que tem medo de atirar um cisco que seja no telhado do vizinho.
Assim fez o nosso Secretário. Desculpou-se como se fosse ele o acusado. Desculpou, da mesma forma, o Prefeito. E, por fim, quis tirar a culpa das autoridades responsáveis pelo ensino no país. Ora, então quem deve ser chamado às falas? Quem deve responder aos reclamos populares?
Enquanto nos ocupamos dessas divagações, o Prefeito pediu a palavra. E, naquele tom discursivo, típico de campanhas e palanques, prometeu uma reforma municipal no ensino. O povo gritou o seu nome, e ele acenou para a plateia. Os nossos semeadores sorriram, certos que no dia seguinte a promessa cairia no esquecimento.
Havia chegado a hora dos agradecimentos finais e das despedidas. A plateia aplaudiu com toda educação a todas autoridades, mas reservou um entusiasmo maior para os nossos semeadores.
Muitos saíram-lhe ao encalço, mal eles deram os primeiros passos em direção à rua. No outro canto, o prefeito e sua trupe saíam de mansinho, quase sem ser notados. Com eles, lá se foram a incompetência administrativa e as tramoias políticas.
Nossos semeadores trataram de adubar a semente que haviam acabado de plantar, indo em direção ao Prefeito, estendendo-lhe a mão e parabenizando-o pela atitude corajosa de assumir publicamente a reforma no ensino da cidade.
O Prefeito agradeceu, o Secretário de Educação se encolheu. No agradecimento de um e no silêncio do outro escondiam-se os segredos das promessas e das incompetências para cumpri-las. Muitas ações não se concretizavam por absoluta falta de vontade política, que pode ser entendida como desconhecimento ou descaso pelos interesses do cidadão.
O perfil do político é este mesmo, ele só tem olhos para sua própria imagem, que costuma projetar num espelho mental, diante do qual vive a se admirar. E quando algo não ocorre ao jeito dele, é um tal de articulações, acordos, manipulações e especulações, em busca de manter o poder a qualquer custo.
O que importava é que as sementes haviam sido lançadas em terreno fértil, levando os alunos a cercarem o casal, com ideias e propostas de mudanças. Os diretores e professores, inspirados naquelas propostas, começaram a projetar planos a serem discutidos no dia seguinte.
Os fatos se repetem, de tempos em tempos. Os governantes perdem o trem da história, só preocupados com votos, eleição e distorcidos princípios de fidelidade partidária. Enquanto isto, a sociedade traça o seu destino, e deixa para os políticos a conta a ser paga.

CAPÍTULO XXVII
No ano seguinte, um novo Prefeito foi eleito, graças a compromissos sérios, estabelecidos por pressão do eleitorado. Por trás da relação de cobranças, encontrava-se o casal de semeadores, assessorando a população e orientando todos os candidatos a assumirem compromissos que dessem novas esperanças aos seus eleitores.
Não podemos dizer que venceu o melhor, mas pode-se afirmar que os três candidatos mostraram-se conscientes dos compromissos assumidos em seus discursos, deixando para o povo a escolha de sua preferência.
Nos quatro anos seguintes, a cidade progrediu como nenhuma outra no país, tornando-se referência como padrão de administração pública. A educação municipal passou a ser seguida pelos quatro cantos do país, os novos métodos de assistência social e os elevados padrões de saúde foram copiados pelas capitais dos estados, chegando a Brasília e aos Ministérios.
As autoridades queriam saber o que acontecera com aquela pequena cidade, e quem fora responsável pelos novos métodos de administração pública. Mas, quando procuraram os semeadores, não os localizaram. Eles desapareceram, e ninguém sabia informar o destino que haviam tomado.
A história daquela cidade virou uma lenda, que inspirou as demais a seguirem seus passos. Os inspiradores dos novos métodos não foram mencionados, pois os políticos tomaram seus espaços, e se vangloriavam de suas capacidades administrativas.
Quem se importava com um casal simples, que não almejava distinção e glórias? Quem seria capaz de mencionar seus nomes, como verdadeiros responsáveis por todas as benfeitorias celebradas pelas lideranças políticas? O bom senso e os interesses políticos recomendavam o silêncio, e logo tudo caiu no esquecimento.
CAPÍTULO XXVIII
Gibran e Helga haviam cumprido a primeira parte de sua missão, no Brasil. Muito mais havia a realizar, e eles não podiam perder tempo. Assim, embarcaram no tempo.
CAPÍTULO XXIX
Quando se procura relatar a história da nação brasileira, há um vazio no preâmbulo que trata do momento exato e das razões que fizeram com que a nação desse um salto para o futuro. Milagre brasileiro, era como as nações estrangeiras tentavam justificar o ocorrido.
CAPÍTULO XXX
Nada de milagres! Nada de mistérios! Um pouco de mistério para quem não crê no poder dos Mestres, não se pode negar. A verdade, porém, para quem sabe do poder do casal, além deste narrador, e que são poucos, é que tudo foi obra dos semeadores do amanhã.
FIM






sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 23 E 24

CAPÍTULO VINTE E TRÊS
Gibran prosseguiu, alteando o tom da voz, para denunciar e condenar as transferências de responsabilidade, que seriam, segundo ele, as maiores responsáveis pela decadência do ensino no país. A família não pode entregar nas mãos da escola, o destino dos seus filhos. O Estado não pode exigir do cidadão que apoie o processo educativo do país, matriculando seus filhos em escolas que não oferecem segurança e nem os tornem cidadãos. E ninguém pode cobrar dos alunos assiduidade e interesse pelas aulas, diante da obsolescência do material didático empregado nas escolas.
Ele continuou acusando as aulas, salvo exceções, de chatas, desinteressantes e destituídas de qualquer valor. Ele alegou que todos sabem disto, a começar pelos professores, que preparam suas aulas, quase sempre, às pressas, de mau humor e má vontade, entre um compromisso e outro, sempre em busca de complementar sua renda.
As autoridades fazem vistas grossas, alegando falta de verbas. As verbas são manipuladas por políticos inescrupulosos, que antes de pensar na juventude e no futuro da nação, se prendem ao partido daquele que exerce o poder. E, nessas horas, mais uma vez se faz presente a conhecida máxima: “aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei”.
No meio de tantos desmandos, fica o aluno, por sua imaturidade, agindo de modo indisciplinado, a até agressivo, descarregando nos professores e colegas toda a sua revolta, por ser obrigado a se submeter a regras que tentam transformá-lo em marionete, aceitando a encenação, e sem reclamação.
Numa das pontas, estão os pais, pressionados pelas diretorias de escolas, acusando e ameaçando seus filhos. Na outra ponta, se encontram os diretores, coordenadores e professores, perplexos e sem saber o que fazer, para controlar a insubordinação dos alunos e controlar a violência que, aos poucos, invade as salas de aula e os pátios das escolas.
Acusações, ameaças, pressões, protestos, castigos, punições e reprovações, se não passarem por uma profunda reformulação nos métodos do ensino, serão tentativas vãs de resolver um problema que está na essência, e não na forma.
