sexta-feira, 28 de setembro de 2018

MEMÓRIAS DE UM PROFETA - CAPÍTULOS 28, 29 E 30

CAPÍTULO VINTE E OITO
Gibran sentiu uma energia mais intensa e percebeu que a mensagem que estava chegando tratava de fatos mais próximos, tanto em tempo como espaço. As mensagens proféticas vinham tomando todo o seu tempo há cerca de um ano. Ele já se acostumara com o padrão de vibração daquelas energias que projetavam um mundo futuro.
Agora, não! Eis que ele percebia que a energia era mais intensa, como se a proximidade do tempo intensificasse o padrão vibratório. Mal começou a escrever as primeiras linhas, surgiu uma recomendação do Mestre para que entrasse em contacto com certa pessoa que revelaria o que seria a educação do futuro.
O nome lhe era desconhecido, o que não chegava a surpreender, pois, ele vivia quase que isolado do mundo. Durante os últimos anos, fosse pela guerra, fosse pelos hábitos, cada dia mais reservados e restritos a muito trabalho e poucos amigos, Gibran e Helga haviam se distanciado dos acontecimentos de pós-guerra.
Rudolf Steiner era um nome que nada lhe dizia de novo. E, fora este nome que surgiu na mensagem do Mestre, com a recomendação de que fosse procurado, no próximo dia 30 de março.
Gibran não sabia onde encontrar o senhor Steiner, e nem mesmo quem era e o que teria de aprender com ele. A consulta a um dos amigos mais chegados, e que sempre se mantinha atualizado com as notícias do mundo, trouxe ao seu conhecimento que se tratava de um educador revolucionário que havia fundado junto deles, ali mesmo em Stuttgart, uma escola diferenciada.
Gibran ouviu algumas informações que lhe despertaram o interesse em conhecer o tal senhor Steiner. Ele fundara, a pedido dos operários da fábrica Waldorf Astoria, estimulado pelo proprietário, uma escola revolucionária que se dedicava a estudar o ser humano em corpo, alma e espírito. E essa escola era ali pertinho, no centro de Stuttgart. E, ainda que ela se localizasse na outra extremidade do mundo, ele visitaria a escola, pois fora esta a recomendação do seu Mestre.
Em sua mensagem, o Mestre revelou que as tradicionais escolas ainda sobreviveriam com a sua forma arcaica de ensino até meados do primeiro século do terceiro milênio. Em torno de 2050, inspiradas na teoria de Steiner, as novas escolas começariam a se espalhar pelo mundo, passando a formar cidadãos bem preparados para servir a humanidade.
Gibran confirmou a data. Era 24 de fevereiro, e o dia 30 de março ainda estava distante. Ele começou a fazer seus planos para encontrar Rudolf Steiner, e para isto contou com a ajuda do amigo Wilhelm. Este era muito bem informado, e tinha boas relações na sociedade de Stuttgart.
Dois dias depois, Wilhelm confirmou o encontro para o dia 30 do mês seguinte. O contacto com um dos diretores da fábrica e amigo do seu proprietário, Emil Molt, foi rápido e direto, e a entrevista com o Sr. Molt foi cordial e muito bem recebida. Molt ficou muito interessado na figura de Gibran, enaltecida pelo amigo Wilhelm, como um sábio e verdadeiro profeta.
Rudolf Steiner tinha marcado uma visita exatamente para o dia 30, e nela reservou-se uma hora para que Gibran conversasse com aquele enigmático ícone da nova pedagogia, exaltado por Mestre Saint Germain como o pai da educação do futuro.
Gibran achou muito interessante a visita de Steiner estar prevista para o dia em que o Mestre recomendara como o ideal para o encontro. Interessante, mas não surpreso, pois ele sabia muito bem do poder do Mestre.
Ele ficou esperando que o Mestre revelasse o que perguntar ou conversar com Steiner, mas, nos dias que antecederam o encontro, nenhuma mensagem chegou, nenhuma intuição foi capaz de orientá-lo ou inspirá-lo para a entrevista. Ele ficou nervoso, com medo de não ser capaz de manter um diálogo à altura com Steiner, que ele já havia se informado ser um homem muito culto e inteligente.
