sexta-feira, 9 de novembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 9 E 10

CAPÍTULO NOVE
O povo perguntava como seria o progresso anunciado pelo casal? Como definir esse progresso, diante de tantas carências presentes nos tempos de hoje? O progresso seria o fator saciador da fome do povo? Ou o doador das terras, das casas e dos empregos?
A sociedade deveria progredir para possuir ou conquistar para progredir? O progresso vem primeiro e só depois as conquistas sociais? É assim mesmo? Então, voltemos à pergunta inicial do povo, e tentemos entender o progresso? Se formos capazes de entendê-lo, poderemos vislumbrar as conquistas sociais. Caso contrário, passaremos a vida procurando o caminho para as sonhadas igualdades sociais, sem jamais encontrá-lo.
De onde vem o progresso? O que será preciso para atraí-lo? As pessoas ficam seguindo as notícias, como mariposas em volta da luz. Elas sabem que existe, mas não conseguem alcançar o que procuram, sem sucumbir antes de usufruir o seu conteúdo.
Aos poucos, a meta ambicionada vai sendo atingida, sem que se perceba que ela é o ideal sonhado. O processo é longo e dinâmico. A meta se transforma, à medida que dela nos aproximamos. Nós queremos sempre mais e mais, e quando alcançamos o que almejávamos, já não é mais aquilo que estamos querendo.
No meio do processo, surgem as interferências comerciais. Novas projeções são criadas para satisfazer interesses, mas são maquiadas como novos sonhos de progresso. Terras para todos que não têm. Casa própria para quem mora de aluguel. Emprego para todos, com altos salários. Escola de alta qualidade, saúde de verdade, tudo sem custo, e sem aumento de impostos.
Poderíamos ir desfilando a infinidade de sonhos que são colocados na cabeça do povo. Promessas e mentiras que custam caro, pois são promovidas pelos meios de comunicação que cobram muito dinheiro por elas. Quem paga? Os interessados em enganar o povo e se beneficiar da ingenuidade e ignorância das pessoas.
Os sonhos são vendidos sem custo, como se fosse possível adquirir direitos sem deveres. O discurso é sempre o mesmo, que o pobre já foi muito sacrificado, e não pode continuar pagando a conta. Só não é dito quem vai pagar.
O mais rico não abre mão de manter o mais pobre sob o seu domínio. O pobre sonha, um dia, reverter esta situação, assumindo o lugar do mais rico, e dominando os outros. E assim caminha a humanidade, sem sair da zona de conflito.
Os nossos semeadores ficavam horrorizados quando ouviam as promessas dos políticos de um progresso que traria fartura e riqueza para todos. Quem, como, quando, onde? As perguntas não se podiam calar. As respostas não eram ouvidas. Promessas, só promessas.
O povo cobrava casas populares, os semeadores defendiam o direito de cada qual poder construir a sua própria casa, com recursos próprios obtidos com o seu trabalho. Ninguém conseguia entendê-los, quando diziam que não se deve receber nada de graça. Eles tentavam explicar que tudo tem um preço, e quando não se declara claramente o preço do que se recebe, a cobrança virá de uma forma ilícita, ou o preço será muito maior do que se possa imaginar.
Gibran se exaltava quando defendia suas ideias contra as casas populares. Ele as considerava estigmas sociais, que discriminavam os seus moradores e, não raro, privilegiavam uma meia dúzia de apaniguados.
Da mesma forma, ele esbravejava contra a distribuição de terras, sempre privilegiando os infratores e os mais agressivos, que usavam de todos os artifícios violentos para invadir propriedades, armados e dispostos a atacar quem se pusesse à sua frente. Os mais mansos e pacatos, mesmo que mais necessitados, eram esquecidos e deixados na miséria. Esses não davam notícia e não promoviam palanques para os aproveitadores, sempre em busca de voto.
Gibran defendia reformar casas já existentes, no lugar de construir aglomerados de casinhas padronizadas, batizadas de populares. Ele entendia que o pobre que já tem a sua casa construída em terreno de sua propriedade, só precisa de um financiamento a juros baixos e de longo prazo, para ter a casa do seu jeito, uma casa com a cara do dono.
Por que desmatar uma área, quase sempre em encosta de morro, o que ainda é mais grave, para construir um ajuntamento de casas, coladas uma na outra? Que situação deprimente, dizia ele, ser discriminado socialmente como morador de casa popular!
Os custos das reformas seriam muito inferiores aos gastos com criação de loteamentos e de infraestruturas caras, como acontece com as casas populares. Os benefícios sociais seriam incomparavelmente maiores, por não ser necessário remover famílias para lugares distantes de seus amigos e parentes. Sem contar o fato de que não haveria a discriminação de pobreza vitalícia, por residir em conjuntos construídos para pobres.
Helga interferia alegando que o povo devia pedir trabalho, e não emprego. Mas, esse discurso não agradava muito, pois a maioria não quer trabalho, mas ganhar dinheiro. Emprego público é melhor ainda, pois ninguém manda em ninguém.
Helga lembrava aos que pediam mais indústrias, que empregos nessas grandes empresas são caminhos de mão dupla – festa na inauguração da fábrica, demissão em massa, na primeira crise. O povo não estava nem aí para as crises, só pensava em aproveitar as vagas iniciais. Dali em diante, era ver para crer.
Gibran voltava a insistir no papel do governante, que, como ele costumava dizer, é eleito para administrar recursos que permitam aos governados progredir com suas vocações e talentos. A distorção veio com os vícios administrativos, em que os candidatos prometem empresas e parques industriais, como geradores de empregos.
O que ninguém diz é que as indústrias modernas estão contratando cada vez menos operários, pois, são as máquinas e os computadores que se encarregam de quase tudo. No futuro, as grandes indústrias serão as que contratarão menos empregados, produzindo e faturando mais, e desempregando os iludidos que defenderam e aplaudiram suas chegadas às suas cidades.
O trabalho de fábrica, quando exige mão de obra humana, é quase sempre repetitivo, sendo poucos os operários mais qualificados. Quem trabalha para si é o dono de sua vida, é livre para criar. O empregado é submisso às ordens do patrão, e está sempre sujeito a demissões.
Ninguém pode negar a importância dos patrões para seus empregados, assim como deles para seus patrões. Quantos reconhecem essa dependência? Na verdade, são poucos, muito poucos, os patrões que se dão conta de que devem promover uma harmônica relação entre patrão e empregado. Em sua maioria, eles são ambiciosos e egoístas, e quanto maior a empresa, mais se confirma essa afirmação. Os empregados, também ambiciosos, e só pensando em si, não são dedicados e fiéis às suas empresas.
O sindicato de empregados alimenta as insatisfações e põe lenha na fogueira, ou nas caldeiras. Os sindicatos patronais subvertem o sistema, omitindo informações, invertendo números e pondo a sociedade sob a permanente ameaça de crises e demissões. Os governos, comprometidos política e economicamente com as elites do poder acabam submetendo-se a elas, permitindo os constantes ciclos caóticos da humanidade.