O alerta que se seguiu foi direcionado para o mundo fora das quatro paredes das salas de aula. O nosso semeador chamou a atenção de como está caótico o planeta, num convívio doentio das violências urbanas com as guerras localizadas, das injustiças sociais com as agressões à natureza, da corrupção política com a decadência ética e moral nos órgãos de justiça, dos vícios com o tráfico. E concluiu, afirmando que o responsável por tudo isto é o ser humano, ou o que dá no mesmo, somos todos nós.
Será que foi este o mundo sonhado por nossos ancestrais, para deixar de herança para nós, seus filhos, netos e bisnetos? Será que foi para isto que, eles e nós mesmos, nascemos? Pensem com calma e respondam para si mesmos.
Se não era este o ideal sonhado, então, o trem da história descarrilou e saiu dos trilhos. E, o pior é que está atropelando a todos nós que, na estação, aguardávamos a hora de embarcar com um sentimento de esperança de chegar sãos e salvos à nossa sonhada estação de destino.
O que fazer para que a escola se torne um destino sonhado pelos jovens, que integrados aos seus mestres, possam realizar seus sonhos de aquisição do saber? Como ensinar aos jovens o que seja justo e correto, se o mundo insiste em maus exemplos? Como pretender estimular a disciplina, se são os pais, os professores e os governantes, os maus exemplos de desrespeito às leis e à ordem?
Mestres e alunos são peças que compõem esse emaranhado decadente de uma humanidade perdida em seus próprios erros. Não serão fórmulas velhas que resolverão os velhos problemas. A humanidade repete sistematicamente as mesmas ações, tentando encontrar soluções para problemas antigos, que exigem novas atitudes, mais consistentes e criativas.
Ninguém se pergunta o que posso fazer para mudar esse estado caótico que promove tantas e tamanhas injustiças. O que eu posso oferecer ao meu filho, para dar-lhe esperança de um mundo melhor? Que exemplo eu posso dar? O que as escolas podem oferecer de mais interessante para prender a atenção dos alunos? O que o Estado pode oferecer para estimular a qualidade do ensino, com mais qualificação no modo de transmitir conhecimentos, sem tanta preocupação em erguer obras físicas?
Que tal pensarmos menos no dinheiro e bem mais no material humano disponível, para passar e receber ensinamentos! O dinheiro é indispensável, sim, mas, se desperdiçarmos menos em futilidades e mais no professor, os alunos, certamente, agradecerão, e a nação se beneficiará como um todo.
Pensem comigo, pediu o semeador. Se estivéssemos tratando a escola como uma empresa, com o que nos preocuparíamos? Na certa, questionaríamos, durante as reuniões da diretoria: “qual é o atrativo do produto ensino que devemos usar para atrair os alunos?” “qual é o estímulo profissional para atrair os melhores professores para a nossa empresa?” “o que usar como propaganda para levar as famílias a consumir o produto escola através dos filhos?” “o que fazer para motivar os alunos a frequentarem a escola, em vez de ficar em casa ou na rua?”
Se pudéssemos resumir tudo numa questão única que envolvesse Estado e Escola, perguntaríamos: “O que se pode oferecer, além de ameaças, castigos e reprovações, para motivar os jovens a querer aprender mais e a frequentar escolas, que lhes proporcionem ambientes agradáveis, companheiros felizes e mestres sábios e dedicados?”

CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Gibran se calou por um instante e correu os olhos pela plateia. E, reiniciando a sua fala e alteando, novamente, a voz, conclamou os ouvintes a adotar novas posturas. Ele se dirigia a pessoas simples como se estivesse discursando numa assembleia da ONU ou para membros de uma Academia de Letras.
As pessoas ouviam-no atentas e entendiam muito bem o que ele estava procurando explicar. Elas eram ingênuas e pouco alfabetizadas, mas não eram burras. Elas aplaudiam-no, e mantinham a atenção fixa nele, para não perder a concentração na mensagem.
Ele dizia que estava na hora de repensarmos os caminhos da educação, e não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Era preciso buscar um novo modelo que transformasse o ato de aprender e ensinar numa ação prazerosa, em que frequentar a escola fosse um sonhado prêmio para qualquer criança.
Hoje em dia, a porta da escola é um ponto de venda de drogas. Nos corredores das escolas as drogas circulam, conduzidas por consumidores e jovens representantes do tráfico. Professores usam drogas, pais de alunos usam drogas, autoridades usam drogas. Será que é o traficante o grande vilão?
As escolas precisam tornar-se templos de sabedoria e exemplos de ética e moral. E foram transformadas em centros de consumo e vícios. O que se pode esperar do ensino praticado em locais que têm muito pouco de bons exemplos a oferecer?
Muitos devem estar horrorizados da minha coragem por fazer estas acusações dentro de uma escola. Alguém precisa falar a verdade, e que este alguém seja quem não esteja comprometido com as regras e padrões do ensino. Eu não sou nada além de um cidadão comum, igual a qualquer um que esteja sentado na plateia. Não sou governante e nem pertenço a partidos políticos. Assim, não sou situação e nem oposição.
O que estou afirmando está estampado nas páginas dos jornais e nos noticiários da TV. Não adianta tentar encobrir a realidade, imaginando que as notícias não se referem à nossa cidade, ao nosso bairro ou à nossa escola. O mundo não está mais dividido em longe ou perto, todos estão juntos, nós somos aqueles “eles” que, antes tomavam as culpas. Agora, ou solucionamos os problemas juntos ou seremos destruídos.
Os governantes estavam encolhidos nas cadeiras, torcendo para que aquele pesadelo acabasse logo. Eles colocavam as carapuças lançadas no ar por Gibran. A ingenuidade dos pais de alunos livravam-nos de assumir culpas. A empáfia dos professores impedia que percebessem a parcela de culpa que lhes cabia.
Quando os diretores e secretários pensavam que poderiam sair ilesos das acusações, Gibran afirmou em alto e bom tom que a escola ensina verdades ultrapassadas, ao passar para seus alunos definições e afirmações que já não mais são aceitas nos meios científicos. As pesquisas, segundo ele, avançam na velocidade da luz, enquanto os livros didáticos andam a passo de burro.
Aproveitando esta deixa, ele acusou as escolas de passarem para os estudantes conceitos e teorias que não dão certo, como se pode comprovar pelo fracasso das sociedades mundiais, em constantes guerras e às voltas com miséria, violência urbana e decadência moral.
As universidades formam de um modo geral doutores despreparados para o exercício de suas funções. A cada ano, são colocados no mercado de trabalho milhares de doutores, ineptos e despreparados, a maioria deles, candidatos à condição de desempregados.
As escolas precisam se tornar templos de saber, como as grandes escolas filosóficas da Grécia Antiga, que levavam os aprendizes a refletir e buscar respostas, a partir de meditações e intuições. Os mestres espirituais ensinavam seus discípulos, obrigando-os a encontrar respostas por si, e não repetindo ensinamentos que lhes fossem passados.
