CAPÍTULO VINTE E TRÊS
Gibran prosseguiu, alteando o tom da voz, para denunciar e
condenar as transferências de responsabilidade, que seriam, segundo
ele, as maiores responsáveis pela decadência do ensino no país. A
família não pode entregar nas mãos da escola, o destino dos seus
filhos. O Estado não pode exigir do cidadão que apoie o processo
educativo do país, matriculando seus filhos em escolas que não
oferecem segurança e nem os tornem cidadãos. E ninguém pode cobrar
dos alunos assiduidade e interesse pelas aulas, diante da
obsolescência do material didático empregado nas escolas.
Ele continuou acusando as aulas, salvo exceções, de chatas,
desinteressantes e destituídas de qualquer valor. Ele alegou que
todos sabem disto, a começar pelos professores, que preparam suas
aulas, quase sempre, às pressas, de mau humor e má vontade, entre
um compromisso e outro, sempre em busca de complementar sua renda.
As autoridades fazem vistas grossas, alegando falta de verbas. As
verbas são manipuladas por políticos inescrupulosos, que antes de
pensar na juventude e no futuro da nação, se prendem ao partido
daquele que exerce o poder. E, nessas horas, mais uma vez se faz
presente a conhecida máxima: “aos amigos, tudo, aos inimigos, a
lei”.
No meio de tantos desmandos, fica o aluno, por sua imaturidade,
agindo de modo indisciplinado, a até agressivo, descarregando nos
professores e colegas toda a sua revolta, por ser obrigado a se
submeter a regras que tentam transformá-lo em marionete, aceitando a
encenação, e sem reclamação.
Numa das pontas, estão os pais, pressionados pelas diretorias de
escolas, acusando e ameaçando seus filhos. Na outra ponta, se
encontram os diretores, coordenadores e professores, perplexos e sem
saber o que fazer, para controlar a insubordinação dos alunos e
controlar a violência que, aos poucos, invade as salas de aula e os
pátios das escolas.
Acusações, ameaças, pressões, protestos, castigos, punições
e reprovações, se não passarem por uma profunda reformulação nos
métodos do ensino, serão tentativas vãs de resolver um problema
que está na essência, e não na forma.
O alerta que se seguiu foi direcionado para o mundo fora das
quatro paredes das salas de aula. O nosso semeador chamou a atenção
de como está caótico o planeta, num convívio doentio das
violências urbanas com as guerras localizadas, das injustiças
sociais com as agressões à natureza, da corrupção política com a
decadência ética e moral nos órgãos de justiça, dos vícios com
o tráfico. E concluiu, afirmando que o responsável por tudo isto é
o ser humano, ou o que dá no mesmo, somos todos nós.
Será que foi este o mundo sonhado por nossos ancestrais, para
deixar de herança para nós, seus filhos, netos e bisnetos? Será
que foi para isto que, eles e nós mesmos, nascemos? Pensem com calma
e respondam para si mesmos.
Se não era este o ideal sonhado, então, o trem da história
descarrilou e saiu dos trilhos. E, o pior é que está atropelando a
todos nós que, na estação, aguardávamos a hora de embarcar com um
sentimento de esperança de chegar sãos e salvos à nossa sonhada
estação de destino.
O que fazer para que a escola se torne um destino sonhado pelos
jovens, que integrados aos seus mestres, possam realizar seus sonhos
de aquisição do saber? Como ensinar aos jovens o que seja justo e
correto, se o mundo insiste em maus exemplos? Como pretender
estimular a disciplina, se são os pais, os professores e os
governantes, os maus exemplos de desrespeito às leis e à ordem?
Mestres e alunos são peças que compõem esse emaranhado
decadente de uma humanidade perdida em seus próprios erros. Não
serão fórmulas velhas que resolverão os velhos problemas. A
humanidade repete sistematicamente as mesmas ações, tentando
encontrar soluções para problemas antigos, que exigem novas
atitudes, mais consistentes e criativas.
