sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 21 E 22

CAPÍTULO VINTE E UM
A escola lembrava um formigueiro. Era gente por todo canto, circulando pelo pátio e corredores. Todos aguardavam o início de mais um Seminário, tendo como palestrantes Gibran e Helga. A sensação é que o bairro inteiro se espremia no interior da escola.
As crianças passavam correndo, como é típico das crianças. Os mais velhos, alunos das turmas mais adiantadas, conversavam pelos cantos, tentando antecipar e entender os temas que seriam debatidos no Seminário.
Os pais que raramente cruzavam o portão da escola, agrupavam-se em diversos grupos, esperando ansiosamente o início dos trabalhos. Eles desconheciam os motivos que levavam seus filhos a se interessarem tanto pelo discurso daquele casal.
Nunca qualquer outra atividade despertara tamanho interesse na comunidade. Nós, porém, sabíamos o que se passava naquele momento, naquele lugar. Sabíamos e calávamos, pois de nós era esperado mais o silêncio do que as palavras.
Ouviu-se, de repente, um borborinho crescente, vindo dos grupos mais próximos do portão. Eram eles que chegavam De mãos dadas, sorrindo e cumprimentando a todos que lhes abriam passagem, caminharam em direção à diretora da escola. Esta os aguardava de pé, junto à entrada do auditório.
Abraçaram-se e trocaram gentis cumprimentos, antes de entrarem no auditório. Dirigiram-se para a mesa principal, onde haviam duas cadeiras a eles destinadas. As demais cadeiras seriam ocupadas pelo prefeito e seus colaboradores.
Com a chegada do Prefeito e do seu secretariado, a mesa foi composta e deu-se início aos trabalhos. O nosso semeador correu os olhos pela plateia e sentiu a curiosidade, mais do que qualquer outro sentimento, estampada no rosto de cada um dos presentes. Em sua maioria, eram pessoas humildes, sem nenhuma prática de frequentar reuniões ou palestras.
Os palestrantes, membros do Governo, foram se sucedendo, desperdiçando boas oportunidades de trazer a público o debate de assuntos interessantes, e, até mesmo, polêmicos, que faziam parte do programa elaborado pela coordenação da escola. Cada um cuidava de não tocar em assuntos que pudessem comprometer a sua posição política, repetindo o mesmo lenga-lenga de sempre.
As autoridades já esboçavam os primeiros sinais de impaciência, enquanto a plateia brindava cada orador com a mais absoluta desatenção. Uns bocejavam, outros cochichavam e a maioria se mexia na cadeira, num sinal claro de desconforto.
De repente, o silêncio tomou conta do ambiente. O último palestrante encerrou a sua fala e a plateia pressentiu que chegara a hora reservada aos figurantes principais do Seminário. A mediadora começou a apresentar Gibran, destacando a sua participação voluntária nas atividades de ensino da cidade e, em especial, daquela escola. Na apresentação de Helga, mencionou-se tratar-se de uma mestra na arte de envolver crianças em atividades de pesquisa, jardinagem, artísticas e culturais.
Concluindo a apresentação do casal, foi destacada a importância da presença de ambos no momento em que a cidade buscava novos caminhos para a motivação da juventude, em relação ao estudo e à escolha de suas futuras profissões. Eles vinham defendendo novos caminhos para o ensino e um tratamento mais adequado para a motivação dos jovens.
O auditório estava lotado, com os presentes se espalhando pelos espaços além das cadeiras, ocupando escadas, corredores laterais e o largo corredor central que levava até o palco. As portas de acesso ainda davam passagem aos tradicionais retardatários, que sempre conseguem chegar atrasados.
Gibran olhou a plateia, e assim permaneceu até que se fizesse silêncio. Durante mais alguns segundos, ele se manteve calado. Então, ele abriu um sorriso e cumprimentou a todos, agradecendo-lhes a presença.