No mundo moderno, as lições repassadas à juventude são quase sempre viciadas e direcionadas para os interesses das elites dominantes. Os livros são impregnados de falsas doutrinas, que enfraquecem, em vez de fortalecer, as mentes. Mentiras são tratadas como verdades, e se um estudante mais afoito, discordar ou questionar o ensinamento, é chamado a atenção e ameaçado por um professor doutrinado pela política universitária.
A escola precisa voltar a ser um templo de sabedoria, um laboratório de pesquisa para a juventude, onde se vai buscar a verdade, e não um conhecimento viciado e empacotado para consumo rápido e sem discussão.
Está na hora de trocar a punição da reprovação pela satisfação da conquista do conhecimento. Chega de pressão para impor o estudo do que não desperta no jovem nenhum interesse. Vamos trocar a pressão para passar de ano e ser aprovado numa faculdade, pelo prazer de consumir conhecimentos de fato prazerosos e que sejam úteis para a vida.
Chega de querer impor verdades inquestionáveis, indiscutíveis, imutáveis. As certezas de ontem são as dúvidas de hoje, e as mentiras de amanhã. Elas não eram mentiras engendradas para enganar, mas, simplesmente, falsas verdades, superadas pelas novas revelações surgidas com a evolução humana. Elas perderam consistência com o passar do tempo e cederam espaço para novos conceitos, que, mais tarde, cederão lugar a outros princípios mais adequados e mais abrangentes que melhor respondam aos novos conhecimentos conquistados pela expansão da mente humana.
Todos merecem oportunidades de manifestar seus pensamentos, e não somente cientistas e especialistas. Segundo Albert Einstein, não era nos momentos de maior estudo que lhe surgiam as soluções para seus complexos problemas e infinitas dúvidas, mas nos instantes em que relaxava e buscava na meditação um contato direto com os mundos ocultos, onde a verdade estava escondida.
As escolas desconhecem, de um modo geral, esse modo de acessar a verdade, e insistem em repassar para os alunos as velhas e superadas fórmulas, arcaicas e decadentes. E querem que os alunos prestem atenção nas aulas! O padrão está superado, é hora de refazer o modelo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 21 E 22

CAPÍTULO VINTE E UM
A escola lembrava um formigueiro. Era gente por todo canto, circulando pelo pátio e corredores. Todos aguardavam o início de mais um Seminário, tendo como palestrantes Gibran e Helga. A sensação é que o bairro inteiro se espremia no interior da escola.
As crianças passavam correndo, como é típico das crianças. Os mais velhos, alunos das turmas mais adiantadas, conversavam pelos cantos, tentando antecipar e entender os temas que seriam debatidos no Seminário.
Os pais que raramente cruzavam o portão da escola, agrupavam-se em diversos grupos, esperando ansiosamente o início dos trabalhos. Eles desconheciam os motivos que levavam seus filhos a se interessarem tanto pelo discurso daquele casal.
Nunca qualquer outra atividade despertara tamanho interesse na comunidade. Nós, porém, sabíamos o que se passava naquele momento, naquele lugar. Sabíamos e calávamos, pois de nós era esperado mais o silêncio do que as palavras.
Ouviu-se, de repente, um borborinho crescente, vindo dos grupos mais próximos do portão. Eram eles que chegavam De mãos dadas, sorrindo e cumprimentando a todos que lhes abriam passagem, caminharam em direção à diretora da escola. Esta os aguardava de pé, junto à entrada do auditório.
Abraçaram-se e trocaram gentis cumprimentos, antes de entrarem no auditório. Dirigiram-se para a mesa principal, onde haviam duas cadeiras a eles destinadas. As demais cadeiras seriam ocupadas pelo prefeito e seus colaboradores.
Com a chegada do Prefeito e do seu secretariado, a mesa foi composta e deu-se início aos trabalhos. O nosso semeador correu os olhos pela plateia e sentiu a curiosidade, mais do que qualquer outro sentimento, estampada no rosto de cada um dos presentes. Em sua maioria, eram pessoas humildes, sem nenhuma prática de frequentar reuniões ou palestras.
Os palestrantes, membros do Governo, foram se sucedendo, desperdiçando boas oportunidades de trazer a público o debate de assuntos interessantes, e, até mesmo, polêmicos, que faziam parte do programa elaborado pela coordenação da escola. Cada um cuidava de não tocar em assuntos que pudessem comprometer a sua posição política, repetindo o mesmo lenga-lenga de sempre.
As autoridades já esboçavam os primeiros sinais de impaciência, enquanto a plateia brindava cada orador com a mais absoluta desatenção. Uns bocejavam, outros cochichavam e a maioria se mexia na cadeira, num sinal claro de desconforto.
De repente, o silêncio tomou conta do ambiente. O último palestrante encerrou a sua fala e a plateia pressentiu que chegara a hora reservada aos figurantes principais do Seminário. A mediadora começou a apresentar Gibran, destacando a sua participação voluntária nas atividades de ensino da cidade e, em especial, daquela escola. Na apresentação de Helga, mencionou-se tratar-se de uma mestra na arte de envolver crianças em atividades de pesquisa, jardinagem, artísticas e culturais.
Concluindo a apresentação do casal, foi destacada a importância da presença de ambos no momento em que a cidade buscava novos caminhos para a motivação da juventude, em relação ao estudo e à escolha de suas futuras profissões. Eles vinham defendendo novos caminhos para o ensino e um tratamento mais adequado para a motivação dos jovens.
O auditório estava lotado, com os presentes se espalhando pelos espaços além das cadeiras, ocupando escadas, corredores laterais e o largo corredor central que levava até o palco. As portas de acesso ainda davam passagem aos tradicionais retardatários, que sempre conseguem chegar atrasados.
Gibran olhou a plateia, e assim permaneceu até que se fizesse silêncio. Durante mais alguns segundos, ele se manteve calado. Então, ele abriu um sorriso e cumprimentou a todos, agradecendo-lhes a presença.
Ele começou dirigindo perguntas à plateia. A cada uma delas, o povo mais se encolhia, com medo, talvez, de ser chamado a respondê-las. A intenção dele não era obter respostas, senão deixar dúvidas nas mentes de todos os presentes. Com as dúvidas, ele pretendia encontrar respostas, à medida que fosse expondo suas ideias.
– Caros pais, o que esperam que uma escola possa fazer por seus filhos?
– Que tipo de ensino seria o melhor para o futuro dos seus filhos?
– O que esperam que seus filhos possam aprender de útil, para ser usado quando se tornarem adultos?
– Qual é o papel da escola na formação dos seus filhos?
– O que a escola pode fazer para tornar os seus filhos pessoas de bem e adultos felizes?
– Qual é a influência da escola na família, e da família na escola?
Aquele autêntico bombardeio de perguntas era lançado sobre a plateia confusa e intimidada. Alguns arregalavam os olhos, outros sorriam meio sem graça, a maioria não esboçava nenhuma reação.
Ele dirigiu-se, então, para os mais jovens, e começou uma nova sequência de perguntas.
– Por que frequentam a escola?
– O que a escola representa no seu futuro?
– O que consideram importante, no que lhes é ensinado nas aulas?