O tempo corria e a data do encontro se aproximava. As mensagens não se interromperam, mas os assuntos eram outros, e sobre a educação do futuro, nem sombra. O Mestre entregou nas mãos de Gibran a empreitada de extrair de Steiner tudo que serviria como base para o que deveria ficar registrado como a educação do futuro.
Gibran aceitou o desafio, e pôs-se a se informar com o amigo Wilhelm a respeito de Rudolf Steiner e seus métodos de ensino. O amigo transferiu suas dúvidas para o Senhor Holt, dono da fábrica de cigarros Waldorf Astoria, onde o ensino pioneiro de Steiner havia sido introduzido há bem pouco tempo. E este respondeu a Wilhelm todas as perguntas que lhe foram encaminhadas, com boa vontade e bom humor.
O ano era o de 1922, o filósofo e educador austríaco teria somente mais três anos de vida. Gibran desconhecia isso, mas, esse era um dos motivos por que o Mestre acelerou o encontro de Gibran com Steiner. Urgia extrair dele, nesse pouco espaço de tempo, a verdadeira essência da sua metodologia. Esta era uma estratégia da Hierarquia, e caberia a Gibran materializá-la.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
Gibran despediu-se de Helga, entrou no Opel de seu amigo Wilhelm, que fez questão de conduzi-lo em seu automóvel, modelo que vinha fazendo sucesso na Alemanha, muito apreciado pelos médicos por sua robustez, principalmente em estradas de terra.
A simplicidade e a lucidez de Rudolf Steiner encantaram Gibran. Ele procurou entender detalhadamente tudo sobre a pedagogia Waldorf, como era conhecida a metodologia de Steiner. O filósofo não poupou informações, passando para Gibran o conceito básico, os princípios e os objetivos a serem alcançados.
O sistema estava sendo experimentado há pouco mais de um ano, e os resultados iniciais vinham sendo muito promissores. O conceito do sistema era educar com liberdade e responsabilidade. Os princípios adotados buscavam estimular as crianças a valorizar as relações humanas, cultivar o respeito ao semelhante e à natureza.
A conversa foi sendo prolongada, à medida que Gibran pedia uma explicação mais minuciosa sobre este ou aquele conceito defendido por Steiner. Wilhelm apreciava a conversa dos dois, em completo êxtase. Ele não imaginava que seu amigo Gibran possuísse tamanha cultura e tantos conhecimentos.
A entrevista durou mais de 3 horas, e só foi encerrada por interferência de Wilhelm, que lembrou a Gibran que deveriam fazer o caminho de volta antes do anoitecer. Ele era motorista há pouco tempo, e não se sentia seguro de dirigir à noite.
Gibran concluiu suas anotações, agradeceu a Steiner com um forte aperto de mão e recebeu em troca um forte abraço. Os dois pareciam velhos amigos. Despedidas feitas e endereços postais trocados entre os dois, o bravo Opel retomou a estrada e se pôs a caminho de casa.
Gibran não se continha, e falava sem parar. Wilhelm tentava acompanhar o discurso do amigo, mas, muitas das ideias eram perdidas entre uma curva e outra e sempre que um buraco se aproximava no meio do caminho. A viagem para Gibran passou sem que ele notasse, enquanto que, a preocupação com a chegada da noite e com a aproximação de cada curva da estrada fazia com que a viagem se alongasse.
Enfim, a última curva na estrada e a chegada em casa. Helga esperava-os no portão, com um sorriso nos lábios e com uma panela de sopa de ervas no fogão. Entraram, jogaram uma água no rosto, lavaram as mãos e se sentaram à mesa.
Gibran não sabia se saciava a fome ou a curiosidade de Helga. Wilhelm livre de semelhante dúvida, já estava na terceira ou quarta colherada de sopa, quando Gibran concluiu por onde começar. Ele optou pela sopa, não pela fome, que nem era tanta, mas, para fazer companhia ao amigo, que se mostrara solícito e gentil, durante toda a viagem, e paciente, ao longo da entrevista.