Ele começou dirigindo perguntas à plateia. A cada uma delas, o povo mais se encolhia, com medo, talvez, de ser chamado a respondê-las. A intenção dele não era obter respostas, senão deixar dúvidas nas mentes de todos os presentes. Com as dúvidas, ele pretendia encontrar respostas, à medida que fosse expondo suas ideias.
– Caros pais, o que esperam que uma escola possa fazer por seus filhos?
– Que tipo de ensino seria o melhor para o futuro dos seus filhos?
– O que esperam que seus filhos possam aprender de útil, para ser usado quando se tornarem adultos?
– Qual é o papel da escola na formação dos seus filhos?
– O que a escola pode fazer para tornar os seus filhos pessoas de bem e adultos felizes?
– Qual é a influência da escola na família, e da família na escola?
Aquele autêntico bombardeio de perguntas era lançado sobre a plateia confusa e intimidada. Alguns arregalavam os olhos, outros sorriam meio sem graça, a maioria não esboçava nenhuma reação.
Ele dirigiu-se, então, para os mais jovens, e começou uma nova sequência de perguntas.
– Por que frequentam a escola?
– O que a escola representa no seu futuro?
– O que consideram importante, no que lhes é ensinado nas aulas?
– Acreditam que o que aprendem na escola pode ajudá-los a se preparar para enfrentar o mundo?
– O que está faltando no ensino que a escola está lhes passando?
– O que julgam ser perda de tempo ter de aprender?
– O que levam da escola para casa, e o que trazem de casa para a escola?
O nosso semeador interrompeu-se e respirou profundamente, como se quisesse recuperar as energias perdidas. Em algumas perguntas, ele conseguiu reunir todo o peso da problemática do ensino no país.
Ele olhou serenamente para a plateia admirada e silenciosa, sorriu em todas as direções, fez um ar de desconsolo e disse:
– Eu não sei responder, sinceramente, eu não sei.
E, prosseguiu:
– E por que não sei?
– Porque vocês, pais e alunos, também não sabem. E, porque não sabem, eu não sei, e ninguém sabe. Não sabe o professor, não sabe o diretor, não sabe o secretário, nem sabe o ministro.
Os seus filhos vêm para a escola como o gado vai para o matadouro. Eles são obrigados por lei, por tradição, por condicionamento, enfim, eles só não vêm por serem conscientes da importância da escola como formadora de cidadania.
– E o que é cidadania? O que é ser um cidadão?
Ah, meus amigos, como é difícil exercer um direito, quando se desconhece para que serve! Como é complicado ter de fazer algo sem saber porque! Como é triste ser obrigado a aprender coisas, quando não se tem consciência de como usá-las!
E é exatamente isto que está acontecendo nas salas de aula. O aluno entra na sala, assiste as aulas, copia a matéria, estuda, ou não, para as provas, passa de ano, ou é reprovado, e, tudo isto, sem saber porque, nem pra que.
Os pais brigam com os filhos para que estudem, tirem boas notas e passem de ano. Brigam com os poderes públicos, por mais vagas e por melhor qualidade de ensino. E, depois, brigam para o acesso dos filhos às faculdades, sonhando que tenham um futuro brilhante, se tornem doutores de alguma coisa e fiquem ricos.
Gibran foi refletindo em voz alta, deixando a todos surpresos pela facilidade com que expunha a realidade de todas aquelas famílias. Se alguém da plateia fosse chamado a se expressar, não conseguiria ser mais autêntico, direto e objetivo.
O semeador continuou exprimindo a sua decepção com o ensino, afirmando que, daquela forma, todos marcham em direção a coisa nenhuma, sem se dar conta que seguem por um caminho que não sabem onde vai chegar.