– Acreditam que o que aprendem na escola pode ajudá-los a se preparar para enfrentar o mundo?
– O que está faltando no ensino que a escola está lhes passando?
– O que julgam ser perda de tempo ter de aprender?
– O que levam da escola para casa, e o que trazem de casa para a escola?
O nosso semeador interrompeu-se e respirou profundamente, como se quisesse recuperar as energias perdidas. Em algumas perguntas, ele conseguiu reunir todo o peso da problemática do ensino no país.
Ele olhou serenamente para a plateia admirada e silenciosa, sorriu em todas as direções, fez um ar de desconsolo e disse:
– Eu não sei responder, sinceramente, eu não sei.
E, prosseguiu:
– E por que não sei?
– Porque vocês, pais e alunos, também não sabem. E, porque não sabem, eu não sei, e ninguém sabe. Não sabe o professor, não sabe o diretor, não sabe o secretário, nem sabe o ministro.
Os seus filhos vêm para a escola como o gado vai para o matadouro. Eles são obrigados por lei, por tradição, por condicionamento, enfim, eles só não vêm por serem conscientes da importância da escola como formadora de cidadania.
– E o que é cidadania? O que é ser um cidadão?
Ah, meus amigos, como é difícil exercer um direito, quando se desconhece para que serve! Como é complicado ter de fazer algo sem saber porque! Como é triste ser obrigado a aprender coisas, quando não se tem consciência de como usá-las!
E é exatamente isto que está acontecendo nas salas de aula. O aluno entra na sala, assiste as aulas, copia a matéria, estuda, ou não, para as provas, passa de ano, ou é reprovado, e, tudo isto, sem saber porque, nem pra que.
Os pais brigam com os filhos para que estudem, tirem boas notas e passem de ano. Brigam com os poderes públicos, por mais vagas e por melhor qualidade de ensino. E, depois, brigam para o acesso dos filhos às faculdades, sonhando que tenham um futuro brilhante, se tornem doutores de alguma coisa e fiquem ricos.
Gibran foi refletindo em voz alta, deixando a todos surpresos pela facilidade com que expunha a realidade de todas aquelas famílias. Se alguém da plateia fosse chamado a se expressar, não conseguiria ser mais autêntico, direto e objetivo.
O semeador continuou exprimindo a sua decepção com o ensino, afirmando que, daquela forma, todos marcham em direção a coisa nenhuma, sem se dar conta que seguem por um caminho que não sabem onde vai chegar.
Até que, um dia, segundo ele, o jovem já formado se depara com a triste realidade, diante de um mercado de trabalho seletivo e restritivo, distante de suas aspirações, alegando sua pouca experiência. A família, triste e revoltada; o jovem, deprimido e decepcionado, e as autoridades… Estas vão bem obrigado!
CAPÍTULO VINTE E DOIS
O quadro pintado por Gibran era muito triste, mas verdadeiro. A maioria dos estudantes ali presentes passariam por situação semelhante, suas famílias sofreriam e se decepcionariam. Os professores seriam cobrados, as diretoras substituídas e nada mudaria.
Gibran expôs, sem exagerar nos detalhes, as razões que levaram o ensino àquela espécie de labirinto, que por mais que se tentasse novos caminhos, só tornava mais difícil encontrar-se uma saída. As autoridades ouviam atentas, entre o incômodo com a crítica e o êxtase com a clareza das explicações.
Ele prosseguiu, lembrando que o mundo caminha para um novo tempo, quando prevalecerá uma nova ordem, em que, somente, os mais criativos e conscientes dos direitos e deveres vão obter sucesso. Cada um terá de assumir e desenvolver o seu poder para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, e só assim alcançar o sucesso. E que se entenda por sucesso, dizia ele, não a imposição da derrota a um rival ou concorrente, mas a autoafirmação, o equilíbrio perfeito das ações de avanços e recuos e a conquista da legítima sabedoria, e de como usá-la em proveito da humanidade.
Cerrando levemente os olhos, e respirando fundo, ele afirmou com firmeza e segurança – o futuro há de nos reservar muitas surpresas quanto ao que chamamos de sucesso, realização pessoal e prosperidade. O homem saiu da estrada principal que conduz aos nobres ideais, e tem pautado a sua existência numa busca tresloucada pela riqueza e pelo poder.
Está chegando a hora de retomar o verdadeiro caminho. Mudanças sempre impõem muito trabalho e enormes sacrifícios, e essa retomada não será diferente. Mudanças de postura e uma nova visão dos valores que importam de fato para a nossa realização pessoal. Tudo isto, associado a uma profunda revisão dos conceitos predominantes, refazendo-se os princípios éticos, morais, culturais e sociais.
Era necessário tomar-se alguma medida já, sem ficar transferindo a responsabilidade de mãos em mãos. Pouco vale saber quem vai realizar as mudanças, o que importa mesmo é que as mudanças precisam ser feitas. Que cada um, dentro de suas limitações, comece a tomar iniciativas, sem esperar por decisões que venham de cima.
Todos nós temos consciência do que podemos ou devemos fazer, ainda que não nos seja possível tomar decisões que estejam fora da nossa alçada. Se não tivermos certos poderes, que tenhamos coragem de pleitear junto a quem os tem, a aprovação de projetos que deem aos estudantes uma expectativa maior do seu futuro.
Os jovens perderam a esperança, por conta da falta de perspectiva, diante do que os adultos impõem como exigências para o futuro. Ocorre que ninguém pode impingir um futuro aos outros, nem estabelecer regras e padrões para o sucesso. Ideias ultrapassadas não serão jamais recebidas com agrado pelos jovens que vivem numa era de avanços científicos e tecnológicos. A sociedade clama por mudanças, a começar pela educação.


sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 19 E 20

CAPÍTULO DEZENOVE
Domingo, dia de Globo Rural.
Diante da telinha, o casal de semeadores acompanha as notícias do campo. Embevecidos, admiram paisagens e se encantam com as áreas ainda preservadas. Enchem-se de entusiasmo com o perfeito tratamento das terras para o plantio sem agrotóxicos. Entristecem-se com os animais aprisionados, para ser sacrificados.
As imagens surgem e as notícias correm. Eles comentam os fatos, criticam as atitudes dos homens e sonham com o emprego de novas ações ambientais. Eles não se conformam com os métodos cruéis de lidar com a terra e com os animais.
Eles têm a consciência plena de seus papéis de provocar mudanças, gerar novos comportamentos e transformar antigos paradigmas. E sofrem, quando se sentem impotentes para evitar tanto desperdício, agressões, ignorância e pobreza. Eles lamentam perceber o quanto a humanidade perdeu o rumo do verdadeiro progresso.
As cenas se sucedem na tela, surgem notícias das misérias do campo, das injustiças sociais contra os camponeses e dos protestos dos agricultores reclamando da dificuldade para a liberação da verba para plantio.
Falta dinheiro, a cotação do produto está em baixa, houve quebra de produção de certo produto lá fora, e por isto o seu preço interno cresce. Então, surge o alerta, é hora de plantá-lo. Mas, se houver uma supersafra, o preço vai baixar. Se isto ocorrer, não haverá uma saída, o produtor já se endividou. E novos problemas serão enfrentados. Como evitar essa roleta rural, que gira a cada ano, à espera de novas apostas.
É o cassino rural, onde a terra é a roleta, a semente é a bolinha que desliza sobre os números, que são as vontades da Mãe Natureza. As fichas são os recursos tomados como empréstimo, o Estado é o banqueiro e os agricultores, eternos jogadores.
O resultado desta sacrílega jogatina, jogada sobre o pano verde da sagrada terra, é o permanente caos, em que até mesmo o banqueiro, que em outras atividades sempre sai ganhando, aqui, pode sair perdendo.
Helga se volta para Gibran e afirma com indisfarçável revolta – “é tudo por causa da ambição”. Ele balança a cabeça concordando, e completando – “se cada qual plantasse com seus próprios recursos, se levassem em conta os naturais riscos das variações climáticas, as perdas seriam mínimas e os prejuízos irrisórios”.
As maiores perdas são dos que mais arriscaram. Quando ganham, não questionam o processo. Quando perdem, atacam as regras do jogo, buscando responsáveis e se negando a pagar as contas.
O diálogo dos dois prossegue, à medida que as imagens se alternam e as notícias se repetem. É tudo previsível, todo ano é a mesma lenga-lenga. Quem perdeu grita e quem ganhou se cala. Virá um ano em que as posições se invertem e as atitudes se repetem.
Helga não se conforma e afirma que está tudo errado. Gibran balança afirmativamente a cabeça. Ela protesta e ele reflete calado. Em sua mente, surge a pergunta: “Por que o Estado deve arcar com os prejuízos, se quando acontecem lucros, os dividendos não são rateados com os contribuintes”?
Na cabeça de Gibran não tem sentido o Governo ajudar quem perdeu no jogo agrícola. Quando se entra num jogo ou se ganha ou se perde. E, afinal de contas, cobrar ajuda do Governo é o mesmo que pedir ajuda ao povo, que é o legítimo dono do cassino. Por sinal, um dono que sempre perde, nas mãos do administrador e dos jogadores.
Nos tempos de fartura, os jogadores correm para o mercado em busca do lucro máximo. Nas épocas de quebras, o protesto e a busca de vítimas que aceitem assumir as perdas. Como o Governo jamais assume a condição de vítima, o prejuízo sobra para o contribuinte.
Gibran e Helga ficam indignados com este processo absurdo, que leva o caos ao campo, sem sinal de solução. Basta uma geada no Sul, uma seca no Nordeste ou enchentes no Sudeste, e todo o ciclo de perdas, quebras de safra e ameaça de falências se repetem. E nem uma vivalma tem a coragem de se insurgir contra essas máquinas que lucram com o fracasso alheio.
Os “com-terras” reclamam da falta de recursos para plantar, os “sem-terras”, da falta de terra para plantar. Uns a têm e não sabem o que fazer com ela; outros sonham em tê-la, sem imaginar o pesadelo de vir a entregá-la para os bancos credores.
O homem nunca mais soube conviver com a natureza, depois que abandonou a vida na floresta e se fixou nas cidades. Ele briga com os fenômenos naturais, tentando subverter o clima e as estações.
Desviam rios, aterram lagoas e invadem praias, imaginando-se impunes ao alterar a relação terra-água. Mexer nesses espaços é o mesmo que alterar o metabolismo do corpo planetário. Depois não adianta enfrentar as inundações ou estiagens com lamentos e acusações.
A chuva, o calor, o frio, o vento, a geada, são reações instintivas do corpo do planeta, semelhantes ao choro, o riso, o amor, o rancor, a frieza, do corpo humano. O homem precisa entender a natureza para interagir com ela, e não enfrentá-la com o intuito de transformá-la ao seu bel prazer.
Como imaginar que poluindo a terra se possa receber em troca fertilidade e produtividade! A humanidade apagou da memória que tudo tem vida, mesmo os objetos inanimados. Uma árvore, uma pedra, um punhado de terra, um caneco com água, tudo está vivo.
E o que dizer dos animais, o reino mais próximo do homem? Salvo raríssimas exceções, quando o homem se deixa ser o melhor amigo do seu bichinho de estimação, no mais, ele trata a todos com rara crueldade.
As criações, as granjas, os animais confinados para satisfazer o paladar humano. E o que dizer das engordas exageradas, das práticas desumanas de afastar os filhotes das mães e de manter aves despertas com o uso de iluminação artificial?
Até quando a raça humana continuará insistindo com essa presunçosa teoria de que tudo que existe no planeta foi criado somente para servi-lo ou satisfazer o seu apetite. Ou, melhor seria, simplificando a questão, quando se amará ao próximo como a si mesmo?
Mas, quem é o meu próximo, Senhor? Os meus pais, meus parentes, filhos e filhas, marido e esposa? Não somente os irmãos humanos, e todos, não só os mais próximos, mas também o animal preso no curral, a planta confinada no seu jardim, a pedra solta no leito do rio, as aves que voam sobre suas cabeças.
Tudo isto se passa na mente do nosso casal, diante da televisão. Já não falam mais, só pensam. Os dois se arriscam a trocar algumas palavras sobre o tempo que está por vir. O caçador e a sua caça repousarão juntos, às margens do rio da vida.
Eles visualizam os campos plantados, cercados por bosques preservados. Eles sabem que, dias virão em que o homem não mais matará para comer, retirando seus alimentos da terra, e só da terra, fartos e puros.
Os homens viverão em plena harmonia com os demais reinos da natureza, num encadeamento ecológico perfeito, um servindo o outro. Nada de violências, guerras ou destruições.
O êxodo das cidades de volta aos campos, construindo-se belas agrovilas, está mais próximo do que se possa imaginar. Na cidade ou no campo, as fábricas anularão seus focos poluidores. O homem terá de aprender a respeitar o homem, antes de assumir a nova consciência de conviver em paz com os seres de outros reinos.
Antes de desligar a televisão, surgiu um estimulante alento, com uma reportagem sobre uma comunidade, localizada em Santa Catarina, numa rota chamada Estrada Bonita. As pessoas viviam do artesanato e de produtos caseiros que eram ofertados aos turistas, atraídos pela beleza da região. Além das compras, os visitantes podiam conviver com o estilo de vida dos moradores, visitando suas casas e participando da produção artesanal de tudo que era posto a venda.
– É isto, este é o caminho para o amanhã, exclamou Helga. Cada qual produzindo o que sabe, e em suas próprias casas. Casas em regiões preservadas, onde as matas nativas são respeitadas e cultuadas como nossas fontes de vida.
Os compradores serão os viajantes que, enquanto passeiam e se divertem, entram em contato direto com a vida simples dos artesãos, adquirindo produtos puros, sem química ou aditivos artificiais.
Ele, sonhando com as agrovilas. Ela, vislumbrando a estrada bonita, que liga o sonho à realidade. Eles, semeando ideias, plantando as civilizações do futuro e estabelecendo as premissas do amanhã. O saco de sementes, aos poucos, estava ficando vazio.
