terça-feira, 6 de novembro de 2007

A Doutrina do Mestre em Versos de Ouro





Versos de Ouro de Pitágoras.
por Lísis de Tarento.
Tradução de Luis Antônio de Azevedo - 1795.

1. Honra primeiramente os deuses imortais conforme o grau de preminência, que tem destinado a lei às suas jerarquias.
2. Respeita com igual observância o juramento; depois venera os heróis cheios de bondade e de luz.
3. Rende também esta mesma veneração aos demônios subterrâneos, dando-lhes o culto, que legitimamente lhes é devido.
4. Honra com semelhante obséquio a teu pai, e a tua mãe e a teus parentes mais chegados.
5. Entre a multidão dos outros homens, tu com a tua virtude faze-te amigo de todo aquele que por ela mais se distingue.
6. Cede sempre às suas brandas advertências e relevantes ações.
7. E não te ponhas logo, por qualquer leve falta, mal com teu amigo,
8. Enquanto puderes; porque o poder mora junto da necessidade.
9. Sabe pois que assim te incumbe observar estes preceitos; mas vai contraindo hábito de vencer as paixões.
10. E primeiro que tudo a da gula, e do sono; também a da concupiscência.
11. E da ira. Nem jamais cometas ação alguma torpe, nem com outrem,
12. Nem contigo só em particular; e sobretudo peja-te de ti mesmo,
13. Em consequência disto, assim nas tuas ações, como nas tuas palavras, costuma-te a praticar a justiça,
14. e a te não portares em coisa alguma com imprudência.
15. Mas faze sempre esta reflexão, que decretado está pelo Fado a todos o morrer;
16. E que os bens da fortuna se costumam efetivamente umas vezes adquirir, outras perder.
17. No tocante ao grande número de misérias da vida, que os mortais padecem por divina fortuna,
18. Já que te é força te caiba delas por sorte alguma parte, sofre-as todas com ânimo resignado, e não te mostres impaciente.
19. O que porém te importa fazer é sanear a quebra dessas desventuras, quando estiver na tua mão; e nestes termos considera :
20. Que o Fado nem por isso permite que sobre as pessoas de bem venha grande tropel destas calamidades.
21. Ora ouvem-se fazer entre os homens muitos discursos, uns bons, outros maus;
22. Por cuja causa, nem te acovardes no exercício da virtude, nem te deixes acaso
23. Apartar do teu modo de viver; mas se por ventura se proferir alguma falsa proposição.
24. Arma-te de paciência, usando com todos de brandura. Cumpre à risca em tudo e por tudo com a máxima que te vou já inculcar:
25. Ninguém te arraste, nem por palavra, nem por obra de modo algum
26. A fazer ou dizer o que te não é conveniente.
27. Consulta e delibera sempre antes de obrar, para que não chegues a pôr em execução algumas ações ineptas, e temerárias.
28. Porquanto é de homem estolidamente desgraçado não só obrar, senão também falar sem tento, nem consideração.
29. Mas tu efeitua sim antes coisas tais que ao depois te não sirvam de tormento.
30. E não te metas a fazer coisa alguma das que não sabes; mas aprende
31. Tudo quanto cumpre saber, e deste modo passarás uma vida mui alegre e deleitosa.
32. Nem é justo, quanto ao penso do corpo, haver descuido na conservação da saúde dele;
33. Mas importa guardar uma justa mediania tanto no beber como no comer e nos exercícios.
34. Dou pois o nome de mediania a tudo aquilo que te não causar moléstia, nem aflição.
35.Costuma-te por isso a ter um tratamento aceado sim e decente, mas sem delicadeza, nem luxo.
36. E guarda-te muito de fazer qualquer daquelas ações, que trazem consigo a repreensão e vitupério de todos os homens.
37. Não faças gastos fora de tempo, como quem está muito alheio do decoro;
38.Nem tampouco sejas mesquinho. Por onde a mediania em todas as coisas é ótima.
39. Assim que faze só aquelas coisas que te não prejudicarem e considere-as bem, antes de as pores por obra.
40. Nem dês entrada ao sono em teus lânguidos e cansados olhos,
41. Senão depois de examinares a consciência discorrendo por cada uma das ações daquele dia;
42. Em que matéria transgredi? E que fiz eu ? Que obrigação indispensável deixou de ser por mim cumprida?
43. E começando desde a primeira, continua com o exame até a última de tuas ações; e depois
44. No caso que tenhas obrado mal, repreende-te; e se bem, regozija-te
45. Nestas coisas trabalha, nestas medita, nestas convém que empregues o teu amor.
46. Todas elas te sublimarão a dirigir teus passos pelos vestígios da virtude divina.
47. Sim, eu to afirmo e juro por aquele que deu à nossa alma o conhecimento do Quaternário,
48. Fonte da sucessiva natureza. Mas põe só nas mãos a esta grande obra,
49. Depois de teres pedido aos deuses que te ajudem a levar ao fim o que vás empreender. Tendo-te já prevenido e corroborado com estes requisitos,
50. Conhecerás tanto dos deuses imortais, como dos homens mortais.
51. A jerarquia, até onde não só cada um dos mencionados entes se estende, mas ainda até onde se limita.
52. Conhecerás também, segundo a lei do Deus supremo, ser em tudo análoga à natureza ;
53. De maneira que nem tu virás a conceber esperança do que não é para esperar, nem para ti será incógnita coisa alguma deste mundo.
54. Conhecerás igualmente que os homens padecem os males, a que estão sujeitos, por sua própria escolha,
55. Desgraçados homens, que não reparam nos bens que têm à mão,
56. Nem ouvidos lhe querem dar; e assim poucos chegam a saber livrarem-se de seus males.
57. Tal é a sorte que cega os entendimentos dos mortais, que por isso eles, à maneira de cilindros,
58. Rodam de uns para outros vícios, padecendo calamidades sem fim.
59. Porquanto aquele pernicioso combate, que a todos acompanha e com todos nasce, é o mesmo que, sem eles por isso atentarem, os traz enfatuados e perdidos;
60. Combate que não convém atiçar, mas sim cada um fugir dele, cedendo à razão.
61. De quantos males por certo livrarias, ó Júpiter, Pai soberano, a todos os homens,
62. No caso que a todos fizesses conhecer de que demônio eles se servem !
63. Tu porém cobra grande ânimo, visto ser divina a prosápia dos mortais,
64. A quem a sagrada Natureza, infundindo-lha, manifesta cada uma das coisas respectivas ao próprio conhecimento.
65. Das quais se de modo algum te achas participante, chegarás a conseguir o pretendido fim das máximas que te prescrevo,
66. Depois de teres curado a indisposição das paixões, e livrarás a tua alma de todos os trabalhos e moléstias.
67. Mas abstém-te dos manjares que nós temos proibido, tanto nas purificações,
68. Como no livramento d'alma, discernindo entre uns e outros; e pondera bem cada um destes preceitos,
69. Constituindo a razão mais adequada por cocheiro, para ter da parte superior as rédeas `a carreira da tua vida.
70. E se depois de te veres já despojado do corpo, chegares à pura região do etéreo assento,
71. Serás um deus imortal incorruptível e nunca mais sujeito daí por diante à jurisdição da morte.