Ninguém se pergunta o que posso fazer para mudar esse estado
caótico que promove tantas e tamanhas injustiças. O que eu posso
oferecer ao meu filho, para dar-lhe esperança de um mundo melhor?
Que exemplo eu posso dar? O que as escolas podem oferecer de mais
interessante para prender a atenção dos alunos? O que o Estado pode
oferecer para estimular a qualidade do ensino, com mais qualificação
no modo de transmitir conhecimentos, sem tanta preocupação em
erguer obras físicas?
Que tal pensarmos menos no dinheiro e bem mais no material humano
disponível, para passar e receber ensinamentos! O dinheiro é
indispensável, sim, mas, se desperdiçarmos menos em futilidades e
mais no professor, os alunos, certamente, agradecerão, e a nação
se beneficiará como um todo.
Pensem comigo, pediu o semeador. Se estivéssemos tratando a
escola como uma empresa, com o que nos preocuparíamos? Na certa,
questionaríamos, durante as reuniões da diretoria: “qual é o
atrativo do produto ensino que devemos usar para atrair os alunos?”
“qual é o estímulo profissional para atrair os melhores
professores para a nossa empresa?” “o que usar como propaganda
para levar as famílias a consumir o produto escola através dos
filhos?” “o que fazer para motivar os alunos a frequentarem a
escola, em vez de ficar em casa ou na rua?”
Se pudéssemos resumir tudo numa questão única que envolvesse
Estado e Escola, perguntaríamos: “O que se pode oferecer, além de
ameaças, castigos e reprovações, para motivar os jovens a querer
aprender mais e a frequentar escolas, que lhes proporcionem ambientes
agradáveis, companheiros felizes e mestres sábios e dedicados?”
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
Gibran se calou por um instante e correu os olhos pela plateia. E,
reiniciando a sua fala e alteando, novamente, a voz, conclamou os ouvintes a
adotar novas posturas. Ele se dirigia a pessoas simples como se
estivesse discursando numa assembleia da ONU ou para membros de uma
Academia de Letras.
As pessoas ouviam-no atentas e entendiam muito bem o que ele
estava procurando explicar. Elas eram ingênuas e pouco
alfabetizadas, mas não eram burras. Elas aplaudiam-no, e mantinham a
atenção fixa nele, para não perder a concentração na mensagem.
Ele dizia que estava na hora de repensarmos os caminhos da
educação, e não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Era preciso
buscar um novo modelo que transformasse o ato de aprender e ensinar
numa ação prazerosa, em que frequentar a escola fosse um sonhado
prêmio para qualquer criança.
Hoje em dia, a porta da escola é um ponto de venda de drogas. Nos
corredores das escolas as drogas circulam, conduzidas por
consumidores e jovens representantes do tráfico. Professores usam
drogas, pais de alunos usam drogas, autoridades usam drogas. Será
que é o traficante o grande vilão?
As escolas precisam tornar-se templos de sabedoria e exemplos de
ética e moral. E foram transformadas em centros de consumo e vícios.
O que se pode esperar do ensino praticado em locais que têm muito
pouco de bons exemplos a oferecer?
Muitos devem estar horrorizados da minha coragem por fazer estas
acusações dentro de uma escola. Alguém precisa falar a verdade, e
que este alguém seja quem não esteja comprometido com as regras e
padrões do ensino. Eu não sou nada além de um cidadão comum,
igual a qualquer um que esteja sentado na plateia. Não sou
governante e nem pertenço a partidos políticos. Assim, não sou
situação e nem oposição.
O que estou afirmando está estampado nas páginas dos jornais e
nos noticiários da TV. Não adianta tentar encobrir a realidade,
imaginando que as notícias não se referem à nossa cidade, ao nosso
bairro ou à nossa escola. O mundo não está mais dividido em longe
ou perto, todos estão juntos, nós somos aqueles “eles” que,
antes tomavam as culpas. Agora, ou solucionamos os problemas juntos
ou seremos destruídos.
