sexta-feira, 30 de novembro de 2018

OS SEMEADORES DO AMANHÃ - CAPÍTULOS 16. 17 E 18

CAPÍTULO DEZESSEIS
Gibran meditava e se deixava transportar para outro tempo. Ele se via numa terra estranha e falando um idioma estranho. A conversa era outra, mas os ideais eram os mesmos. Helga de um lado e seus escritos do outro eram suas únicas companhias naquelas divagações reflexivas.
Ele se via num local distante, escrevendo e conversando. O seu Mestre transmitia ondas que se materializavam em partículas, mensagens de sabedoria resultando em palavras nas folhas em branco à sua frente. Helga falando de seus canteiros de ervas e colocando pratos de sopas perfumosas e saborosas à sua frente.
Ele sabia que eram lembranças da última vida. Helga voltara com ele, e os escritos estavam arquivados em sua memória espiritual. Ela ajudava-o a relembrar os momentos e a sua memória seduzia-o a rememorar os conselhos do Mestre.
Imagens fugidias e recomendações esparsas faziam parte do quebra-cabeça. A casa simples e confortável, o quintal amplo e encanteirado. Ervas nos canteiros e na cozinha, do produtor ao consumidor.
Palavras soltas no papel, conselhos de sabedoria. Filhos percorrendo o mundo, muitas saudades. Mão na terra, riacho cortando as beiras de caminho, regas diárias e colheitas fartas. Iniciação numa vida, preparação para a outra. Agora, era a vez da outra.
Ideias, ideais e lembranças. Portais ora abertos ora fechados. Uma fenda no tempo ou o tempo sem fendas nem divisões. Hoje, o amanhã de ontem da mesma alma, ou, nova vida e outra consciência cuidando das mesmas tarefas?
Por momentos, ele parecia ouvir a voz mansa e penetrante do Mestre ditando-lhe ensinamentos e conhecimentos. De repente, ele se sentia no passado, noutra terra, noutro corpo e noutra missão. Era preciso aprender, para saber. Saber o que, perguntava ele, naquela época? Saber por quê? Não havia resposta.
Agora, ele percebia o quanto ele detinha conhecimentos. Aprendizado do nada e sem saber como explicar. O Mestre voltara, é verdade! Novas mensagens, novos conhecimentos. Mas, e as respostas que surgiam na mente, vindo de lugar nenhum! Eram conhecimentos passados, eram segredos soprados no ouvido? Quem os soprava? O Mestre, sem dúvida, o amigo e mestre Saint Germain!
As verdades que ele tanto defendia não eram ideias dele, ele era somente o mensageiro. O mensageiro da humanidade, o discípulo a serviço do Mestre, o fiel escudeiro da Fraternidade Branca. Ele semeava em solo estéril, enquanto a matéria orgânica não fertilizava o solo. Helga encontrava um pequeno espaço do terreno fértil, e ali depositava as suas sementes.
Final da tarde, o frio chegando e as tarefas em dia. Chá ou café? Sopa ou um chocolate quente? Tudo muito saboroso, pela presença adorável de Helga e a certeza de que eles nunca estavam sós. O Mestre envolvia-os de saúde, protegia-os contra tudo e todos. Nada a temer, nenhum perigo no ar. Amanhã será sempre um novo dia, ou quem sabe uma nova vida. Que diferença faria, era tudo o mesmo!


CAPÍTULO DEZESSETE
O amanhecer de um dia, o nascer de um novo sol, o surgir de novos conceitos e ideias a defender. Cada dia era uma existência própria e inteiriça, com início, meio e fim. Tarefas do cotidiano eram empreitadas espirituais de repercussão mundial.
Gibran e Helga haviam sido inspirados a denunciar a mídia, os meios de comunicação que conspiravam pelos ricos e pela distorção da verdade. As notícias veiculadas eram fabricadas em máquinas de produzir mentiras e retocadas com fios de sedução e tentação. O resultado era a propaganda enganosa, falsas denúncias, sutis agressões à honra de criaturas honestas e defesa e exaltação de corruptos e gananciosos.
Tudo em nome do progresso e das riquezas. Quem acreditasse nessa falácia, seria mais um tolo a engrossar as fileiras das massas ingênuas e controladas. Os meios de comunicação serviam o poder. O poder alimentava uma restrita comunidade de manipuladores da verdade. Esta comunidade era a responsável por espalhar inverdades e disseminar o medo nas populações. O medo era a matéria-prima do poder, a essência que mantinha as massas controladas e dominadas, sem coragem para reagir.
Gibran não se conformava e reagia contra a mídia. Esta não estava nem aí para o que Gibran dissesse ou denunciasse. Ele não acreditava na sua fraqueza, e insistia em denunciar esses manipuladores de notícias. Notícias eram falsas com um fim determinado, ou verdadeiras com a intenção de distrair as massas.
Gibran acreditava que nada era em vão, qualquer movimento agia como onda e se espalhava por todo o planeta. Se alguém começasse a repetir uma tese, logo ela seria repetida por muitos, e atingiria terras distantes. Era assim que agiam os partidários da escravidão pelos meios de comunicação, e ele responderia na mesma moeda. Ele sabia que nunca estava sozinho, e que tudo que fizesse, por mais simples que fosse, teria repercussão no mundo.
Gibran e Helga se envolveram em inúmeras atividades na cidade, e logo se tornaram conhecidos por suas ideias ambientalistas e pela seriedade com que lidavam com o poder. Eles fundaram uma associação cultural, e ali procuravam valorizar atividades que despertassem a consciência do povo para suas origens, para a história de suas famílias e para o culto às raízes e tradições de Minas.
Vamos encontrá-los na rádio local, sendo entrevistados sobre a importância da conservação da memória da cidade, mediante a construção de um museu. Eles nunca perdem tempo ou espaço. Onde quer que estejam, aproveitam as brechas para semear as suas sementes do amanhã.
Eles sabem ser convincentes, por usar uma linguagem sincera e franca, não atacando e nem condenando. Eles apenas defendem e valorizam as suas ideias. As antigas construções, em sua maioria, já tinham sido derrubadas. Contra esse descaso do poder público com a história da cidade, eles mostravam ações, de proteção ao patrimônio histórico e arquitetônico, ocorridas noutras cidades, e que resultaram em benefícios para a população.
Alguém alegou que o progresso exigia a construção de novos prédios e de novas avenidas mais amplas para atender ao crescimento das cidades. A resposta foi incisiva e imediata, “mas sem destruir o que já existe e que faz parte da história local”.
O entrevistador insistiu num progresso de mais prédios para abrigar mais gente e avenidas mais largas para receber os novos veículos. Ao ser indagado sobre essa necessidade de expandir o acesso à moradia e ao transporte, Gibran respondeu com simples perguntas: “e os espaços livres para as caminhadas, as praças para os encontros de fim de tarde, a pureza do ar para sentir a fragrância da floração de primavera e os grandes parques para o lazer dos jovens”? O que fazer além de se deslocar de automóvel, escalar enormes espigões dentro de elevadores velozes e furiosos e ficar trancado dentro de cubículos de concreto?
A cidade era pequena, mas progredia vorazmente, em direção ao destrutivo progresso das grandes cidades. Dentro em breve, novas avenidas, novos prédios e menos praças e jardins. Gibran prosseguiu pintando um quadro triste e desolador, calando o interlocutor e dando um alerta do risco em confundir progresso com ocupação desordenada do solo.
Ele mencionou outras cidades no mundo em que, a abertura de novas vias de transporte, logo se mostrou infrutífera, diante do aumento de veículos em circulação pelas modernas e convidativas vias. O tráfego piorou com a expectativa de pistas melhores, mais largas e mais bem sinalizadas, que eram atrativos a mais para serem ocupadas pelos veículos que, ou ficavam nas garagens, ou ainda estavam nas agências, à espera de comprador.
Gibran concluiu que não era expandindo as possibilidades de circulação e ocupação que os problemas urbanos seriam resolvidos, mas com planejamento e desenvolvimento que privilegiasse a qualidade de vida. E, como ele costumava dizer, qualidade de vida é pureza no ar e na água, e segurança nas ruas. O resto vem a reboque.
O jornalista que o entrevistava gaguejou, antes de reconhecer que, realmente, mais gente e mais trânsito circulando pela cidade não podiam ser creditados a favor da qualidade de vida. Gibran defendeu destinar-se mais ruas somente para pedestres, construir e preservar praças ajardinadas com pequenas conchas acústicas para recitais e, ambientes aconchegantes em ruas e largos, para a colocação de mesas e cadeiras para relaxantes bate-papos regados a café ou chá.
O casal se despediu dos ouvintes, com um alerta de que tudo que defendiam não era utopia, mas projeto de vida para um futuro sadio. Governantes e governados precisavam dar as mãos e planejar a cidade do futuro. Nada de riquezas e ostentações, mas conforto, beleza natural e vida saudável.
Aquela volta para casa foi revigorante, num sol morno e a brisa perfumada. As sementes foram lançadas numa maior quantidade pelas ondas do rádio. Muitas se perderiam às margens do caminho, outras seriam tratadas com cuidado, mas por muito pouco tempo. E poucas, muito poucas germinariam e atingiriam a consciência do povo num tempo futuro.


CAPÍTULO DEZOITO
Gibran se esticou na rede, e perguntou a Helga o que ela achou da entrevista. Ela pensou antes de responder, e disse que não esperava grande coisa, além de um burburinho entre amigos.
Se as grandes redes noticiassem algo semelhante, em rede nacional, talvez houvesse alguma repercussão que provocasse mudanças de comportamentos. Mas, uma entrevista em rádio local, para uma população pouco esclarecida, não ia influir muito. Ela só defendeu a iniciativa, para não desprezar uma chance que podia atingir uma meia dúzia de pessoas.
Gibran aproveitou a deixa para lamentar que a sociedade iludida entregasse nas mãos dos poderosos da mídia o direito de criar verdades. O que acabava prevalecendo não era a verdade em si, mas o mais moderno e as tendências predominantes a partir de pesquisas manipuladas por interesses econômicos.
Os meios de comunicação divulgam mentiras com sabor de comprovadas verdades. Os anúncios de televisão são verdadeiros primores de mentiras oficiais. A qualidade exaltada, a riqueza ofertada, o cenário fantasioso, tudo conspira para uma perfeita encenação de verdades fabricadas.
Tem gente que crê em tudo que ouve e que vê. E para justificar sua ingênua credulidade, essas pessoas afirmam que se não fosse verdade, a televisão não mostraria daquele jeito. E assim as massas se deixam manipular, enganadas por falsas notícias e argumentos enganosos.
Helga lembrou-se da conversa com amigos sobre o livre arbítrio. Ela protestara, perguntando que livre arbítrio estava sendo alegado. Livre arbítrio pode ser tudo que se imagine ser, menos livre. As opiniões são próprias ou conduzidas pelos meios de comunicação? Quem estuda os temas que são levantados pelos órgãos de imprensa? Quem avalia as afirmações dos formadores de opinião pública, antes de dar a sua opinião?
Dizia Gibran, pensando em voz alta, que o povo parecia um bando de zumbis, repetindo frases feitas, cantarolando músicas destituídas de valor e comprando produtos sem antes refletir se querem mesmo ou se precisam do monte de bugigangas oferecidas a perder de vista. Eles não passam de robôs comandados pela esperta mídia que mente dentro da lei.
A rede televisiva apregoa princípios e padrões, mas, anuncia bebidas, remédios enganosos e produtos que envenenam o corpo. O que importa mesmo é a conta milionária que sustenta campanhas publicitárias. Se o que é anunciado faz bem ou faz mal, ou não influi e nem contribui, não entra em discussão.
O telejornal acaba de noticiar uma notícia real, mas no intervalo uma propagando enganosa confunde a cabeça do cidadão. As notícias se misturam com as propagandas, dando uma sensação a quem assiste que uma está integrada à outra, e que pode confiar na mensagem do intervalo. Tudo enganação! A mentira dita em horário nobre, em rede global, passa a ser verdade.
Por tudo isto, e muito mais, as pessoas perderam o referencial da verdade. Ninguém mais se preocupa com o que diz, basta um simples desmentido e fica o dito pelo não dito. O hábito da mentira gerou o boato, que é o filho mais novo da mentira, e que já está bem crescidinho.
As propagandas enganosas se sucedem, desafiando as leis, enganando o consumidor e fazendo crescer o faturamento das empresas. As consequências ficam por conta dos grandes escritórios de advocacia que minimizam os efeitos com processos longos e inconclusivos, em sua grande maioria.
Estas reflexões tiram Helga do sério, e deixam Gibran pensativo e calado. Ela acredita que é preciso fazer alguma coisa, ele confia e espera, e enquanto espera trabalha. E para consolar Helga, ele argumenta que as pessoas ficaram acostumadas a serem comandadas, e não valorizam suas opiniões e não se dão conta que não mais tomam decisões pessoais.
Longe de se acalmar com a intervenção de Gibran, Helga ataca com maior indignação os que são levados no cabresto e reclamam de tudo. Ela ataca a sociedade dos “coitadinhos de mim”, onde todos resmungam e cobram ajuda, como se os outros, alguns que não eles, devessem assumir as suas tarefas. Quando esses outros resolvem ajudar o preço é muito caro, ainda que possa ser pago a médio e longo prazo, em prestações mensais, nem pequenas e nem suaves.
Gibran intervém, e pede para Helga se acalmar, e promete que tudo vai mudar com a chegada dos novos tempos. Ela ouve, e ele fala desses tempos que cobrarão novas atitudes, quando quem não comandar seu próprio destino não terá motivo para permanecer no mundo.
Helga pergunta: - e os manipuladores, os falsos guardiões da verdade, as redes globais e os bons mocinhos que douram as notícias enobrecendo as mentiras? Esses também perderão poderes e serão reconhecidos como inimigos da humanidade. Novas sementes formarão um novo campo humanitário, com frutos nobres e sadios, nascidos da liberdade de um solo fértil e produtivo. Os novos frutos trarão um sabor diferente à vida na Terra.
Helga olhou com um jeito meio irônico para Gibran, e exclamou: “Lá vem você com essas imagens de lavoura e campo, como se vivêssemos numa sociedade rural em outra época e lugar”.
Ele sorriu, balançou a cabeça, e preferiu mergulhar em suas reflexões. No silêncio de sua mente, ele visualizava uma nova sociedade, ordeira e hospitaleira, abrindo as portas para os visitantes e acolhendo no coração os desvalidos e ignorantes. Ela o acusava de otimista e sonhador, e talvez ela tivesse razão. Mas, ele tinha os seus motivos para ser assim.
Era melhor sonhar dormindo, pois o corpo pedia repouso. A noite chegaria trazendo paz ao sítio exterior e ao interior. O frescor da noite convidava para o aconchego da cama. Dois corpos se aqueceriam, por dentro e por fora. Mas, isto já faz parte da privacidade do casal!




2 comentários:

  1. Esse casal é maravilhoso e nos ensina tanta coisa! E novamente tanto por dizer, tanto que ficará por dizer também!

    Quando o mestre reflectiu sobre a questão do livre arbítrio, eu me lembrei da questão da dependência e da independência. Há muita gente que se diz independente e eu pergunto: independente em que aspecto? Porque já não vive em casa dos pais? Porque tem emprego, diploma e ganha o seu dinheiro? E é independente dos anúncios publicitários? Das artimanhas da média, das notícias televisivas. Normalmente, se calhar é tão dependente como qualquer pessoa que vive dependente fisicamente da família. Penso que a verdadeira independência implica um grande questionamento interior, saber ter memória e cultura (fundamental para os dias de hoje e, não só para o património como Gibran bem explicou, mas para tomar decisões conscientes nada dependentes das notícias da média. E, finalmente, seguir com todo o seu coração a sua missão <3

    Muitos abraços para todos
    Jorge

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  2. Poucos se dão conta, Jorge Vicente, da prisão em que vivem.
    Eles não podem fazer o que querem, mas o que as rotinas sociais e profissionais permitem.
    O que é a liberdade?
    Viver sob as ordens alheias, sob o horário e critérios morais do patrão, este modo de vida é viver livre e ser independente?
    A maioria prefere se sujeitar a isto e passar para o controle do chefe o seu modo de viver.
    Se cometer erros dirá que só estava cumprindo ordens.
    Um dia, isto vai mudar, a nova safra de seres humanos vai transformar o mundo.
    Abraço.
    Gilberto.

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