Helga controlou a ansiedade, ao perceber que Gibran acompanhava o amigo no saborear da sopa, e decidiu fazer o mesmo. Calados, sorveram o conteúdo de cada tigela, até a última gota. Com a desculpa de cansaço, os amigos se abraçaram e despediram-se, não sem antes se ouvir muitos agradecimentos, da parte de Gibran e Helga, e insistentes “deixa pra lá”, dos lábios de Wilhelm.
Mal a porta se fechou, com a saída de Wilhelm, o casal se olhou e, com o costumeiro olhar de cumplicidade, entregaram-se a relatos e devaneios, que pareceram não ter fim. Eram duas horas da madrugada, quando decidiram interromper, para prosseguir no dia seguinte.
Gibran custou a pegar no sono, relembrando as palavras entusiasmadas de Rudolf Steiner, e já se imaginando pondo tudo no papel, sob a supervisão do Mestre. O dia seguinte encontrou-o fora da cama muito cedo, sem demonstrar o menor cansaço pela tarde comprida da véspera e pelo sono curto da noite.
Helga preparou o desjejum, e aproveitou os primeiros momentos da manhã para ouvir os derradeiros relatos que ficaram pendentes à noite. Depois, ela sabia que só voltaria a encontrá-lo à tarde pelo almoço.
CAPÍTULO TRINTA
Gibran registrou detalhadamente o seu encontro com Rudolf Steiner, preocupando-se em expor com minúcias os princípios da metodologia do sábio filósofo e educador. Nesta tarefa, ele gastou três dias, mas elaborou um autêntico compêndio pedagógico.
O Mestre continuou a acelerar as mensagens, como se houvesse pouco tempo para concluir toda a empreitada. Gibran desconfiou que para a aceleração havia alguma razão concreta, mas não se apegou a ideia, preferiu concentrar suas energias no trabalho.
Os filhos visitaram os pais nos meados daquele ano, e contaram tudo por que passaram durante o período da guerra. Eles não se viam desde antes do início do conflito mundial. Os irmãos também não se viam há muito tempo, e o reencontro foi uma festa.
Gibran sentiu que devia contar aos filhos tudo que vinha se passando com ele, as mensagens do Mestre e as profecias sobre o futuro deles, numa encarnação futura. Os filhos ouviram tudo com interesse, mas logo desviaram a atenção para os fatos da vida presente, contando suas aventuras e todos os riscos por que passaram.
Helga esteve eufórica, naqueles dez dias de convívio com os filhos. Cozinhou pratos saborosos e encheu-os de chás de ervas e pães de cevada, compensando a má alimentação com que estavam acostumados, em suas andanças pelo mundo.
Gibran aproveitou para se dar um descanso, no que foi apoiado pelo Mestre, que deixou sua mente sossegada, inteiramente voltada para os filhos. A despedida foi difícil, tanto que adiaram a partida por três vezes, até que não houve mais jeito. Abraços, beijos, risos e choros, se estenderam por mais de uma hora, até que os dois embarcaram no trem, e os adeuses saíram pela janela e se perderam muito além da última curva da estação.
Gibran e Helga voltaram tristonhos, e mal abriram a boca durante o caminho da estação de trem até o portão de casa. Deitaram cedo, abraçados bem juntinhos, e algumas lágrimas molharam o lençol durante a noite.
O dia seguinte encontrou-os despertos bem cedo, ele, saudoso em retomar seus escritos, e ela, ansiosa em rever seus canteiros. O dia foi curto, o trabalho acumulado tratou de ocupar todo o tempo dos dois, sobrando pouco espaço para uma prosa mais longa.
À noite, no entanto, encontramos os dois à mesa, relembrando os momentos vividos com os filhos, dando boas risadas, e confidenciando seus sentimentos e emoções, durante o reencontro. Eles já haviam chegado aos 80, e se deram ao direito de projetar mais alguns anos de vida, talvez cinco, dez ou um pouco mais. Afinal, como alegou Helga, eles estavam sadios e bem-dispostos, e não aparentavam a idade que tinham.
Karl e Karine também pareciam tão jovens, nos seus cinquenta e tantos. Será que eles teriam consumido água da fonte de juventude, e nem se deram conta! Eles caíram na gargalhada e se abraçaram, antes de seguir para a cama. Estavam cansados, e o sono alcançou-os mal se acomodavam debaixo das cobertas.