CAPÍTULO DEZ
Gibran e Helga não se conformavam com tanta politicagem e comprometimentos, reconhecidos por políticos locais como tramoias. Eles se lastimavam e acusavam os governantes de serem responsáveis pelo que de pior estava acontecendo ao planeta e à humanidade. Eles sabiam que não era justo acusar somente os que governam, e deixar de fora os governados. No fundo, era tudo farinha do mesmo saco.
Sem vontade própria, manipulado pelas elites e enganado pelos meios de comunicação, o trabalhador é massa de manobra dos governantes e de seus financiadores políticos, das associações da classe empresarial e dos seus próprios sindicatos.
Partidos políticos iludem os trabalhadores e convencem-nos que são melhores que os outros. Todos são hipócritas, e são desmascarados assim que assumem o poder. Antes, durante a campanha, sobram as promessas, depois de eleitos, falta tudo e não há verba para cumprir o prometido. Mentiras, só mentiras!
O povo desperdiça, e falta o essencial. Devasta o local onde ergue sua casa, e a condição ambiental vai de mal a pior. O lixo é jogado nas ruas, e reclama-se da prefeitura. Concentra-se nos grandes centros, e protesta-se contra a qualidade de vida nas cidades.
Os governantes fazem vistas grossas às atitudes desleixadas do seu povo, e assim garantem a reeleição. Não se controlam as migrações, porque se perde voto. Não se planeja o desenvolvimento urbano das cidades, pois se perde os currais eleitorais.
Os nossos semeadores visitavam a prefeitura, e tentavam convencer os administradores a pôr ordem na casa. Não tinham verba, ou não tinham caráter, não havia diferença. Eles voltavam para casa, e mais uma vez indignados, armavam seus argumentos para o dia seguinte.
Pobres semeadores, lutando contra solos estéreis. Tristes sementes, sofrendo o ataque de destrutivas pragas. Pobres solos e pobres pragas, dificultando e predando sua própria razão de ser. Povo alienado e governantes atarantados, todos correndo em busca do progresso, enquanto vão destruindo o que seus antepassados deixaram pronto.
O nosso casal não esmorece, e repete, dia a dia, o seu discurso por esses caminhos hostis. Nessas caminhadas, as hostilidades são respondidas com compreensão e as resistências com gentil paciência.
Helga, às vezes, se irrita e perde a calma, se o tema é lixo e devastação das matas. Gibran perde o bom humor com a manipulação dos pobres inocentes iludidos por eternas promessas.
Nada os abala de verdade, a ponto de fazê-los desistir. Eles sentem que um dever assumido com a vida precisa ser respeitado. Alguma coisa parece lembrá-los, a todo instante, que eles estão em missão, compromisso assumido num passado distante, que eles não sabem quando.
Quando pensam que ela desistiu, ela aparece tentando convencer as pessoas a plantar e a cuidar de seus jardins. Revistas debaixo do braço, argumentos na ponta da língua, ela folheia as seções de casa e jardim. As pessoas balançam a cabeça concordando, sem saber com o quê. Elas estão seduzidas pela matéria, e plantas, flores e jardins não fazem parte do tesouro que perseguem em busca de riquezas.
De casa em casa, de esquina em esquina, o casal semeador vai lançando ao vento suas caprichosas sementes, que insistem em cair entre os espinhos ou no meio das pedras. Os dois passam o dia falando, e voltam para casa falando.
Tolos são os que acreditam que eles se cansarão de pregar no deserto, e desistirão da missão. Quem pensa assim, não sabe do que um semeador é capaz, quando traz nas costas o saco de sementes sagradas, que frutificarão nos novos tempos.