Até que, um dia, segundo ele, o jovem já formado se depara com a triste realidade, diante de um mercado de trabalho seletivo e restritivo, distante de suas aspirações, alegando sua pouca experiência. A família, triste e revoltada; o jovem, deprimido e decepcionado, e as autoridades… Estas vão bem obrigado!
CAPÍTULO VINTE E DOIS
O quadro pintado por Gibran era muito triste, mas verdadeiro. A maioria dos estudantes ali presentes passariam por situação semelhante, suas famílias sofreriam e se decepcionariam. Os professores seriam cobrados, as diretoras substituídas e nada mudaria.
Gibran expôs, sem exagerar nos detalhes, as razões que levaram o ensino àquela espécie de labirinto, que por mais que se tentasse novos caminhos, só tornava mais difícil encontrar-se uma saída. As autoridades ouviam atentas, entre o incômodo com a crítica e o êxtase com a clareza das explicações.
Ele prosseguiu, lembrando que o mundo caminha para um novo tempo, quando prevalecerá uma nova ordem, em que, somente, os mais criativos e conscientes dos direitos e deveres vão obter sucesso. Cada um terá de assumir e desenvolver o seu poder para fazer ou deixar de fazer alguma coisa, e só assim alcançar o sucesso. E que se entenda por sucesso, dizia ele, não a imposição da derrota a um rival ou concorrente, mas a autoafirmação, o equilíbrio perfeito das ações de avanços e recuos e a conquista da legítima sabedoria, e de como usá-la em proveito da humanidade.
Cerrando levemente os olhos, e respirando fundo, ele afirmou com firmeza e segurança – o futuro há de nos reservar muitas surpresas quanto ao que chamamos de sucesso, realização pessoal e prosperidade. O homem saiu da estrada principal que conduz aos nobres ideais, e tem pautado a sua existência numa busca tresloucada pela riqueza e pelo poder.
Está chegando a hora de retomar o verdadeiro caminho. Mudanças sempre impõem muito trabalho e enormes sacrifícios, e essa retomada não será diferente. Mudanças de postura e uma nova visão dos valores que importam de fato para a nossa realização pessoal. Tudo isto, associado a uma profunda revisão dos conceitos predominantes, refazendo-se os princípios éticos, morais, culturais e sociais.
Era necessário tomar-se alguma medida já, sem ficar transferindo a responsabilidade de mãos em mãos. Pouco vale saber quem vai realizar as mudanças, o que importa mesmo é que as mudanças precisam ser feitas. Que cada um, dentro de suas limitações, comece a tomar iniciativas, sem esperar por decisões que venham de cima.
Todos nós temos consciência do que podemos ou devemos fazer, ainda que não nos seja possível tomar decisões que estejam fora da nossa alçada. Se não tivermos certos poderes, que tenhamos coragem de pleitear junto a quem os tem, a aprovação de projetos que deem aos estudantes uma expectativa maior do seu futuro.
Os jovens perderam a esperança, por conta da falta de perspectiva, diante do que os adultos impõem como exigências para o futuro. Ocorre que ninguém pode impingir um futuro aos outros, nem estabelecer regras e padrões para o sucesso. Ideias ultrapassadas não serão jamais recebidas com agrado pelos jovens que vivem numa era de avanços científicos e tecnológicos. A sociedade clama por mudanças, a começar pela educação.


2 comentários:

  1. Absolutamente necessária esta mudança!

    E há tantos modelos educativos bons! E mesmo dentro dos modelos educativos tradicionais, podem-se realizar transformações que coloquem o aluno e a vida no centro da educação. E sem desperdiçar recursos. Ou melhor, talvez até dando mais sustentabilidade aos recursos. Basta ser criativo, ter o coração aberto e um grande amor para dar.

    ResponderExcluir
  2. Por acreditar nisto, Gibran e Helga, não desistem nunca.
    Eles sabem, e nós também, Jorge Vicente, que tudo é possível, se a sociedade quiser.
    Pacientemente, vamos aguardar.
    Abraço.
    Gilberto.

    ResponderExcluir