8 comentários:

  1. Que encanto de capítulos, maravilhoso Mestre! E tão bom ter conhecido Rudolf Steiner, esse ser tão especial que criou um dos sistemas de educação mais bonitos que há!

    Aí, em São Lourenço, existem Escolas Waldorf?

    Muitos abraços
    Jorge

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  2. Querido, Jorge Vicente:
    O conceito antroposófico é maravilhoso.
    A postura do Rudolf Steiner foi admirável, ao levar a sua metodologia para os empregados de uma fábrica de cigarros.
    Ele colocou o conteúdo do seu método acima de qualquer preconceito, quanto ao local da sala de aula.
    Sim, meu amigo, aqui, em São Lourenço, cidade em torno de 50.000 habitantes, temos a nossa escola antroposófica.
    Na obra que dá continuidade ao Memórias de um Profeta, denominada Os Semeadores do Amanhã, eu trato mais detalhadamente deste assunto.
    Abraço.
    Gilberto.

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  3. Em épocas mais remotas de nosso passado se dizia que um curso primário dava a seus alunos a capacitação que nos anos subsequentes ter um conhecimento ao que se ensinava no ginásio. Hoje os nomes dessas graduações se equivalem a curso fundamental e ensino médio.
    Mudaram-se os nomes, piorou-se em muito a qualidade de ensino administrado. Uma série de distorções que possibilitam ao aluno não qualificado ir galgando novos patamares até se graduar como um analfabeto funcional. Ao mesmo tempo o conteúdo administrado piorou em muito visando somente um adestramento para se passar no vestibular.
    Ao ler esses recentes capítulos temos a satisfação de ver Gilbran se encontrando com Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia. Os conceitos dessa filosofia foram aplicados em diversas áreas do conhecimento, tais como medicina, biologia, agricultura e sobretudo na educação. Nessa área o objetivo maior é a formação do ser humano.
    Estamos ainda longe de 2050, mas podemos pelo menos ficar esperançosos de que há uma perspectiva de melhora mesmo que distante. Novas e novas Escolas Walforf haverão de surgir.

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  4. Isto mesmo, meu amigo Avelino.
    Na sequência de Memórias do Profeta, como citei acima, Gibran e Helga vão semear essas ideias e defendê-las na comunidade.
    Ainda falta um bom tempo para consolidá-las, no entanto, elas já têm de ser semeadas.
    Abraço.
    Gilberto.

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  5. Meu querido Mestre, que belos capítulos que me encantaram, projetando em minha tela mental todas essas informações... Que encontro! Gibran e Steiner certamente são velhos amigos, ainda que não naquela vida, mas em outras vidas com certeza!
    Abraços.

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  6. Tudo é possível, querida Caroline!
    Como disse Fernando Pessoa "tudo vale a pena, quando a alma não é pequena".
    O encontro entre Gibran e Rudolf Steiner pode ter acontecido... ou não.
    O autor decide e o leitor aprova ou não.
    Esta é a vantagem de ser um escritor, os fatos são criados e as figuras ganham vida.
    O que acontecerá com Gibran e Helga?
    Faltam duas semanas para o epílogo da nossa história.
    Aguarde.
    Abraço.
    Gilberto.

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  7. Só duas semanas, querido Mestre? Vamos ter saudades!

    Esperamos também pelos Semeadores do Amanhã!

    Grande abraço!
    Jorge

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  8. A saudade, meu caro Jorge Vicente, revela um sentimento bom, que pode se tornar eterno.
    Mas, para que ela não seja demasiada, há de vir a seguir algo que seja compensador.
    E, o tema de Os Semeadores do Amanhã, trata da vida de Gibran e Helga no Brasil.
    Vai valer a pena criar uma boa expectativa por esta narrativa que vem por aí.
    Abraço.
    Gilberto.

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