CAPÍTULO VINTE
Com o passar do tempo, o nosso casal ia ficando conhecido na sua comunidade. Suas ideias diferentes e seus hábitos pouco comuns tornavam-se motivo de curiosidade para grande parte da vizinhança.
Os seus relacionamentos foram se estendendo, incluindo fazendeiros, médicos, professores, políticos e considerável número de comerciantes. Com todos, eles mantinham a mesma atitude, semeando conceitos criativos e simples.
Muitos dos seus vizinhos, pessoas desconfiadas e supersticiosas, julgavam-nos magos e seguidores de alguma seita misteriosa. Os mais próximos reconheciam neles princípios cristãos e atitudes humanitárias. Os mais perspicazes sabiam que eles cultuavam crenças baseadas em poderes ocultos de uma espiritualidade sagrada, mas sem religião.
Eles possuíam intensos poderes que dominavam as energias em todos os ambientes, graças às suas forças mentais. Eles pregavam o controle sobre ações e reações mediante o uso da vontade e do poder mental.
A vida seguia em frente, e o nosso casal de semeadores não perdia o passo, acelerando quando necessário, e reduzindo a marcha na hora de refrear certos impulsos inovadores, deixando o tempo fluir.
O tempo passava, e, a cada dia, eles eram mais conhecidos e respeitados. As visitas vinham em busca de conselhos sobre como se relacionar com a natureza ou lidar com doenças por meio de curas naturais. Alguns desejavam consultá-los sobre os métodos mais criativos para ensinar e prender a atenção das crianças.
Em meio a tantos visitantes, apareciam os curiosos em busca de conselhos sobre suas vidas, seus problemas e frustrações. Nenhum saía sem uma palavra amiga de estímulo, esperança ou conciliação. A paz e o amor eram ensinados, em todas as situações. Assim, aos poucos, a comunidade se tornou pacífica e participativa.
O bairro onde moravam, um dos mais carentes da cidade, foi se modificando e chamando a atenção das autoridades, pelas novas posturas do povo. A escola passou a adotar seus métodos pioneiros e criativos. O posto de saúde do bairro tornou-se o mais dinâmico e eficiente. Até mesmo, os políticos do bairro passaram a se destacar nas sessões da Câmara.
Pouco a pouco, o nosso casal passou a ter livre acesso às instituições locais, chamado para dar palestras sobre os mais variados temas. Escolas, associações de moradores e fundações de apoio às crianças eram os principais locais de suas apresentações.
A escola do bairro realizou um seminário sobre a influência das relações familiares no aproveitamento escolar dos alunos. O nosso semeador foi o principal orador, abordando a necessidade de conscientizar os pais dos alunos sobre a metodologia aplicada na escola.
Tempos depois, inspirado pelo sucesso da palestra na escola, ocorreu outro seminário sobre a medicina preventiva e os modernos métodos alternativos para se evitar doenças. O sucesso repercutiu de tal forma que mudou a postura da Secretaria de Saúde.
O próximo passo veio a ocorrer na associação de moradores, que programou um fórum de debates sobre a inclusão do trabalho de toda a família, na formação da renda familiar. A ideia parecia simplória, mas mexeu com a cabeça do povo. A sugestão de preparar a família para a execução de um trabalho conjunto, em que todos se dedicariam a tarefas diferentes buscando um objetivo comum.
Aproveitando o sucesso da série de palestras proferidas por Gibran, a creche municipal convidou Helga para dar uma série de palestras sobre os cuidados com a natureza e a importância da preservação de florestas e bosques. Sucesso absoluto! Novos convites e um sem números de oportunidades para levar os conceitos ambientais adiante.
O nosso casal, com tantos convites, vivia ocupado entre salas de reuniões e atividades na terra, entre o discurso criativo e o plantio de mudas de árvores, entre a semeadura e a colheita. Era preciso plantar, sem se descuidar da colheita. Uma e outra tinham de caminhar juntas, para evitar desperdícios.
Muitos semeavam, e o orgulho com o feito fazia com que se esquecessem da época da colheita. Outros até que colhiam bons frutos, mas, a euforia com a boa colheita fazia-os esquecerem da nova semeadura. E, assim, a continuidade do trabalho se perdia.
Gibran e Helga sabiam que a humanidade vivia um momento de rara energia, quando tudo deveria ser aproveitado e os maus hábitos de desperdício, erradicados. Eles estudavam de tudo, já que a especialização, num futuro próximo, se tornaria um hábito do passado. Todos precisariam saber de tudo um pouco, ou muito, até quanto cada um fosse capaz de absorver.
Eles estavam sendo requisitados por diversos setores da sociedade para que participassem de Associações e Conselhos. A todos agradeciam a lembrança, antes de declinar do convite. A alegação é que havia absoluta incompatibilidade entre os seus ideais reformadores e as ações limitadoras das instituições públicas ou civis.
Outra recusa permanente era a de empregos públicos, cujos convites surgiam a todo momento. Os salários eram sedutores, mas eles não se deixavam seduzir pelos ganhos, impondo como condição a liberdade de ação, o que não podia ser aceito pelos governantes.
As pessoas se admiravam com as recusas, por ser algo incomum numa cidade pequena, onde todos sonham com um emprego público. A surpresa era ainda maior, quando ouviam as justificativas apresentadas. Eles preferiam atividades sem remuneração a salário e status de um cargo público. Ideais, e não dinheiro, moviam o casal semeador.
O nosso casal de semeadores entendia que somente o trabalho a favor do coletivo se reflete de modo positivo e definido a favor de cada um individualmente. Eles se consideravam remunerados pelas energias de troca com a humanidade, que resultavam em créditos de energia vital, alimentando-os e deixando-os fortes e sadios.
Os nossos semeadores desprezavam a fama com seus falsos valores. Eles davam as costas ao poder, por considerá-lo mera ilusão de controle, que não resultava em progresso para o povo, e somente retrocesso para a evolução da espécie humana.
A pergunta que todos faziam era por que eles eram tão diferentes, tão dignos em meio a tanta indignidade, tão justos, diante de tamanhas injustiças. E para que estas questões pudessem ser respondidas e entendidas é que resolvemos contar a história do casal semeador.


sexta-feira, 30 de novembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 16. 17 E 18

CAPÍTULO DEZESSEIS
Gibran meditava e se deixava transportar para outro tempo. Ele se via numa terra estranha e falando um idioma estranho. A conversa era outra, mas os ideais eram os mesmos. Helga de um lado e seus escritos do outro eram suas únicas companhias naquelas divagações reflexivas.
Ele se via num local distante, escrevendo e conversando. O seu Mestre transmitia ondas que se materializavam em partículas, mensagens de sabedoria resultando em palavras nas folhas em branco à sua frente. Helga falando de seus canteiros de ervas e colocando pratos de sopas perfumosas e saborosas à sua frente.
Ele sabia que eram lembranças da última vida. Helga voltara com ele, e os escritos estavam arquivados em sua memória espiritual. Ela ajudava-o a relembrar os momentos e a sua memória seduzia-o a rememorar os conselhos do Mestre.