Os governantes estavam encolhidos nas cadeiras, torcendo para que
aquele pesadelo acabasse logo. Eles colocavam as carapuças lançadas
no ar por Gibran. A ingenuidade dos pais de alunos livravam-nos de
assumir culpas. A empáfia dos professores impedia que percebessem a
parcela de culpa que lhes cabia.
Quando os diretores e secretários pensavam que poderiam sair
ilesos das acusações, Gibran afirmou em alto e bom tom que a escola
ensina verdades ultrapassadas, ao passar para seus alunos definições
e afirmações que já não mais são aceitas nos meios científicos.
As pesquisas, segundo ele, avançam na velocidade da luz, enquanto os
livros didáticos andam a passo de burro.
Aproveitando esta deixa, ele acusou as escolas de passarem para os
estudantes conceitos e teorias que não dão certo, como se pode
comprovar pelo fracasso das sociedades mundiais, em constantes
guerras e às voltas com miséria, violência urbana e decadência
moral.
As universidades formam de um modo geral doutores despreparados
para o exercício de suas funções. A cada ano, são colocados no
mercado de trabalho milhares de doutores, ineptos e despreparados, a
maioria deles, candidatos à condição de desempregados.
As escolas precisam se tornar templos de saber, como as grandes
escolas filosóficas da Grécia Antiga, que levavam os aprendizes a
refletir e buscar respostas, a partir de meditações e intuições.
Os mestres espirituais ensinavam seus discípulos, obrigando-os a
encontrar respostas por si, e não repetindo ensinamentos que lhes
fossem passados.
No mundo moderno, as lições repassadas à juventude são quase
sempre viciadas e direcionadas para os interesses das elites
dominantes. Os livros são impregnados de falsas doutrinas, que
enfraquecem, em vez de fortalecer, as mentes. Mentiras são tratadas
como verdades, e se um estudante mais afoito, discordar ou questionar
o ensinamento, é chamado a atenção e ameaçado por um professor
doutrinado pela política universitária.
A escola precisa voltar a ser um templo de sabedoria, um
laboratório de pesquisa para a juventude, onde se vai buscar a
verdade, e não um conhecimento viciado e empacotado para consumo
rápido e sem discussão.
Está na hora de trocar a punição da reprovação pela
satisfação da conquista do conhecimento. Chega de pressão para
impor o estudo do que não desperta no jovem nenhum interesse. Vamos
trocar a pressão para passar de ano e ser aprovado numa faculdade,
pelo prazer de consumir conhecimentos de fato prazerosos e que sejam
úteis para a vida.
Chega de querer impor verdades inquestionáveis, indiscutíveis,
imutáveis. As certezas de ontem são as dúvidas de hoje, e as
mentiras de amanhã. Elas não eram mentiras engendradas para
enganar, mas, simplesmente, falsas verdades, superadas pelas novas
revelações surgidas com a evolução humana. Elas perderam
consistência com o passar do tempo e cederam espaço para novos
conceitos, que, mais tarde, cederão lugar a outros princípios mais
adequados e mais abrangentes que melhor respondam aos novos
conhecimentos conquistados pela expansão da mente humana.
Todos merecem oportunidades de manifestar seus pensamentos, e não
somente cientistas e especialistas. Segundo Albert Einstein, não era
nos momentos de maior estudo que lhe surgiam as soluções para seus
complexos problemas e infinitas dúvidas, mas nos instantes em que
relaxava e buscava na meditação um contato direto com os mundos
ocultos, onde a verdade estava escondida.
As escolas desconhecem, de um modo geral, esse modo de acessar a
verdade, e insistem em repassar para os alunos as velhas e superadas
fórmulas, arcaicas e decadentes. E querem que os alunos prestem
atenção nas aulas! O padrão está superado, é hora de refazer o
modelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário