domingo, 14 de outubro de 2012

QUE ASSIM SEJA - CAPÍTULO I

Meus assíduos leitores, e em especial minha fiel leitora Andréa:
Volto a ocupar um espaço do Alma Mater para, à semelhança dos antigos escritores, publicar mais uma de minhas obras literárias.
Depois do misterioso À Margem do Tempo, publico o conto, não menos misterioso, Que Assim Seja.
Estou concluindo uma história muito intrigante, chamada Memórias de um Profeta, que se passa num  passado distante e que faz revelações proféticas e futuristas.  Mas, a sua publicação só começará em janeiro de 2013.
Enquanto isso, fiquemos com o conto Que Assim Seja, que hoje tem publicado o seu 1º capítulo.
Vamos a ele!
Boa leitura.
Gilberto.


                                     Que assim seja.
                                      CAPÍTULO I
            Existem verdades, que o melhor é aceitá-las, e não tentar compreendê-las.  E se nem sempre isto é fácil, pior seria a loucura de tentar explicá-las.
            Com este curto prólogo, eu te introduzo, caro leitor, à estranha história de um homem cético, que se envolveu numa realidade que estava além da imaginação.
            Chamava-se Roque, um nome herdado do bisavô materno, que foi conhecido por seus dons xamânicos de cura, em terras distantes de além-mar. Perseguido sob a acusação de praticar magia negra, o bisavô do nosso Roque foi muito amado pelos mais humildes, a quem curava de todos os males físicos e espirituais, mas acabou queimado numa fogueira.
            O Roque da nossa história nasceu no Brasil, filho de imigrantes portugueses, teve uma infância difícil, sendo obrigado a trabalhar desde cedo.
            Desde menino, mostrou-se devoto de todas as Santas Maria, colecionando santinhos e se benzendo à simples menção dos seus nomes. Era um beato, um carola, como diziam seus pais.
            À custa de muita insistência dos pais, formou-se professor, e não padre. A Igreja perdeu uma grande vocação, o mundo ganhou um sábio e amoroso mestre.
            A sua opção pelo magistério atribui-se a Lídia, uma moça saidinha que atravessou o seu caminho às vésperas de se recolher ao convento.
            Moderna para a sua época, Lídia tinha um jeito atrevido de chamar a atenção, e fisgou o coração do rapaz, com seus trejeitos sutis e envolventes. O olhar de Lídia tinha o mesmo jeitinho oblíquo e dissimulado da Capitu, porém era bem mais audaciosa do que a personagem de Machado de Assis. Pensando bem, ela estava mais para Lolita do que para Capitu. Ela adorava seduzir homens mais velhos, e com Roque não foi diferente. Ele não foi o único, mas o último de todos.
            Lídia amou-o, e depois dele mais ninguém. Aquele olhar oblíquo e dissimulado nunca mais foi dirigido a outro homem. Lídia passou de sedutora a seduzida, e amadureceu tão bruscamente que a diferença de idade entre eles, aos olhos mais desavisados, passava despercebida.
            Casaram-se numa cerimônia simples, numa igreja de subúrbio, onde ele costumava assistir suas missas, desde menino. O padre, que esperava ordená-lo sacerdote, benzeu as alianças, e teve de se conformar com seu ato de traição à Igreja, como afirmou, mais tarde, aos pais de Roque.
            O casamento não o afastou da Igreja, mas mudou os seus antigos hábitos de freqüentar todas as festas e celebrações religiosas. Os parentes de Roque condenaram aquela união, desde os primeiros dias de namoro. As amigas de Lídia não se conformavam em perdê-la para aquele homem sério e compenetrado. Elas estavam acostumadas a recolher as migalhas que sobravam das festas e banquetes, com que Lídia celebrava cada conquista amorosa. Todos eram unânimes em afirmar que aquilo não ia dar certo.
            Apesar de todos os rogos e pragas, o casamento seguia de vento em popa. E, como se fosse magia, a conversa se dava pela troca de olhar, um compartilhava dos ideais do outro, numa harmonia perfeita.
            Viviam num mar de rosas, envolvidos no perfume das flores, e sem os espinhos que ferem os amantes mais incautos. Os parentes e amigos, cheios de ciúmes, criticavam os excessos de chamego, e pareciam se sentir provocados e ofendidos, por tanto amor.
            Ah, meus caros leitores, não tentem entender a alma humana! A mesma criatura que é capaz de se sacrificar para salvar um pobre coitado que está se afogando, também pode amaldiçoar uma gargalhada ou um simples sorriso do náufrago há pouco resgatado. Lembro-me de minha avó, que mais fácil chorava por quem sofria, do que sorria por quem demonstrava alegria e contentamento. Era uma boa mulher, mas cultuava o sofrimento, tanto quanto adorava os santos no altar. Alegria, para ela, era um ato de desrespeito aos muitos que sofriam, inclusive ela própria. Quantas pessoas não padecem do mesmo mal!


4 comentários:

  1. Obrigada pela gentileza.Eu concordo que alma humana,é sem dúvida um grande segredo,e confesso que o sofrimento chama mais a minha
    atenção do que a tal "felicidade".

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  2. Minha querida leitora, Andréa:

    A sua assiduidade na leitura e nos comentários do À Margem do Tempo, justifica a menção ao seu nome, na apresentação desta nova obra.
    Se é o sofrimento que mais a atrai, prepare-se.
    Um abraço.
    Gilberto.

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  3. Fantástico ritmo na narrativa, querido mestre.
    Gosto de textos dinamicos e libertos. Cá estou eu para acompanhar o conto de Roque (Santeiro).
    Abraços.
    Rute

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  4. Que bom que gostou do ritmo e da dinâmica, Rute!
    O conto irá agradar-lhe, tenho certeza.
    São cinco capítulos, enquanto aguardamos o término da nova história, em que vou relatar as Memórias de um Profeta.
    Abraços.
    Gilberto.

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