Imagens fugidias e recomendações esparsas faziam parte do quebra-cabeça. A casa simples e confortável, o quintal amplo e encanteirado. Ervas nos canteiros e na cozinha, do produtor ao consumidor.
Palavras soltas no papel, conselhos de sabedoria. Filhos percorrendo o mundo, muitas saudades. Mão na terra, riacho cortando as beiras de caminho, regas diárias e colheitas fartas. Iniciação numa vida, preparação para a outra. Agora, era a vez da outra.
Ideias, ideais e lembranças. Portais ora abertos ora fechados. Uma fenda no tempo ou o tempo sem fendas nem divisões. Hoje, o amanhã de ontem da mesma alma, ou, nova vida e outra consciência cuidando das mesmas tarefas?
Por momentos, ele parecia ouvir a voz mansa e penetrante do Mestre ditando-lhe ensinamentos e conhecimentos. De repente, ele se sentia no passado, noutra terra, noutro corpo e noutra missão. Era preciso aprender, para saber. Saber o que, perguntava ele, naquela época? Saber por quê? Não havia resposta.
Agora, ele percebia o quanto ele detinha conhecimentos. Aprendizado do nada e sem saber como explicar. O Mestre voltara, é verdade! Novas mensagens, novos conhecimentos. Mas, e as respostas que surgiam na mente, vindo de lugar nenhum! Eram conhecimentos passados, eram segredos soprados no ouvido? Quem os soprava? O Mestre, sem dúvida, o amigo e mestre Saint Germain!
As verdades que ele tanto defendia não eram ideias dele, ele era somente o mensageiro. O mensageiro da humanidade, o discípulo a serviço do Mestre, o fiel escudeiro da Fraternidade Branca. Ele semeava em solo estéril, enquanto a matéria orgânica não fertilizava o solo. Helga encontrava um pequeno espaço do terreno fértil, e ali depositava as suas sementes.
Final da tarde, o frio chegando e as tarefas em dia. Chá ou café? Sopa ou um chocolate quente? Tudo muito saboroso, pela presença adorável de Helga e a certeza de que eles nunca estavam sós. O Mestre envolvia-os de saúde, protegia-os contra tudo e todos. Nada a temer, nenhum perigo no ar. Amanhã será sempre um novo dia, ou quem sabe uma nova vida. Que diferença faria, era tudo o mesmo!


CAPÍTULO DEZESSETE
O amanhecer de um dia, o nascer de um novo sol, o surgir de novos conceitos e ideias a defender. Cada dia era uma existência própria e inteiriça, com início, meio e fim. Tarefas do cotidiano eram empreitadas espirituais de repercussão mundial.
Gibran e Helga haviam sido inspirados a denunciar a mídia, os meios de comunicação que conspiravam pelos ricos e pela distorção da verdade. As notícias veiculadas eram fabricadas em máquinas de produzir mentiras e retocadas com fios de sedução e tentação. O resultado era a propaganda enganosa, falsas denúncias, sutis agressões à honra de criaturas honestas e defesa e exaltação de corruptos e gananciosos.
Tudo em nome do progresso e das riquezas. Quem acreditasse nessa falácia, seria mais um tolo a engrossar as fileiras das massas ingênuas e controladas. Os meios de comunicação serviam o poder. O poder alimentava uma restrita comunidade de manipuladores da verdade. Esta comunidade era a responsável por espalhar inverdades e disseminar o medo nas populações. O medo era a matéria-prima do poder, a essência que mantinha as massas controladas e dominadas, sem coragem para reagir.
Gibran não se conformava e reagia contra a mídia. Esta não estava nem aí para o que Gibran dissesse ou denunciasse. Ele não acreditava na sua fraqueza, e insistia em denunciar esses manipuladores de notícias. Notícias eram falsas com um fim determinado, ou verdadeiras com a intenção de distrair as massas.
Gibran acreditava que nada era em vão, qualquer movimento agia como onda e se espalhava por todo o planeta. Se alguém começasse a repetir uma tese, logo ela seria repetida por muitos, e atingiria terras distantes. Era assim que agiam os partidários da escravidão pelos meios de comunicação, e ele responderia na mesma moeda. Ele sabia que nunca estava sozinho, e que tudo que fizesse, por mais simples que fosse, teria repercussão no mundo.
Gibran e Helga se envolveram em inúmeras atividades na cidade, e logo se tornaram conhecidos por suas ideias ambientalistas e pela seriedade com que lidavam com o poder. Eles fundaram uma associação cultural, e ali procuravam valorizar atividades que despertassem a consciência do povo para suas origens, para a história de suas famílias e para o culto às raízes e tradições de Minas.
Vamos encontrá-los na rádio local, sendo entrevistados sobre a importância da conservação da memória da cidade, mediante a construção de um museu. Eles nunca perdem tempo ou espaço. Onde quer que estejam, aproveitam as brechas para semear as suas sementes do amanhã.
Eles sabem ser convincentes, por usar uma linguagem sincera e franca, não atacando e nem condenando. Eles apenas defendem e valorizam as suas ideias. As antigas construções, em sua maioria, já tinham sido derrubadas. Contra esse descaso do poder público com a história da cidade, eles mostravam ações, de proteção ao patrimônio histórico e arquitetônico, ocorridas noutras cidades, e que resultaram em benefícios para a população.
Alguém alegou que o progresso exigia a construção de novos prédios e de novas avenidas mais amplas para atender ao crescimento das cidades. A resposta foi incisiva e imediata, “mas sem destruir o que já existe e que faz parte da história local”.
O entrevistador insistiu num progresso de mais prédios para abrigar mais gente e avenidas mais largas para receber os novos veículos. Ao ser indagado sobre essa necessidade de expandir o acesso à moradia e ao transporte, Gibran respondeu com simples perguntas: “e os espaços livres para as caminhadas, as praças para os encontros de fim de tarde, a pureza do ar para sentir a fragrância da floração de primavera e os grandes parques para o lazer dos jovens”? O que fazer além de se deslocar de automóvel, escalar enormes espigões dentro de elevadores velozes e furiosos e ficar trancado dentro de cubículos de concreto?
A cidade era pequena, mas progredia vorazmente, em direção ao destrutivo progresso das grandes cidades. Dentro em breve, novas avenidas, novos prédios e menos praças e jardins. Gibran prosseguiu pintando um quadro triste e desolador, calando o interlocutor e dando um alerta do risco em confundir progresso com ocupação desordenada do solo.
Ele mencionou outras cidades no mundo em que, a abertura de novas vias de transporte, logo se mostrou infrutífera, diante do aumento de veículos em circulação pelas modernas e convidativas vias. O tráfego piorou com a expectativa de pistas melhores, mais largas e mais bem sinalizadas, que eram atrativos a mais para serem ocupadas pelos veículos que, ou ficavam nas garagens, ou ainda estavam nas agências, à espera de comprador.
Gibran concluiu que não era expandindo as possibilidades de circulação e ocupação que os problemas urbanos seriam resolvidos, mas com planejamento e desenvolvimento que privilegiasse a qualidade de vida. E, como ele costumava dizer, qualidade de vida é pureza no ar e na água, e segurança nas ruas. O resto vem a reboque.