4 comentários:

  1. Estávamos acompanhando Gilbran e Helga em um passado que nos parecia distante. De repente, em meio a uma viagem para o Rio de Janeiro, desaparecem sem deixar rastros, como que passando, de repente, de um plano material para um outro fora de nosso alcance visual.
    Agora em Semeadores do Amanhã nós os vemos, de perto, palpáveis, vivendo conosco em um tempo de sobressaltos e incertezas.
    Estão em pequena cidade do interior, morando em uma casa cercada pela vegetação. Têm um foco na luta pelo meio ambiente, defendendo os animais, a preservação da vegetação, descarte adequado do lixo e sobretudo o cuidado com as águas. A luta é árdua, pois o pressuposto é a necessidade de mudança de consciência e essa se faz de dentro para fora. Na verdade, essas crenças errôneas vêm de há muito tempo, arraigadas no entendimento da maioria da população, muitas vezes independentes da classe social. Se alguma coisa pode nos tornar diferentes, é nosso nível de consciência.
    Nesses dias, assisti a uma entrevista de um filósofo, Franklin Leopoldo Silva, falando a respeito de Hanna Arendt e acho que ainda me encontro sob o impacto das informações que ouvi. Ela se achava pessimista em relação ao ser humano, tanto no sentido de priorizar os interesses pessoais em detrimento do coletivo, quanto pela fragilidade desse mesmo ser humano, que devidamente manipulado, é capaz de ser agente de maldades e crueldades. E os tempos atuais parecem ser exatamente estes.
    Para quem se interessar o link é: https://www.youtube.com/watch?v=OCZCKiEb3-o.
    Continuamos acompanhando de perto o trabalho desse casal, esperando que, as sementes lançadas alcance terrenos férteis e possam germinar ideias de um bem coletivo, em prol da humanidade.


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  2. Meu caro, Avelino:
    Talvez, a mensagem que devemos absorver das duas obras é que o tempo não existe, e o que parecia distante, de repente, se faz presente em nossa vida atual.
    As diferenças são pontuais, mas em essência, o que se pode notar é que tudo se repete, dando a sensação que, em épocas diferentes, o homem enfrenta os mesmos desafios, e não os supera.
    A evolução humana é tão lenta, que se faz um tanto e quanto imperceptível, ainda que esta seja uma avaliação a nível espiritual.
    Enquanto a tecnologia é progressiva, a ética e a moral se arrastam e pouco evoluem.
    Quanto aos conceitos de Hanna Arendt são bons exemplos que, de tempos em tempos, surgem as atitudes a serem seguidas, mas que, de fato, são muito mais combatidas do que aceitas.
    Poucos são aqueles que, se dando conta, dessas teses filosóficas, avançadas e dignas, seguem os seus nobres e elevados conceitos.
    A maioria as despreza, preferindo as de baixo nível, que predominam num mundo de mentiras e interesses escusos.
    Aguarde os próximos capítulos, pois, tem mais, muito mais.
    Abraço.
    Gilberto.

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  3. Obrigado por toda a informação, meus queridos!

    O grande problema é que o avanço moral e filosófico não acompanha o avanço tecnológico e, por isso, temos tecnologias muito avançadas elaboradas num ponto de vista consciencial atrasado. E chama-se a isso progresso.

    No entanto, penso que a verdadeira tecnologia é a tecnologia do coração, da consciência e da mente, alicerçadas em acção e em amorosidade. Ainda é preciso muito trabalho para conseguirmos dominar essa tecnologia, que actua no interior de nós mesmos.

    Muitos abraços para todos!
    Jorge

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  4. Eu é que agradeço, Jorge Vicente,por sua presença e por seus sábios comentários.
    Abraço.
    Gilberto.

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