O jornalista que o entrevistava gaguejou, antes de reconhecer que, realmente, mais gente e mais trânsito circulando pela cidade não podiam ser creditados a favor da qualidade de vida. Gibran defendeu destinar-se mais ruas somente para pedestres, construir e preservar praças ajardinadas com pequenas conchas acústicas para recitais e, ambientes aconchegantes em ruas e largos, para a colocação de mesas e cadeiras para relaxantes bate-papos regados a café ou chá.
O casal se despediu dos ouvintes, com um alerta de que tudo que defendiam não era utopia, mas projeto de vida para um futuro sadio. Governantes e governados precisavam dar as mãos e planejar a cidade do futuro. Nada de riquezas e ostentações, mas conforto, beleza natural e vida saudável.
Aquela volta para casa foi revigorante, num sol morno e a brisa perfumada. As sementes foram lançadas numa maior quantidade pelas ondas do rádio. Muitas se perderiam às margens do caminho, outras seriam tratadas com cuidado, mas por muito pouco tempo. E poucas, muito poucas germinariam e atingiriam a consciência do povo num tempo futuro.


CAPÍTULO DEZOITO
Gibran se esticou na rede, e perguntou a Helga o que ela achou da entrevista. Ela pensou antes de responder, e disse que não esperava grande coisa, além de um burburinho entre amigos.
Se as grandes redes noticiassem algo semelhante, em rede nacional, talvez houvesse alguma repercussão que provocasse mudanças de comportamentos. Mas, uma entrevista em rádio local, para uma população pouco esclarecida, não ia influir muito. Ela só defendeu a iniciativa, para não desprezar uma chance que podia atingir uma meia dúzia de pessoas.
Gibran aproveitou a deixa para lamentar que a sociedade iludida entregasse nas mãos dos poderosos da mídia o direito de criar verdades. O que acabava prevalecendo não era a verdade em si, mas o mais moderno e as tendências predominantes a partir de pesquisas manipuladas por interesses econômicos.
Os meios de comunicação divulgam mentiras com sabor de comprovadas verdades. Os anúncios de televisão são verdadeiros primores de mentiras oficiais. A qualidade exaltada, a riqueza ofertada, o cenário fantasioso, tudo conspira para uma perfeita encenação de verdades fabricadas.
Tem gente que crê em tudo que ouve e que vê. E para justificar sua ingênua credulidade, essas pessoas afirmam que se não fosse verdade, a televisão não mostraria daquele jeito. E assim as massas se deixam manipular, enganadas por falsas notícias e argumentos enganosos.
Helga lembrou-se da conversa com amigos sobre o livre arbítrio. Ela protestara, perguntando que livre arbítrio estava sendo alegado. Livre arbítrio pode ser tudo que se imagine ser, menos livre. As opiniões são próprias ou conduzidas pelos meios de comunicação? Quem estuda os temas que são levantados pelos órgãos de imprensa? Quem avalia as afirmações dos formadores de opinião pública, antes de dar a sua opinião?
Dizia Gibran, pensando em voz alta, que o povo parecia um bando de zumbis, repetindo frases feitas, cantarolando músicas destituídas de valor e comprando produtos sem antes refletir se querem mesmo ou se precisam do monte de bugigangas oferecidas a perder de vista. Eles não passam de robôs comandados pela esperta mídia que mente dentro da lei.
A rede televisiva apregoa princípios e padrões, mas, anuncia bebidas, remédios enganosos e produtos que envenenam o corpo. O que importa mesmo é a conta milionária que sustenta campanhas publicitárias. Se o que é anunciado faz bem ou faz mal, ou não influi e nem contribui, não entra em discussão.
O telejornal acaba de noticiar uma notícia real, mas no intervalo uma propagando enganosa confunde a cabeça do cidadão. As notícias se misturam com as propagandas, dando uma sensação a quem assiste que uma está integrada à outra, e que pode confiar na mensagem do intervalo. Tudo enganação! A mentira dita em horário nobre, em rede global, passa a ser verdade.
Por tudo isto, e muito mais, as pessoas perderam o referencial da verdade. Ninguém mais se preocupa com o que diz, basta um simples desmentido e fica o dito pelo não dito. O hábito da mentira gerou o boato, que é o filho mais novo da mentira, e que já está bem crescidinho.
As propagandas enganosas se sucedem, desafiando as leis, enganando o consumidor e fazendo crescer o faturamento das empresas. As consequências ficam por conta dos grandes escritórios de advocacia que minimizam os efeitos com processos longos e inconclusivos, em sua grande maioria.
Estas reflexões tiram Helga do sério, e deixam Gibran pensativo e calado. Ela acredita que é preciso fazer alguma coisa, ele confia e espera, e enquanto espera trabalha. E para consolar Helga, ele argumenta que as pessoas ficaram acostumadas a serem comandadas, e não valorizam suas opiniões e não se dão conta que não mais tomam decisões pessoais.
Longe de se acalmar com a intervenção de Gibran, Helga ataca com maior indignação os que são levados no cabresto e reclamam de tudo. Ela ataca a sociedade dos “coitadinhos de mim”, onde todos resmungam e cobram ajuda, como se os outros, alguns que não eles, devessem assumir as suas tarefas. Quando esses outros resolvem ajudar o preço é muito caro, ainda que possa ser pago a médio e longo prazo, em prestações mensais, nem pequenas e nem suaves.
Gibran intervém, e pede para Helga se acalmar, e promete que tudo vai mudar com a chegada dos novos tempos. Ela ouve, e ele fala desses tempos que cobrarão novas atitudes, quando quem não comandar seu próprio destino não terá motivo para permanecer no mundo.
Helga pergunta: - e os manipuladores, os falsos guardiões da verdade, as redes globais e os bons mocinhos que douram as notícias enobrecendo as mentiras? Esses também perderão poderes e serão reconhecidos como inimigos da humanidade. Novas sementes formarão um novo campo humanitário, com frutos nobres e sadios, nascidos da liberdade de um solo fértil e produtivo. Os novos frutos trarão um sabor diferente à vida na Terra.
Helga olhou com um jeito meio irônico para Gibran, e exclamou: “Lá vem você com essas imagens de lavoura e campo, como se vivêssemos numa sociedade rural em outra época e lugar”.
Ele sorriu, balançou a cabeça, e preferiu mergulhar em suas reflexões. No silêncio de sua mente, ele visualizava uma nova sociedade, ordeira e hospitaleira, abrindo as portas para os visitantes e acolhendo no coração os desvalidos e ignorantes. Ela o acusava de otimista e sonhador, e talvez ela tivesse razão. Mas, ele tinha os seus motivos para ser assim.
Era melhor sonhar dormindo, pois o corpo pedia repouso. A noite chegaria trazendo paz ao sítio exterior e ao interior. O frescor da noite convidava para o aconchego da cama. Dois corpos se aqueceriam, por dentro e por fora. Mas, isto já faz parte da privacidade do casal!